*É um mundo muito, muito, muito, muito doido — título de um filme que completou 51 anos neste novembro, uma obra-prima do diretor americano Stanley Kramer (1913–2001) que retrata à perfeição a alteração do comportamento humano diante do vil metal. O filme começa quando um motorista se acidenta e instantes antes de falecer, no local, fala algo a respeito de um tesouro em um determinado lugar, dá uma pista da sua localização e um grupo de pessoas presentes ao momento final do acidentado parte para uma procura desenfreada do tal tesouro. Numa verdadeira doideira.
Claro, o filme que aqui se chamou “Deu a louca no mundo” é uma comédia, mas encerra um fundo de verdade inquestionável. Diante da ambição as pessoas se transformam, vem-lhes a idéia fixa e não medem todas as conseqüências de seus atos. Qualquer que seja a ambição, não apenas a pelo dinheiro.
Ambição como a do prefeito de Nova York, Bill de Blasio (D), empossado há um ano, reduzir o limite de velocidade na cidade toda para 40 km/h (25 mph). Ficou doido. Ou é um imbecil. Ou as duas coisas, imbecil doido.
O pior é que ele derrotou seu oponente do Partido Republicano com 73% dos votos, o que corrobora o que venho dizendo há tempo: a democracia é capaz de cometer suicídio. Haja vista o que aconteceu no Brasil dia 27 último.
Sua lógica de reduzir mortes e feridos no trânsito por meio da redução de velocidade é a mesma de reduzir a flatulência do gado vacum — o gás metano que se supõe contribuir para o efeito que vai derreter o planeta — reduzindo o número de cabeças de gado. As conseqüëncias de tal diminuição? Ora, as conseqüências…
No dia último dia 27 o idiota do prefeito de Nova York sancionou lei municipal, que entra em vigor no dia 7 próximo, estabelecendo o limite de 40 km/h em toda a Grande Maçã, a menos que a sinalização autorize diferentemente. Ou seja, 40 km/h é default, padrão, nos sete dias da semana, nas 24 horas do dia.
O mais estranho é que o tal limite municipal de velocidade já era de 48 km/h (30 mph), ou 50 km/h em números redondos. É como se 50 km/h fosse um limite “ameaçador”. Ao promover tal medida é como se os carros de hoje fossem os mesmos, tivessem embutida a mesma tecnologia dos anos 1930 ou 1940, fossem tão ameaçadores quanto.
Diz a prefeitura de Nova York no seu site (a exemplo das pérolas no site da CET de São Paulo, como a população aprovar o rodízio): “Velocidade excessiva (nosso grifo) contribui com 25% das fatalidades nas ruas da cidade de Nova York e é a maior causa de colisões de veículos automotores. Reduzir a velocidade de 48 para 40 km/h dobra as chances de um pedestre sobreviver a um atropelamento.”
E continua a baboseira oficial no site da prefeitura de lá, do qual fiz questão de traduzir alguns trechos para que o leitor tenha melhor idéia da dimensão da loucura desse prefeito e seus simpatizantes. Vale a pena ler o conteúdo todo, o que segue é apenas parte.
“Famílias e crianças estarão mais seguras devido ao que estamos fazendo hoje aqui. Baixar o limite de velocidade salvará vidas. Este é um passo importante para se chegar à Visão Zero e ele depende de cada nova-iorquino assumir responsabilidade pessoal e colocar as vidas de seus vizinhos em primeiro lugar,” disse o prefeito Bill de Blasio. “Esse momento é possível porque relatores como Sheldon Silver e Melissa Mark-Viverito agiram aqui e em Albany e se juntaram a essa coalizão de famílias, representantes e câmara municipal para pressionar as mudanças.”
“A cidade de Nova York é dedicada a tornar nossas ruas o mais seguras possível para os pedestres, motoristas, ciclistas e todos que as compartilham”, disse a relatora Melissa Mark-Viverito. “Agradeço os meus colegas do Conselho por todo seu enorme trabalho em tornar essa medida de bom senso uma realidade e estou satisfeita de ter o apoio da administração de Blasio à medida que continuamos nosso trabalho de acabar com as mortes na cidade de Nova York.”
