O álcool foi para o tanque do automóvel com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) do governo federal lançado em novembro de 1975. Foi um sucesso e as vendas do carro com o combustível derivado da cana de açúcar chegaram a 98% do mercado doméstico. Quem tinha motor a gasolina o convertia para o álcool
Mas o sonho durou pouco mais de dez anos e virou pesadelo no final da década de 1980, quando o combustível “verde” faltou nos postos e formaram-se extensas filas de motoristas arrependidos. A maioria fez a conversão reversa: do álcool para gasolina. Foi a derrocada do carro a álcool, acelerada pelo elevado preço do álcool em relação à gasolina a partir de meados da década de 1990.
A eletrônica solucionou o problema e tornou possível lançar em março de 2003 o carro flex, que aceita ambos os combustíveis. Eliminou então o receio do motorista de se tornar novamente refém das inconstâncias de humor dos produtores de álcool.
Mas as estatísticas não deixam margem a dúvidas: é uma falácia afirmar que o flex é solução para a descarbonização, pois, apesar de ele representar 85% da nossa frota, a gasolina ainda representa 70% das vendas nos postos.
Carro “limpo” de fato
Soluções que reduziriam de fato as emissões veiculares a partir do álcool:
1 – Incentivar o motor que só queima álcool. Ele já foi desenvolvido por algumas fábricas e a Stellantis já o tem quase pronto na prateleira. Mas todas aguardam o momento correto para oferecê-lo ao mercado: quando governo e usineiros se entenderem e o mercado perder o receio do álcool.
2 – Tal motor, com os recursos da eletrônica atual, podem facilmente ter um modo de emergência para queimarem gasolina, com pequena perda de potência, numa eventual falta de álcool
3- Aumentar a competitividade do álcool e induzir o motorista a abastecer com ele o carro flex, reduzindo seus impostos e aumentando os da gasolina, para que a diferença dos preços seja realmente interessante. Atualmente, o custo menor do álcool apenas compensa seu maior consumo, pois seu preço na bomba é de cerca de 70% da gasolina, sem vantagem real para o bolso do motorista. Por isso, até que seja atraente de fato e reduza o custo do quilômetro rodado, a gasolina ainda tem a preferência do mercado.
A vantagem deste caminho é contemplar todos os carros flex que já circulam. A desvantagem é — por aumentar o imposto da gasolina — pesar no bolso de quem ainda é obrigado a abastecer com ela os modelos com mais de 20 anos de fabricação, que representam quase quatro milhões de carros. Mas poderia se tornar uma vantagem se o governo arquitetasse um plano para incentivar seu sucateamento.
Vantagens do motor a álcool
Eficiência – Ele já está praticamente pronto nas prateleiras de algumas fábricas. Como não exigiria uma calibragem especial para receber também a gasolina, poderia ter maior eficiência e extrair todo o potencial do álcool, aumentando o desempenho e reduzindo consumo.
Limpo – O etanol tem apenas 1/3 do teor de carbono em relação à gasolina e, por isso, mantem os motores mais limpos, livres de carbonização. Diminui também o impacto ambiental até porque a cana de açúcar, ao crescer no campo, ainda elimina parte do CO2 expelido pelo escapamento.
Mais barato – Menor custo de produção pois não exige o software nem os sensores necessários para ajustar seu funcionamento ao combustível no tanque.
Descarbonização – O motor a combustão já não está com os dias contados? A solução não será o carro elétrico? Depende.
Em termos de eficiência, o motor convencional já deveria estar há muitos anos no museu, pois é um “perdulário” e só aproveita de 30 a 40% da energia contida em cada litro de combustível no tanque. O resto é jogado no lixo em forma de calor. O elétrico tem eficiência superior a 90%.
Entretanto, em termos de controle ambiental, acredite se quiser, um carro hibrido abastecido com álcool emite menos CO2 (86 g/km) que o elétrico recarregado com energia “suja” (95 g/km). Na Europa, por exemplo, onde ela vem, em geral, de usinas a carvão, diesel ou gás. Ou seja, a poluição é transferida do carro para o campo — e deste para o ar do planeta.
O resumo da ópera é que, carro híbrido com motor flex abastecido com álcool é a melhor solução para a limpeza ambiental, já existe um com esta configuração no Brasil, o Toyota Corolla, e outros estão a caminho.
Por outro lado, carro flex abastecido com gasolina ou elétrico recarregado com energia “suja” não passam de uma solução hipócrita para a descarbonização do mundo.
BF
A coluna |”Opinião de Boris Feldman” ´é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Mais Boris? autopapo.com.br
Nota do editor-chefe
O autor da coluna empregou o termo etanol na sua matéria, que substituímos por álcool. O motivo é o AE não reconhecer, muito menos aceitar, a mudança de nome desse combustível ocorrida em 2009 por determinação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a pedido da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Única) para seu produto ficar “internacional”, algo que o AE refuta tanto pela futilidade quando por etanol e álcool etílico serem o mesmo combustível. Mais importante, não se deve mudar a História: o combustível alternativo à gasolina foi oficializado pelo governo federal por meio do Programa Nacional do Álcool, o Proálcool., em 14 de novembro de 1975,