O governo federal, na tentativa de agradar a indústria e operar uma manobra populista com o plano de incentivos do “carro popular”, pôs à mesa um exemplo de lambança que conseguiu um resultado unânime. Ele conseguiu desagradar a todos: o consumidor, o concessionário, o frotista e o caminhoneiro. E até para desovar os estoques nos pátios, o plano foi falho. Listei sete pataquadas desse plano de incentivo que ainda vai custar caro ao bolso do consumidor. Afinal, a conta virá com o aumento do diesel, daqui algumas semanas.
Inépcia
A inabilidade do governo veio à tona antes mesmo de oficializar o plano, ao anunciá-lo canhestramente antes de ser implementado e criando uma expectativa no mercado que esvaziou as concessionárias durante quase duas semanas. Ou alguém é idiota a ponto de comprar um carro sabendo que seu preço será reduzido dali a alguns dias?
“Galinha”
O plano de renúncia fiscal desagradou a gregos e troianos, pois nada resolveu para o consumidor nem para a indústria automobilística. A redução de R$ 2 mil a R$ 8 mil reais teria que ser acompanhada de um plano de financiamento com juros também reduzidos e a longo prazo. Pois a queda nas vendas não foi provocada apenas pelo preço, mas também pelos juros elevados. Para a indústria, nada resolve este “voo de galinha”, um movimento pontual que ajudou a aliviar estoques por um curto período. Qualquer plano minimamente consistente deve durar pelo menos doze meses para gerar resultados satisfatórios.
E as fábricas?
O governo foi tão inepto em seu plano que se limitou a conceder uma isenção tributária, sem exigir nenhuma contrapartida das fábricas. Ingênuo a ponto de não perceber o óbvio: as fabricantes vieram aumentando as tabelas de preços desde o início do ano, pois já tinham vazado informações sobre um possível plano de incentivos no primeiro semestre e imaginavam que seriam forçadas a “colaborar” pelo governo. Tanto que, mesmo sem esta exigência, elas voluntariamente concederam descontos extras até em modelos de valor mais elevado, pois criaram “gordura” para tanto.
Ambiente
Outra distorção do plano foi a falta de estímulo aos modelos “limpos” numa época em que não se trata de outro assunto no planeta. Ou melhor, só se lembraram do assunto ao — ridiculamente — atribuir mais pontos classificatórios aos modelos a álcool, que não existem no mercado. Ou aos híbridos e elétricos: nenhum dentro do valor máximo de R$ 120 mil para fazer jus aos incentivos….
Prazo
Enfiaram as mãos pelos pés ao conceder o prazo (inicial, depois prorrogado) de 15 dias para que a pessoa física aderisse ao plano. Por acaso imaginavam que, se o prazo não fosse estendido, as empresas, frotistas e locadoras não esgotariam o crédito remanescente em questão de minutos? E, pensando bem, qual o propósito de conceder incentivos para locadoras que já gozam de descontos elevadíssimos e colocam o carro à venda (pelo preço de mercado) 18 meses depois da compra?
Pesados!
Cereja do bolo na trapalhada foi a inclusão de caminhões e ônibus no plano, numa frustrada tentativa de estabelecer, a toque de caixa, uma renovação de frota para retirar os mais idosos de circulação. Com regras que deveriam teoricamente estimular o caminhoneiro autônomo a sucatear seu veículo, mas que na prática se revelaram inócuas.
“Popular”
Só mesmo entre aspas: anunciá-lo é uma ilusão pois o carro barato já acabou no mundo inteiro, pela inflação e pelos custos dos equipamentos de segurança e emissões. A pura renúncia fiscal não resolve e ainda complica as contas públicas. Se o governo pretende tornar o carro mais acessível, tem que articular com todo a cadeia e pensar nas opções para reduzir custos de fornecedores, fábricas e concessionárias. Além de reclassificar a obsoleta tributação que hoje privilegia a cilindrada, ao invés de emissões e eficiência energética.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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