Não sei exatamente o motivo, mas sempre tive muito interesse em regulamentos técnicos das competições, entendê-los e sobretudo interpretá-los. Em 1978 a Fiat decidiu apoiar e incrementar a participação do 147 em corridas e ralis. Naquele ano, e desde 1976, a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), havia resolvido aplicar regulamento técnico internacional, muito por insistência minha, na categoria de carros de turismo. Meu ponto de vista era ser inadmissível termos o futebol com regras brasileiras em vez das internacionais ditadas pela Fifa e seu conselho, a International Board. Tinha que ser igual no automobilismo. Inclusive, tive a incumbência de traduzir, para a CBA todo o Anexo J, a parte do Código Desportivo Internacional que trata dos veículos. Não foi necessária tradução juramentada porque em caso de dúvida prevalece o texto em francês, uma norma da FIA.
Foi assim que a partir de 1976 as provas de Turismo passaram a se reger pelo Anexo J. e passou a valer o Grupo 1, carros de série de grande produção, 5.000 unidades em 12 meses consecutivos. Aquele era meu terceiro ano na equipe que representava a Ford nas competições, a Mercantil Finasa-Motorcraft, capitaneada por Luiz Antônio Greco. O Maverick n]ao tinha mais o carburador de quatro corpos (quadrijet) e as rodas eram as de aço de série. O Opala também foi atingido pelo novo regulamento internacional, pois o motor 250-S só seria lançado naquele ano com produção em série e ainda não podia ser homologado.
A Fiat elaborou um forte esquema de incentivo para que suas concessionárias formassem equipes para correrem na classe 851 a 1.300 cm³, o que significou na prática uma monomarca, pois não apareceram Fuscas 1300 para competir. Eu participei da primeira prova com os Fiat 147 correndo pela concessionária Fiat PST, do Rio de Janeiro, logrando vencê-la (foto de abertura).
O regulamento técnico do Grupo 1 é bastante limitado na questão de modificações autorizadas, o que obriga mecânicos e preparadores a pensar em todos os detalhes para conseguir máximo rendimento na pista obedecendo o regulamento.
Por exemplo, todos sabem que a taxa de compressão é crucial para a potência de qualquer motor de aspiração atmosférica e para correr no Grupo 1 a taxa deve ser obrigatoriamente a especificada na ficha de homologação, sem tolerância. Pelo regulamento o diâmetro dos cilindros pode ser aumentado até 0,5 mm em relação ao diâmetro original. Atento ao regulamento. vi que com esse diâmetro maior a taxa de compressão passa do limite da ficha de homologação. Vi ali uma incoerência do regulamento do Grupo 1, pois se numa eventual vistoria técnica pós-corrida do meu carro o comissário técnico medisse o diâmetro dos cilindros e o volume da câmara de combustão, ele consideraria o motor fora do regulamento.
No caso do Fiat 147 1050, a taxa subia de 7,4:1 para 7.48:1, pouco mas não desprezível numa categoria tão competitiva.
Procurei esclarecer esse ponto junto à CBA e como a entidade não se posicionasse, resolvi escrever uma carta (!) para a Subcomissão de Regulamentos Técnicos, cujo presidente era o piloto, engenheiro e jornalista especializado belga Paul Frère. Em cerca de 15 dias ele respondeu, mas enrolou, como se diz. Fiquei desapontado — por pouco tempo. No dia seguinte chegou outra carta dele dizendo que eu estava certo, explicando que neste caso de diâmetro dos cilindros aumentado em até 0,5 mm, ultrapassar a taxa de compressão de homologação era inevitável e, portanto o motor não poderia ser considerado ilegal.
Nas corridas de 147 seguintes eu levava a carta do Paul Frère comigo, mas ela nunca precisou ser exibida…
BS