Quando a Ford anunciou há dois anos que fecharia suas fábricas no Brasil, foi uma saraivada de questões e críticas à empresa. Mas sua subsidiária brasileira estava simplesmente estancando uma sangria de — acreditem — 1,5 milhão de dólares por dia na América do Sul.
Derrapadas brasileiras
A Mercedes-Benz já investiu duas vezes no Brasil para produzir automóveis e enfiou a viola no saco: em Juiz de Fora, MG de 1999 a 2005, e Iracemápolis, SP, de 2016 a 2020. E amargou um baita prejuízo também com o fracassado projeto da picape Classe X, que seria vendida aqui com fábricas na Argentina (nem chegou a produzi-la) e na Espanha, onde a produção não durou dois anos.
A General Motors mantém sua produção de automóveis no Brasil, mas fechou a fábrica de caminhões.
A Volkswagen já se meteu em várias trapalhadas: entre elas, a fusão (na verdade, uma confusão…) com a Ford (Autolatina, de 1987 a 1994, foto de abertura) e a importação de automóveis da Seat, sua subsidiária espanhola, entre 1995 e 2002.
A Chrysler investiu (e perdeu muito dinheiro) três vezes no Brasil: de 1967 a 1981 produzindo automóveis e caminhões em São Bernardo do Campo, SP até ser adquirida pela Volkswagen, que fechou suas portas. A segunda investida em 1998, ao instalar uma fábrica em Campo Largo, na Grande Curitiba, para produzir a picape Dakota. E uma outra de motores (a Tritec, em associação com a BMW, no mesmo município) para exportação, que só durou de 2001 a 2007.
Fruto de uma complicada parceria na Europa, Fiat e GM uniram áreas de compras e desenvolvimento de motores também no Brasil, em 2000. Era a Fiat GM Powertrain, que durou apenas até 2005.
A indiana Mahindra concedeu licença ao grupo Bramont para produzir seus suves e picapes em Manaus. A aventura durou apenas cinco anos, de 2010 a 2015, mas ela mantem uma outra fábrica, a de tratores em Dois Irmãos, RS.
Rolls-Royce: Volkswagen pagou mas não levou
Não foi só na América do Sul, mas no mundo inteiro: a Daimler-Benz, por exemplo, perdeu bilhões de dólares ao comprar a Chrysler em 1998: os alemães pagaram US$ 36 bilhões para transformá-la em DaimlerChrysler. Que só durou até 2007 quando a fatia norte-americana foi vendida para a Cerberus, um fundo local de investimentos, por apenas U$ 7,6 bi. Acabou indo parar nas mãos da Fiat, que virou Fiat Chrysler Automobiles hoje Stellantis.
O departamento jurídico da Volkswagen deu uma bobeada feia quando a empresa de Wolfsburg decidiu comprar a inglesa Rolls-Royce, das mais famosas marcas do mundo. Pagou mais de US$ 700 milhões, mas não levou: a fábrica de motores aeronáuticos alegou ser proprietária do nome e lembrou que a VW só teria direito a levar a velha fábrica da RR em Crewe, na Inglaterra, e usar a marca Bentley. Após longa batalha jurídica, quem acabou assumindo — de fato — a Rolls-Royce foi a BMW.
A Ford foi outra que jogou no lixo um caminhão de dólares ao formar o PAG, Premier Automotive Group com Jaguar, Aston Martin, Land Rover e Volvo, associadas às suas marcas americanas de luxo Lincoln e Mercury. O grupo logo se desfez com Jaguar e Land Rover indo parar na Índia (Tata Motors), a Volvo com a chinesa Geely. A Aston Martin voltou para os ingleses, controlada por um fundo local de investimentos. Mas a Mercedes está de olho nela…
Em 1994, a BMW compra o Rover Group, holding inglesa que detinha as marcas MG, Land Rover e Mini, entre outras. Mas o interesse dos alemães se limitava a absorver duas tecnologias: do 4×4 e do compacto, para expandir sua gama. E se desfizeram da MG e Land Rover.
A GM perdeu bilhões de dólares na Europa, não só com a alemã Opel (absorvida pela Peugeot em 2017, hoje sob o guarda-chuva da Stellantis) e a inglesa Vauxhall, mas também com a sueca Saab que fez parte da gigante norte-americana de 1990 a 2012. E na Australia com a Holden, já fechada.
Especialistas do setor estimam que brevemente teremos menos de dez empresas controlando todas as marcas de automóveis do mundo. Fusões e alianças se iniciaram no início do século passado: além da Daimler com a Benz em 1926, quatro outras alemãs se uniram em 1932 — Audi, DKW, Horch e Wanderer— formando a Auto Union. Ficou apenas a Audi, para quem sobrou o logotipo dos quatro anéis entrelaçados que representava a união de quatro fabricantes. E muitas outras parcerias e fusões pelo mundo.
É uma tendência secular, mas que não garante o sucesso destas transações. Pelo contrário, já se jogaram bilhões pelo ralo e sobreviveram as que tiveram muita saúde financeira para enfrentar colossais prejuízos.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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