A notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo e repetida no portal UOL, que faz parte daquele grupo editorial, estourou como uma bomba.
Anteontem (28/4), durante a 6ª Edição da Abertura da Safra Mineira da Cana-de-Açúcar, em Uberaba, MG, foi anunciado que o governo estuda aumentar o conteúdo de álcool etílico anidro na gasolina do atual 27% para 30%.
“O aumento do teor de etanol vai contribuir para segurança energética do nosso País, com a redução das importações de gasolina e para a transição energética, pela redução das emissões de gases do efeito estufa,” disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, acrescentando que “o governo está criando um grupo de trabalho para discutir a mudança.” e que “o aumento da mistura do biocombustível poderá ocorrer de maneira gradual!”
Depreende-se que o governo (os governos, não só esse) desrespeita os cidadãos na sensível questão dos combustíveis.
Desde que me entendo por gente, e note-se que já tenho 80 anos, combustível no Brasil sempre teve algum tipo de problema.
Começou no primeiro governo Vargas (eu não era nascido), na segunda metade dos anos 1930, quando a cotação do açúcar nos mercados mundiais caiu fortemente e, para não queimar a cana-de-açúcar excedente, foi decidido produzir álcool e misturá-lo à gasolina proporção de 5% a 8% dependendo da safra.
Em 1949, eu com oito anos, vi um tio precisar comprar gasolina “especial”, também importada (o Brasil ainda não refinava sua gasolina) em latões 20 litros para que o motor do seu Oldsmobile V-8 1949 com o então moderno motor de válvulas no cabeçote, pudesse funcionar sem a danosa detonação, a chamada de “batida de pino”.
Em 1953 foi criada a Petrobrás,, o Brasil começou a refinar gasolina, mas sua octanagem era muito baixa, 78 a 80 octanas RON, obrigando as fabricantes que para cá exportavam a “tropicalizar” os motores com taxas de compressão mais baixas.
Por volta de 1955 a Petrobrás passou a produzir uma gasolina de maior octanagem, 95 RON, que para diferenciá-la da comum aplicou-lhe corante azul, por isso mesmo chamada de gasolina azul (a comum tinha cor amarela). Na primeira Mil Milhas Brasileiras, em novembro de 1956, a Petrobrás forneceu gratuitamente essa gasolina. para todos os pilotos.
Mas a gasolina azul era bem mais cara do que a amarela, e poucos a aceitavam por esse motivo, fora que os carros que aqui rodavam já eram “tropicalizados”, não precisavam dela, criada para os carros importados.
Esse quadro durou até 1982, depois que o governo Ernesto Geisel criou o Proálcool e precisou de volume de tancagem nos postos para distribuir e vender álcool. Nesse momento a gasolina azul deixou de ser oferecida e no seu lugar começou a venda da gasolina de octanagem única, 95 RON, obtida com a mistura de álcool a 12%, chamada E12 (“E” de etanol, 12 o número da sua porcentagem na mistura com gasolina).
Se essa mudança resolveu um problema de distribuição e venda de álcool, criou outro, a epidemia de bloqueio por vapor de gasolina (vapor lock) nas bombas de combustível dos motores, que os levava a parar de funcionar sob altas temperaturas ambiente.. A indústria precisou dotar todos os carros de linha de retorno de combustível, com isso baixando a temperatura das bombas de combustível e eliminando o bloqueio por vapor.
Passaram-se 15 anos com gasolina E12 até que em 1997 o governo resolveu aumentar o teor de álcool na gasolina para 22% (E22), com tolerância de +/- 2%. A Anfavea pressionou o governo e este determinou ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que nos testes de homologação fosse usada unicamente gasolina E22, sem a tolerância legal, padrão e que está em vigor hoje.
Em 2014, surpresa: o porcentual de álcool aumentou de novo, 27,5% (E27,5). Nova pressão da Anfavea: os carros importados funcionariam mal com tanto álcool na mistura. O governo cedeu e autorizou E25 para as gasolinas premium, a que os importados costumam utilizar.
A grita dos que utilizavam gasolina comum/aditivada foi forte, uma vez que a E22 já era o limite para carros mais antigos calibrados para E12. A Anfavea concordou, e por isso recomendou pelo seu então presidente Luiz Moan Yabiku Júnior, de maneira indelicada, que esses carros calibrados para E12 deveriam deveriam abastecer com gasolina premium por ela ser E25…
Tal qual Maria Antonieta, rainha consorte da França, que ao saber que o povo não tinha pão, disse “Que comam brioche!” Historiadores discordam da veracidade desta frase, mas ela subsistiu e hoje serve para criticar qualquer chefe ou governante insensível.
Hoje não é mais E27,5, mas E27 para simplificar os testes de conteúdo de álcool na gasolina.
Pelo visto, esta história de brincar com misturas de gasolina e álcool está longe da acabar. A intenção do governo (deste governo) da passar a gasolina para E30 mostra-o bem.
O bom senso diz que a gasolina brasileira deveria ficar congelada em E22. Não é a ideal E10 que nos deixaria harmonizados com o resto do mundo — principalmente com o Mercosul —, mas pelo pelo menos acabaria o “brincar de químico” e as homologações de consumo do Inmetro deixariam de ser de mentirinha, já que não existe gasolina E22 nos postos.
BS
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