Carros que voam por conta própria ainda não são realidade. Mas vários já tiveram esse “prazer” por aí, claro que com a ajuda humana ou de outras máquinas, como um Galaxie que a Ford colocou nos céus do Rio de Janeiro nos anos 70, um CrossFox que a VW transformou em teleférico do Pão de Açúcar em meados dos anos 2000 ou então essa história para lá de curiosa da apresentação do Audi TT no Brasil.
Futurista e todo atraente que era, o pequeno coupé alemão derivava do A3 (inclusive na plataforma e mecânica), mas encantava mesmo pelas linhas futuristas e simpáticas, bem diferente de tudo aquilo visto pelo mundo do final dos anos 90. Tinha metas: desbancar Porsche Boxster, Mercedes-Benz SLK e o BMW Z3, pioneira do trio. Tudo bem que o Audi chegou um tanto atrasado nessa briga, mas tinha armas boas como motor turbo ou tração integral, ou melhor dizendo, a famosa quattro.
Seus primeiros esboços foram criados no centro de design do Grupo VW na Califórnia, inclusive com a ajuda de Peter Schreyer, atual designer da Kia. O primeiro conceito aparecia no ano seguinte, no Salão de Frankfurt de 1995. Seu nome, que fugia aos padrões da marca na época (uma ou duas letras seguidas de um número), tem origem especulada até hoje: alguns dizem ser de Technology & Tradition, enquanto outros apostam em uma homenagem à competições automobilísticas da época da NSU, chamadas de Tourist Trophy.
Se era tão promissor e até revolucionário no design, merecia uma apresentação para dar o que falar no Brasil, onde chegaria não muito tempo depois da Europa. Pelo Velho Continente, onde inclusive estreou na Itália em setembro de 1998, ele já dava o que falar e mostrava o acerto nas boas vendas. Já no mês seguinte, mais precisamente dia 26 de outubro de 1998, ocorria seu lançamento no Brasil. Sem perda de tempo!
A data veio bem a calhar, afinal era época do Salão do Automóvel daquele ano. Melhor momento pra lançar uma novidade dessas, impossível: um evento gigantesto, realizado nos mais de 100 mil m² do Pavilhão de Exposições do Anhembi, que contava com mais de 30 marcas expondo 300 carros diferentes, e frequentado por mais de meio milhão de pessoas. Mas, mesmo assim, o pessoal da Audi sabia que só expor o TT com certa pompa não seria necessário…
Por isso, o então assessor de imprensa, saudoso Charles Marzanasco Filho, teve a brilhante ideia de…trazer o carro voando para o evento! A empreitada era complicada, já que os quase 1.400 kg do carro não o faziam levantar voo e muito menos passear pelo céu por aí. Além disso, para descer de volta à terra, o TT precisaria ser manobrado com cuidado para evitar qualquer tipo de imprevisto.
E assim foi, içado em uma estrutura própria e bastante resistente, e carregado por aí por um helicóptero Bell 212-IFR. Sua aterrisagem foi naquele chuvoso 26 de outubro às 12h30 na pista do Sambódromo do Anhembi, onde passam os carros alegóricos no Carnaval paulistano. Lá, primeiramente, o carro prata foi mostrado aos jornalistas especializados convidados pela Audi e, depois, guiado até o estande da marca no Salão.
Esse foi o primeiro e único caso de “TT voador” que se tem notícia pelo mundo (sem contar os acidentes, claro). Além disso, nenhum outro carro chegou dessa forma ao Sambódromo ou Pavilhão do Anhembi. Pioneiro e bem curioso.
O carro chegava por aqui com duas opções de mecânica, além da plataforma que era comum com o A3/S3 e poderia ter suspensões independentes nas quatro rodas. A primeira, mais simples, oferecia o motor 1.8 20v turbo de 180 cv aliado ao câmbio manual de 5 marchas. Nesse caso, tinha tração sempre dianteira, mas o pique esportivo era grande: 0 a 100 km/h em menos de 7,5 segundos e velocidade máxima que chegava perto dos 230 km/h. Era o mesmo conjunto dos A3 mais caros.
Nas configurações mais apimentadas e luxuosas, o motor 1.8 20v turbo permanecia, mas passava por várias modificações em prol de maior potência e torque. Agora já falamos de um carro de 225 cv de potência e câmbio manual de seis marchas em vez de cinco. Como cereja do bolo, a tração integral quattro, comandada e programada eletronicamente, e sem necessidade de atuação do motorista no seu funcionamento.
Nesse conjunto mais apimentado, que vinha do hot hatch S3, o TT conseguia baixar seu 0 a 100 km/h em 1 segundo (agora eram 6,4) e passava facilmente dos 240 km/h de máxima. Para conseguir parar melhor, esses carros de 225 cv tinham freios redimensionados e com discos ventilados também na traseira, isso sem falar das rodas maiores, de 17 pol. (16 pol. no de 180 cv).
Seu preço, na época da estreia, rodeava os US$ 75 mil na versão mais em conta, mas ia além disso com opcionais ou acessórios. Pudera, era completaço: tinha som CD-Player assinado pela Bose, ar-condicionado automático digital, bancos em couro com aquecimento, quatro bolsas infláveis, faróis de xenon e até controles eletrônicos de estabilidade e tração. Tecnologias que davam o que falar em 1998!
O paradeiro do TT voador é desconhecido e, se ainda existir, deve ter muita história pra contar no alto dos seus 24 anos de idade. Só essa do voo pelos céus de São Paulo já rende uma matéria…
DM
A coluna “Perfume de carro é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Nota do editor-chefe: Esta matéria, embora assinada por Douglas Mendonça, foi escrita por seu filho Lucca (foto), de 21 anos, estudante de Comunicação Social, Publicidade e Propaganda. Desde que se entende por gente, Lucca convive com carros e está envolvido no mundo automobilístico. Aprendeu a ler nas revistas do setor e cresceu frequentando oficinas, corridas e eventos com seu pai. Tornou-se o seu braço direito quando ele perdeu a visão em 2012, ajudando na produção de matérias, reportagens, avaliações e textos, estes a partir do que seu pai lhe dita.
Lucca, que conheço, tem o perfil autoentusiasta e caminha para em breve se juntar ao time do AE.
BS