“Aproximadamente 95% das ruas da cidade têm limite de 48 km/h ou mais. Depois de 7 de novembro, 90% das ruas terão limite de 40 km/h ou menos. Chega a 3.000 o número de novas placas de sinalização de limite de velocidade que serão instaladas durante o ano que vem, ao custo de US$ 500.000. A prioridade de sinalização será para todos os pontos de entrada na cidade, nas principais pontes e túneis, nos aeroportos e em todas as saídas de vias de trânsito rápido.”
“Devido à liderança do prefeito de Blasio, esta medida para salvar vidas é lei agora”, disse a técnica contratada do Departamento de Transportes, Polly Trottenberg. “Baixar o limite de velocidade em 8 km/h pode não parecer muito, mas ele corta pela metade as chances de pedestres virem a morrer ao serem atropelados. No dia 7 de novembro, todos os nova-iorquinos podem fazer a sua parte reduzindo a velocidade ao dirigir.”
“Homens e mulheres do Departamento de Polícia da Cidade de Nova York trabalham muito diariamente para manter nossas ruas seguras. Esta iniciativa de redução da velocidade nos ajudará em nossos esforços de educação e fiscalização rumo aos objetivos da Visão Zero”, disse o chefe da corporação, William Bratton.
“O limite de 40 km/h beneficiará motoristas de táxis e outros motoristas profissionais de várias maneiras”, disse o chefe e membro do Serviço de Táxis e Limusines de Nova York, Meera Joshi. “Primeiro, isso criará um ambiente de trabalho mais seguro para todos, mas também ajudará tanto passageiros quanto motoristas a entender nossa responsabilidade conjunta em pôr fim às mortes e ferimentos no trânsito. Passageiros, por favor dêem gorjeta pela segurança e não pela velocidade.”
Como se vê, as pessoas do texto acima enlouqueceram. Se Stanley Kramer estivesse vivo poderia lançar a seqüência de seu famoso filme a custo ínfimo, era só reunir as imagens e testemunhos dessa loucura coletiva que assola Nova York. A ameaça do ebola é nada comparada a tudo isso.
Só que em meio à demência generalizada em Nova York a redução de velocidade, aposto num plano diabólico do prefeito de Blasio para engordar o caixa da sua prefeitura com tanta multa que certamente haverá.
Cruzou o Atlântico
A demência de Bill de Blasio, cujo nome de registro é Warren Wilhelm Jr., e de seus seguidores, repercutiu na Inglaterra com a publicação, anteontem, pelo tradicional jornal The Guardian, da notícia da nova lei de Nova York. O jornal, inteligentemente, publicou a opinião de Christian Wollmar, escritor e radialista especializado em transportes, que advoga a redução do limite em Londres, e a de Brian MacDowell, o presidente da poderosa Aliança de Motoristas Britânicos, exemplo a ser imitado aqui no Brasil, pois estamos precisando urgentemente de uma associação semelhante face aos abusos que vêm sendo cometidos pela autoridade de trânsito e seus agentes no país todo.
Wollmar, outro demente, quer concorrer à eleição para prefeito em 2016 e diz que, se eleito, procurará baixar o atual limite em Londres de 30 para 20 milhas por hora (de 48 para 32 km/h) e que esse limite tornaria a cidade mais agradável para pedestres e ciclistas — como se motoristas, que também são cidadãos, não merecessem respeito. Chegou ao extremo do deboche de dizer que a redução que deseja não faria diferença na zona central de Londres, já que ali a velocidade média é de 10 mph (16 km/h).
Já Brian MacDowell, mostrando lucidez e raciocínio lógico, diz ser típico da classe política ignorar ciência e fatos, em vez disso focar em emocionalismo e modismos políticos (conhecemos bem isso no Brasil, especialmente por parte do prefeito Fernando Haddad, o tal do “nós pega o peixe”). Com muita clareza, Brian argumenta que as 1.700 mortes por ano em acidentes na Inglaterra — número nunca tão baixo apesar da frota circulante de 34 milhões de veículos — resultam muito mais de falta de atenção, não olhar e não observar, do que velocidade excessiva.
