Salão de Paris ou Salão da Renault? A rigor, esta edição do Salão de Paris (a 89ª, 17 a 23/10) contabilizou muito mais ausências que presenças. A única marca que “chegou chegando” foi a Renault, com direito a várias novidades como a reedição moderna de seu famoso R4 L (8 milhões de unidades nas décadas de 60 e 70), o R5 (elétrico que vai substituir o Zoe (entre Kwid e Mégane), um conceito (hidrogênio) do Scénic e suas marcas Alpine, Dacia e Mobilize.
O “Mondial de L’Auto” realiza-se nos anos pares, em revezamento com o de Frankfurt, nos ímpares. O terceiro mais famoso era o de Genebra, organizado anualmente. O alemão e o suíço já entregaram os pontos…
Os números que envolviam os salões eram descomunais. O de Paris abriu as portas pela primeira vez em 1898 e recebeu em 2004 quase 1,5 milhão de visitantes. Teve que fechar as portas em alguns momentos, pois a massa humana não conseguia mais se movimentar pelos corredores. Na última edição, em 2018 (o de 2020 foi cancelado pela Covid), foram credenciados 10 mil jornalistas para os dois dias dedicados à imprensa. O de São Paulo (também em anos pares) não ficava muito atrás, pois recebeu quase 750 mil visitantes em sua (literalmente) última edição, em 2018.
“Tô fora”
Entretanto, antes mesmo da pandemia que impediu a organização dos salões, as fábricas já questionavam se as contas do evento fechavam. E muitas decidiram economizar os milhões de dólares canalizados nos 10 dias do show, com resultados duvidosos.
As primeiras a abandonar os eventos foram as “super premium” como Rolls-Royce, Bentley, Ferrari, Aston Martin e outras que não viam sentido em tamanho investimento para atingir 1% ou 2% de seu público-alvo. Mais tarde, até as chamadas generalistas, como a Ford, também desistiram dos salões.
A internet (blogs, portais, mídias sociais) foi a “pá de cal” nas grandes mostras, pois arrefeceu os ânimos dos visitantes que passaram a conhecer as novidades em computadores ou celulares.
O de Paris, mais antigo do mundo, ainda resistiu em 2022, mas esteve perto do fracasso. Entre as locais, além da Renault, só a Peugeot montou estande e ainda deixou para depois do salão uma importante novidade, o “Inception”, carro conceito que definirá o futuro elétrico da marca. Prova retumbante de que a mostra deve rever seus conceitos é que nem mesmo a francesa Citroën marcou presença, limitando-se a enviar alguns modelos da DS, sua marca de luxo.
Mas três chinesas se aproveitaram inteligentemente da ausência generalizada para fincar bandeira em território europeu: BYD, GWM e Seres. E até uma vietnamita, a Vinfast.
Além da Renault, outra presença francesa de peso foi a do presidente Emnanuel Macron, que compareceu pessoalmente no primeiro dia do evento, dedicado à imprensa.
“Tapa-buraco”
A relação de ausentes coincide com as principais marcas do mundo: nenhuma germânica (Mercedes, Porsche, BMW ou Audi). Aliás, nenhuma do grupo VW. Nem italiana (Fiat, Alfa, Ferrari, Maserati). Ou japonesa (Nissan, Honda, Toyota ou Mitsubishi). Nem coreanas ou inglesas. Nada de Ford nem GM.
Para encobrir o fracasso, os organizadores reduziram o número de pavilhões ocupados na Porte de Versailles. E ainda acumularam o de automóveis com outro salão, o de equipamentos para oficinas, frotistas e concessionárias (Equip’ Auto). Apelaram para estandes “especiais” com exposição de esportivos, antigos e exóticos. E o tempo da mostra, que chegou a 18 dias, encolheu para uma curta semana de terça a domingo.
O que não faltou foi uma enorme variedade de microcarros elétricos: franceses, italianos, chineses, de toda parte. A maioria lembrando não ser necessária habilitação para dirigi-los.
“Boicote alemão”
Não faltou sequer um grande boicote à resistência francesa: o ostensivo tiro de misericórdia foi disparado pela Mercedes-Benz que montou uma bela exposição nos jardins do Museu Rodin, a “Garage Mágica”, exatamente nos mesmos dias do salão. Com direito ao lançamento mundial de mais um elétrico, o EQE suve, toda sua gama EQ e carros-conceito das marcas Mercedes e AMG. Além de uma exposição de parte do enorme acervo artístico da empresa, com quadros de artistas famosos como Andy Warhol, Andrea Zittel e outros.
Se a Resistência Francesa marcou época na década de 40, a deste ano parece estar sinalizando o ponto final — ou a completa transformação — de mais de um século de mostras internacionais focando o mais cobiçado objeto de consumo do planeta.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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