Já escrevi várias colunas a respeito de mulheres e carros. De fato, até mesmo minha primeira escrevinhação neste espaço foi sobre o assunto. Passaram-se 9 (!) anos desde então e ainda gostaria que esse assunto não fosse notícia, que pudéssemos falar apenas sobre autoentusiasmo sem diferenciar homens de mulheres. Mas o fato é que isso ainda não é possível, pois qualquer iniciativa nesse segmento ainda chama a atenção. Então, vamos a mais uma coluna sobre este assunto que, para orgulho meu, foram poucas vezes em que o gênero significou algo, pois acredito que já que não há maiores diferenças entre homens e mulheres na condução de um carro de corrida e preferiria que em vez de uma categoria segregada fosse fomentado a inclusão de mais mulheres na F-1, já que sempre foram pouquíssimas. Mas obviamente não fui consultada…
Eu escrevi aqui sobre a W Series no seu começo, mas reconheço que não acompanhei muito desde então, algo que provavelmente acontecerá mais uma vez com a iniciativa que pretende substituí-la: a F-1 Academy.
A W Series morreu de inanição. Faltaram patrocinadores, público, de tudo e hoje a categoria está esquecida e sob administração judicial. Em novembro do ano passado foi anunciada a F-1 Academy, uma iniciativa que tem o mesmo objetivo da W Series: promover a participação e a preparação de mulheres no esporte a motor. Mas assim como gato escaldado tem medo de água fria, meu entusiasmo neste quesito é limitado. Talvez, e digo apenas talvez, agora estejamos diante de algo mais realista, pois a nova categoria tem o patrocínio direto da Fórmula 1 e passa a fazer parte oficial das categorias de acesso. Também não começa do nada e sua base é a própria F-4, com o objetivo de atrair mulheres vindas do kart e de prepará-las para a transição para os monopostos maiores. A organização é a mesma das F-2 e F-3.
A F-1 Academy é atualmente composta por cinco equipes: ART Grand Prix, Campos Racing, MP Motorsport, PREMA Racing e Rodin Carlin. Cada time terá três pilotos. Embora o próximo grid ainda não esteja confirmado, as cinco pilotos que não forem selecionadas pelas equipes da F-1 correrão sob outro apoio. Para comandar tudo foi escolhida Susie Wolff, ex-piloto com passagem por postos importantes no automobilismo (certo, ela é também esposa de Toto Wolff, o mandachuva da equipe Mercedes de F-1) como executiva-chefe da equipe Venturri na F-E.
A temporada deste ano terá sete finais de semana de eventos com três corridas cada um, totalizando 21 corridas, e outros 15 dias de testes oficiais. No entanto, apenas o grande prêmio de Austin (EUA) coincidirá com a corrida de Fórmula 1, em outubro próximo. Primeiro ponto negativo: se a ideia é divulgar uma nova categoria que serviria de base para a F-1, por que não aproveitar a fama e o público conquistados ao longo de mais de meio século? Era só fazer as corridas no mesmo final de semana, como acontece com a F-2 e F-3.
Por falar nisso, quem é que não começou a acompanhar estas duas categorias quando os eventos coincidem e a televisão os transmite? Final de semana de F-1 na minha casa é sinônimo de horas e mais horas diante da TV. Assistimos treinos livres de três categorias (às vezes incluo a Porsche Cup), as classificações, as corridas sprint… são três dias de tevê ligada horas e mais horas. Certamente acomodaria a F-1 Academy também, se possível fosse.
Mas vamos a mais alguns detalhes desta modalidade: cada final de semana da F-1 Academy tem dois treinos livres de 40 minutos, duas classificações de 15 minutos cada uma e três corridas com durações variadas. A primeira prova dura 30 minutos + uma volta com ordem de largada em função da primeira classificação. Assim, quem conquistar a pole position larga em primeiro lugar na corrida — mesma ordem que acontece na terceira corrida. Já a segunda prova dura 20 minutos + 1 volta e as oito primeiras da primeira classificação começam a prova com o grid invertido, ou seja, a pole larga em oitavo lugar, a segunda classificada em sétimo lugar e assim por diante. O sistema é semelhante ao das F-2 e F-3.