A matéria toda, em formato de debate, merece ser lida: http://migre.me/mCQiI.
Cinqüenta quilômetros por hora
É mais do que sabido que na Alemanha da velocidade ilimitada nas autoestradas o limite na cidade é 50 km/h. Carros alemães, inclusive, trazem no velocímetro uma marca vermelha em 50 km/h, como lembrete ao motorista. Mas ao se dirigir por lá pode-se andar até 15 km/h acima disso sem receio de se ser tratado como delinqüente, isto é, ser multado. Todos — agentes de trânsito e motoristas — usam o bom senso. É cultural.
Como em tudo, o bom senso tem de prevalecer. Imagine-se rodar por Nova York em horários de pouco movimento a 40 km/h. Isso é um desrespeito ao cidadão que paga o salário do prefeito Bill de Blasio e sua turma de puxa-sacos irresponsáveis.
No Brasil
Essa mesma noção errada de que velocidade é a causadora de todos males espalha-se célere por essas bandas também. O desabafo do leitor “Mr. Fórmula Finesse” publicado aqui neste sábado (1/11) mostra que a ânsia arrecadadora travestida de segurança rodoviária cresce a passos de gigante. Não apenas o desabafo desse leitor, os diversos comentários chegados mostram que estamos em terreno minado ao efetuarmos a simples tarefa de dirigir.
Ainda na administração Gilberto Kassab a cidade de São Paulo passou por um processo de redução generalizada de velocidade que fez estragos. O que aconteceu foi que os índices da mortes e feridos pouco ou nada cederam, como também o tráfego de repente congestionou-se mais, resultado direto da menor vazão nas avenidas e ruas.
Da noite para o dia parte do eixo norte–sul (avenidas 23 de Maio e Rubem Berta) passou a ficar mais congestionado, resultado do limite baixar de 80 para 70 km/h. O mesmo com outra importante avenida, a do Bandeirantes, que passou de 70 para 60 km/h. Mas, claro, é o “excesso de veículos”…
Agora São Paulo, com o petista — triste, um partido que não pode ter gentílico por não ter ideário, ter-se que pronunciar as letras do nome da agremiação — Fernando Haddad, se prepara para nova rodada de redução de velocidade, como na Av. Ibirapuera, baixando o limite, a partir de hoje, de 60 para 50 km/h.
A medida se justifica, segundo a sempre “brilhante” CET, por a avenida ser cortada por algumas ciclofaixas, além de possuir corredor de ônibus e grande fluxo de pedestres devido ao comércio local. Será que sou burro e por isso não entendi os motivos da redução? Se ciclistas devem obedecer aos semáforos, pedestres, idem, e os ônibus têm sua própria faixa à esquerda, para que baixar o limite?
Ah, como fui esquecer? Multas de trânsito estão no orçamento de Prefeitura paulistana, é isso.
Tenho notado, faz alguns dias, essas faixas informativas de redução de velocidade no meu bairro (Moema):
Resumindo, deu mesmo a louca no mundo, não é só aqui. E quando essa loucura atinge uma questão sensível como trânsito, de interesse de todos nós, aí é o verdadeiro salve-se quem puder.
Já que a criação de um partido político, de que já falei, é um tanto complicado “nesta terra descoberta por Cabral” (com licença, Juca Chaves!), vou conversar com a Aliança de Motoristas Britânicos (Alliance of British Drivers) para me inteirar de sua organização, como operam e outros detalhes. Quem sabe podemos criar uma entidade congênere no Brasil?
Alguma coisa tem de ser feita para barrar os abusos de que os cidadãos brasileiros que dirigem — cerca de 50 milhões , ¼ da população — estão sendo vítimas de autoridades e agentes de trânsito inescrupulosos.
BS