Não gosto de bolsa inflável, mais conhecida por airbag. Para que ela funcione, ou seja, infle numa batida, ela se vale de um sistema inflador que gera quimicamente o nitrogênio que vai inflá-la. O processo tem de ser rápido por razões óbvias, a bolsa deve inflar no momento da batida e, por ser rápido, é violento.
A geração do nitrogênio se dá pela ignição de azida de sódio (NaN3) com nitrato de potássio (KNO3) no interior de uma cápsula de aço e com isso a velocidade de deslocamento da bolsa ao se inflar é elevadíssima, até 320 km/h. Todo o processo é muito rápido: entre a bolsa inflar e começar a murchar — o nitrogênio escapa pelos vários e pequenos furos nela — decorrem apenas 0,030 segundo ou trinta milésimos de segundo. Para comparação, um piscar de olhos leva 0,050 segundo. Portanto, a violência é indiscutível e impressiona.
O pó branco que normalmente se vê quando a bolsa infla é apenas um talco, destinado a conservar a bolsa enquanto dobrada e guardada sob a almofada central do volante, no painel em frente ao passageiro ou em outros pontos, como nas laterais dos bancos dianteiros e por toda a extensão do teto, no caso das bolsas tipo cortina. Até na parte inferior do painel já existe bolsa inflável para proteção dos joelhos, no caso do motorista, mas já começa a haver no lado do passageiro também.
Está tudo muito bom, está tudo muito bem, como diz o Evandro Mesquita, da banda Blitz, na canção “Você não soube me amar”, um estrondoso sucesso de 1982 — se o sistema da bolsa inflável não der defeito. O caso é que dá e, não só isso, está matando.
Têm havido inúmeros casos de pedaços da cápsula do inflador se deslocarem junto com o nitrogênio para o interior da bolsa, verdadeiros estilhaços de granada. Como se sabe, o poder ofensivo de uma granada de mão está justamente nos estilhaços, é por isso que ela tem o peculiar desenho na sua couraça, para que os estilhaços se desloquem em todas as direções.
Esses estilhaços, na maior parte dos casos, atingem a cabeça ou o pescoço, daí seu poder letal. Há casos de corte da artéria carótida, no pescoço.
Não só os estilhaços em si são o problema. Se o rosto indo de encontro de uma bolsa que “trafega” em sentido contrário a mais de 300 km/h soa absurdo em si só, imagine-se se a pessoa estiver usando óculos e eles não saírem do rosto com a batida. É por isso que têm havido casos de lesões sérias nos olhos, quando não perda da visão.
Convocações, ou recalls, vêm envolvendo milhões de veículos, mostrando que o sistema está longe de ser confiável. No começo do ano reproduzimos notícia da Automotive News, dos Estados Unidos, a respeito dos problemas com as bolsas infláveis do fornecedor Takata (leia). Esta semana, mais um caso revelado, o de um motorista morto por estilhaços numa pequena colisão dentro de um estacionamento. O carro era um Acura 2002.
Ontem mesmo a Toyota anunciou convocação de 270.000 veículos entre automóveis, suves e picapes nos Estados Unidos devido a infladores da bolsa do passageiro dianteiro com perigo potencial de se romper e lançar estilhaços de metal. O equipamento também é da Takata.
E isso remete a outro problema associado às bolsas infláveis: envelhecimento.
Envelhecimento
O disparo do inflador é elétrico, a partir de sinal enviado por sensores baseados em acelerômetro num microchip. O sinal elétrico ativa o interruptor na cápsula infladora. O tempo, o passar dos anos, se encarrega de deteriorar a precisão de todo comando elétrico e esse não foge à regra; é impossível se prever como estará tudo isso em 10 ou mais anos.
E não só o tempo. Recentemente se constatou, após enchimentos sem motivo da bolsas, que a umidade do ar elevada pode levar a um contato elétrico não previsto. Em geral, esse é o tipo de ar nas regiões litorâneas ou mesmo em outras, como Manaus, no estado do Amazonas. Não há certeza absoluta de que o contato elétrico não possa se dar acidentalmente, a bolsa inflando sem que tenha havido uma colisão.
No Brasil, temos uma agravante que torna a bolsa inflável ainda mais problemática: as lombadas. Foi amplamente divulgado o incidente, em 1996, com o casal de jornalistas Eliakim Araújo e Leila Cordeiro, que estavam em uma minivan Ford Windstar e ao o veículo topar com uma lombada em Alphaville, na Grande São Paulo, as duas bolsas abriram inesperadamente. Segundo o jornal Folha de S. Paulo de 28 de maio daquele ano, Leila teve pequenos cortes internos na boca e nos lábios, com inchaço do rosto.
E de lá para cá as lombadas aumentaram criminosa e exponencialmente de número — alguém deveria ser responsabilizado por isso — o que aumenta possibilidade de ocorrerem casos como o de Eliakim e Leila.
É por tudo isso que não gosto realmente de bolsas infláveis. Preciso, inclusive, me policiar a não usar os óculos escuros que tanto aprecio, pelo benefício que trazem, quando dirigir carro com o equipamento.
Como meu próximo carro certamente terá as bolsas, já que são obrigatórias agora, vou cuidar de mandar retirar o inflador, pois não quero absolutamente ter esse risco desnecessário. Tenho certeza de que posso viver sem a bolsa inflável, como fiz até aqui. O cinto de segurança com pré-tensionador é mais que suficiente para reter o corpo ao banco.
Dispenso a retenção suplementar de 20%. O custo-benefício para mim é nitidamente desfavorável.
BS