Os carros usados para a temporada 2023 têm chassis Tatuus F4-T421, o mesmo que vem sendo usado desde o ano passado pela F-4. Os motores são turbocarregados de 4 cilindros e que entregam 165 cv. Os pneus, assim como na F-1, são da Pirelli. Todos os carros são iguais entre si e teê velocidade máxima de 240 km/h e aceleração de 0-100 km/h em 3,16 segundos. A F-1 subsidia o custo de cada carro em 150.000 euros e os pilotos pagam o restante.
Isto posto, vamos à notícia mais incrível e que para mim mereceria o troféu Maior Perda de Público Potencial do Ano: a nova categoria não teria transmissão pela televisão. Isso mesmo. Nenhum canal, em nenhum país. Sequer no streaming oficial da F-1, que mostra, inclusive, as outras disputas de base. Filmagens dos boxes serão proibidas e haverá tão-somente um resumo no canal do YouTube da F-1, isto somente depois das corridas. Me lembrei de quando a Rede Globo detinha os direitos de transmissão e em algum momento dos anos 1970 ou 1980 resolveu que não mostraria a corrida de F-1 ao vivo, mas somente alguns flashes durante o Fantástico. No lugar era transmitido o programa Os Trapalhões. Sempre achei que o nome da atração se aplicava perfeitamente aos que decidiram fazer isso. Felizmente, não durou muito e voltamos a ver as corridas ao vivo. Justamente num período em que foram muitas as disputas e havia brasileiros nas pistas. Mais tiro no pé, impossível.
A organização não explicou o porquê disto, apenas disse que faria filmagens próprias para um documentário que seria exibido em algum momento no futuro. Ah, tá, como se fosse a mesma coisa! Pelo menos anunciaram que a partir de 2024, as provas da F-1 Academy serão realizadas junto com as da F-1 e a modalidade feminina terá também a participação das 10 equipes da F1. Cada time escolherá uma participante para que corra com sua pintura no carro. Precisa ver se haverá algum público interessado depois de terem desperdiçado a promoção que, claro, seria na primeira temporada.
O mais estranho disso tudo é que a categoria envolve a Liberty Media, empresa que desde que assumiu a F-1 tem feito de tudo para promover o esporte, inclusive patrocinando o discutível “Drive to Survive” da Netflix — lindo na forma e no resultado final, porém exagerado nas disputas entre pilotos. Virou um novelão de intrigas no melhor estilo venezuelano, mas é inegável que atraiu para a F-1 um público jovem gigantesco. Da mesma forma, a Liberty impulsionou a competição nas mídias sociais enquanto a F-1 Academy a ignora… Juro que não entendi a estratégia.
Minha terceira ressalva à condução do tema é que a Federação Internacional do Automóvel (FIA) está realizando este ano a quarta edição do Girls on Track. Ele é um programa que pretende escolher e formar pilotos femininos (me recuso a escrever “pilotas” que não existe no idioma com esse sentido) no kart e em monopostos.
Em resumo, até este momento a líder do campeonato é a espanhola Marta García, com 235 pontos (PREMA Racing), seguida da suíça Léna Bühler, com 187 pontos (ART Gran Prix) e depois a emirati Hamda Al Qubaisi, com 179 pontos (MP Motorsport). Outro dado que me surpreendeu: não há competidoras brasileiras, mas há, sim, uma latino-americana: a uruguaia Maite Cáceres (M. Campos Racing), que amarga um 15 e último lugar com 6 pontos.
Já que é tão difícil acompanhar esta categoria, segue aqui o link da F-1 Academy, para quem quiser se informar mais: https://www.f1academy.com/
Mudando de assunto: na falta de notícias frescas sobre a Fórmula 1, alguns sites têm se dedicado a postar fotos dos pilotos em férias. Entendo que George Russell se interesse por aprender a surfar mas, sério, as fotos dele sem camisa já cansaram. Mais pelo tanto que ele aparece sem essa peça de vestuário do que pelo fato de estar no mar só de calção.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.