Como avaliar a proteção oferecida por um automóvel aos seus ocupantes em caso de acidente? Jogando-o a uma velocidade-padrão (56 km/h) contra uma parede de concreto com bonecos em seu interior que simulam a gravidade das lesões provocadas pelo impacto.
Não existe um órgão independente no Brasil para realizar estes testes, mas tem o uruguaio LatinNCAP que assumiu esta função para os veículos comercializados na América do Sul e Caribe.
Não tem dúvida: é de extrema importância exigir um nível cada vez mais elevado de proteção aos ocupantes do automóvel num acidente. Mas não com os discutíveis critérios adotados pela entidade uruguaia: cada vez que publica os resultados dos testes se registram distorções que confundem o consumidor e prejudicam o fabricante.
LatinNCAP não é confiável
São muitos os exemplos da pouca confiabilidade da entidade uruguaia, entre eles: em 2016, ela testou um Ford Ranger comprado na Colômbia onde não há, como no Brasil, a exigência das duas bolsas infláveis frontais. Claro que o resultado (medido de zero a cinco estrelas) foi desfavorável à picape da Ford. Em 2019, a vítima foi a Mitsubishi, pois a picape L200 testada tinha sido produzida na Tailândia e não na Argentina, a que vem para o nosso mercado. Resultado? Zero estrela!
Em 2020, o LatinNCAP testou o novo Hyundai HB20 e atribuiu 4 estrelas ao coreano. Um ano depois, o mesmo modelo perdeu três delas, inexplicavelmente.
Em 2021 foi a vez do Renault Duster, que também levou bomba com zero estrela. Exatamente o mesmo modelo agraciado com 4 estrelas em 2019. “É porque mudamos os critérios para exigir mais segurança”, explicam os uruguaios. Uma argumentação razoável. Mas jamais para justificar um segundo teste num modelo produzido para atender o anterior.
Qualquer órgão que estabeleça padrões para fabricantes só verifica o enquadramento do produto fabricado após a publicação de novas exigências. No Brasil, corre-se o risco de comprar hoje um carro cinco estrelas e descobrir amanhã que foi rebaixado para zero ou uma. Tem cabimento?
De cinco para uma estrela
Neste mês de julho, o LatinNCAP supera sua própria irresponsabilidade: testa um Jeep Renegade produzido em 2021, fora de linha desde o início do ano passado e o reprova com uma única estrela. O mesmo carro que recebera o total de cinco delas em 2015.
Como é que o LatinNCAP tenta explicar o inexplicável? O carro foi produzido no Brasil, mas comprado num resto de estoque de uma concessionária no Panamá. Desde o início do ano passado, o Renegade ganhou novo motor, seis bolsas infláveis em todas as suas versões e novos equipamentos de segurança, o que mudaria completamente seu comportamento num crash test.
Alejandro Furas, o uruguaio secretário-geral da entidade percebeu, depois de adquirido o veículo, que ele estava ultrapassado e pediu à Stellantis (dona da marca Jeep) que fornecesse um modelo novo para os testes. Assumindo, naturalmente, os míseros US$ 500.000 (R$ 2,435 milhões) necessários para sua execução. A empresa se recusou e ele decidiu enviar assim mesmo o antigo Renegade para os testes na Europa pelo EuroNCAP. A própria entidade uruguaia confessa em seu “release” para a imprensa que solicitou da fábrica um novo veículo, negado pela empresa. Mas, revelando completa leviandade, acusa a Stellantis de “comunicação enganosa ao mercado”.
Stellantis negou patrocínio
A Stellantis, consultada, confirma que negou ao sr. Furas o patrocínio do teste de Renegade atual mesmo diante da ameaça (ou talvez por isso mesmo…) de ter seu veículo reprovado nos crash tests. Diz ser “importante ressaltar que a versão testada, mesmo que feita aqui, não é vendida no País. No Brasil, o modelo tem seis bolsas infláveis, todos os faróis de LED, controle de estabilidade, detector de fadiga, assistente de manutenção de faixa e frenagem autônoma de emergência. Que não fabrica mais a versão com apenas duas bolsas infláveis do Renegade. E que os itens de segurança oferecidos de série em todas as versões fabricadas no País são distantes por completo da versão testada, já fora de linha”
Já não está mais que na hora de o Brasil ter uma entidade para realizar estes testes e não ficarmos mais dependentes destes uruguaios de competência duvidosa?
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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