Além dos “BMV” ou Brasílias Muito Velhos, não faltam escombros sobre rodas que circulam livremente pelo país, ameaçando a integridade física e de saúde do cidadão e a fluidez do trânsito.
Falta uma legislação específica para coibir a circulação de veículos sem condições mínimas de segurança e que excedem os limites de emissões de gases poluentes?
Não. O artigo 104 do Código de Trânsito Brasileiro de 1997 é muito claro: ”Os veículos em circulação terão suas condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruído avaliadas mediante inspeção, que será obrigatória, na forma e periodicidade estabelecidas pelo Contran para os itens de segurança e pelo Conama para emissão de gases poluentes e ruído.”
Prevista pelo CTB há 25 anos, o Contran apenas regulamentou a Inspeção Técnica Veicular (ITV) 20 anos depois, em novembro de 2017. E exigiu que até dezembro de 2019 os governos estaduais a implementassem.
Como seria realizada? Obrigatória em todos os veículos, cada dois anos, como pré-requisito para o licenciamento anual. Carros zero-km para até sete passageiros teriam prazo de três anos para a primeira ITV depois do emplacamento.
Mas, alegando dificuldades para cumprir a lei, os Detrans logo solicitaram uma ampliação do prazo, concedida pelo governo federal no ano seguinte, sem estabelecer uma nova data para vigorar. Como — lamentavelmente —se previa, nada de novo aconteceu decorridos 25 anos de vigência da legislação e mais de quatro desde sua regulamentação.
Por que nenhum governo teve coragem de implantar a ITV?
Pois sofre duas pressões políticas.
O filé e o osso
O primeiro obstáculo para se implantar a ITV está nas dimensões continentais e variações demográfica e econômica do país. Caberia ao governo estadual viabilizar a operação, fazendo a licitação e certificando empresas a realizar a vistoria. Mas, como distribuir a operação entre os interessados em prestar o serviço? Em grandes metrópoles, nenhuma dificuldade e já foi até realizada a inspeção na capital paulista pela Controlar entre os anos de 2008 e 2014. Não faltam empresas interessadas em participar da licitação e investir na operação que atende milhares de veículos em grandes cidades. Entretanto, quem estaria interessado em investir numa oficina que prestaria o mesmo serviço numa região de baixa densidade demográfica e que atenderia apenas algumas dezenas de automóveis mensalmente?
Foi então imaginado um esquema de distribuição das competências, atribuindo à uma mesma empresa algumas cidades populosas e outras menos densas. Ou seja, a empresa que pega o “filé” teria que se responsabilizar também pelo “osso”…
Mas não se chegou a nenhum acordo depois de inúmeras tratativas de empresários com os governos federal e estaduais, tamanha a complexidade da operação. E a inspeção não sai do papel.
“Lata véia”
Outro problema que dificulta a ITV é o grande volume de carros em frangalhos que rodam por aí. Quem circula nas capitais e grandes cidades só percebe na periferia o estado deplorável de conservação dos veículos. Quanto menos favorecidas economicamente as regiões, maior o número de carros que só andam por milagre. Queimam óleo pelo escapamento, pneus carecas, carroceria apodrecida, sistema elétrico em frangalhos, para-brisa trincado, sem faróis nem lanternas, freios deficientes, escapamento barulhento…
Qual o resultado de se submeter estas “latas véias” a uma inspeção veicular? Serão obviamente reprovadas e, pior, o custo para que se enquadrem dentro das exigências da lei é superior ao seu valor venal. Na prática, a única solução seria seu sucateamento.
Entretanto, por mais decadentes e perigosas, são a ferramenta de trabalho de milhões de prestadores de serviços mais humildes, pedreiros, bombeiros, pintores e outros que moram pelos rincões e dependem do carro em seu dia a dia.
Exigir a ITV destes carros é decretar sua morte, o que torna esta medida extremamente impopulista e por isso dificilmente adotada por qualquer governo.
Solução? Um plano para que cada veiculo sucateado gere um crédito e financiamento com taxas especiais para a compra de um novo ou seminovo em bom estado..
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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