A escolha da imagem de abertura, uma obra de arte de Hugo Heikenwaelder, está no tema desta matéria. Apesar da imagem do VW Fusca estar muito bem integrada à atmosfera de uma obra de Van Gogh, obviamente não existiam estes carros em 1880. Será que algum incauto se deixaria enganar por esta pintura? Da mesma maneira vamos ver que temos que tomar cuidado ao interpretar a palavra Volkswagen, em especial em textos de origem alemã.
O nome Volkswagen é só carro do povo?
A língua alemã tem uma peculiaridade normalmente não encontrada em outras línguas: os nomes próprios e os substantivos começam com letras maiúsculas e isso é motivo de muita confusão principalmente para os apaixonados pelo Fusca que não falam alemão.
O substantivo “Volkswagen” significa “carro do povo”, comumente usado como tal desde a Primeira Guerra Mundial que foi de 1914 a 1918. Ele foi transformado em nome próprio por Hitler, que nomeou seu “carro do povo” como tal — observe que ambos são escritos começando com letras maiúsculas. Depois também foi o nome da fábrica do carro do povo. Portanto a palavra Volkswagen tem três significados, e em todos os casos é escrita da mesma forma.
Para dar outro exemplo vamos pegar a palavra “sapateiro” que em alemão é “Schuhmacher” e que pode ser um substantivo que significa quem fabrica calçados e, por outro lado, é um nome de família como “Michael Schumacher” o conhecido piloto de Fórmula 1, heptacampeão mundial. Só se pode saber se se trata de um substantivo ou de um nome próprio na língua alemã conhecendo o sentido envolvido na frase — para isso é necessário falar alemão para detectar o contexto da frase. Daí que surgem muitas interpretações erradas envolvendo a palavra Volkswagen.
Antes de 1934 vários fabricantes usavam o nome Volkswagen para seus “carros do povo”
Na época em que o assunto carro para o povo começou a ficar “quente”, vários fabricantes afirmavam ter um Volkswagen — aqui se referindo ao sentido como substantivo. Vejamos esta propaganda de 1931 do Ford tipo Köln:
A tradução da informação no pé da propaganda é a seguinte:
Baixo preço de compra, baixos custos operacionais, pouco exigente em cuidados, alta velocidade e excelentes características de dirigibilidade são as destacadas vantagens deste Volkswagen barato.
Ou seja, deste “carro do povo” barato. Aqui a palavra Volkswagen entra no sentido de um substantivo.
Em setembro de 1933, a Standard Fahrzeugfabrik – Fábrica de automóveis Standard, que produziu o carro projetado por Joseph Ganz, lançou um modelo atualizado com uma distância entre eixos maior, carroceria diferente com uma janela lateral extra em cada lado e um assento infantil maior na traseira. Ele foi anunciado como “o Volkswagen alemão mais barato e mais rápido”. Depois que Hitler se comprometeu com o projeto Volkswagen em meados de 1934, a Standard e todos os outros fabricantes de automóveis foram proibidos de usar o nome Volkswagen em suas propagandas.
Em meados de 1934 Hitler se apodera da palavra Volkswagen
No dia 22 de junho de 1934 foi assinado o contrato entre o escritório de Porsche e a RDA — Reichverband der Automobilindustrie — União da Indústria Automotiva Alemã do III Reich — para o desenvolvimento do Volkswagen oficial.
Em paralelo a isto o III Reich se apoderou da palavra Volkswagen como sendo o nome do carro que estava sendo projetado para ser o carro do povo alemão. Outros fabricantes que, sentindo uma oportunidade de apresentar o seu carro como sendo um pretendente a ocupar a vaga deste carro popular do povo alemão, foram proibidos de usar esta palavra em suas propagandas.
O curioso é que o III Reich passou a chamar seu “carro popular oficial” de KdF — Kraft durch Freude — Força através de alegria, uma denominação política. O carro passou a ser chamado de Volkswagen somente depois do término da II Guerra Mundial.
Na IAMA de 1937 Wilhelm von Opel afrontou o Führer
Na IAMA — Exposição Internacional de Automóveis e Motocicletas de 1937 ocorreu um episódio com o representante da Opel, Wilhelm von Opel, que apresentou o modelo P4 ao Führer como sendo o “nosso” Volkswagen, isto deixou Hitler furioso. E naquela época os fabricantes já haviam sido proibidos de usar o nome Volkswagen para seus carros…
Formalização do nome Volkswagen como propriedade do III Reich
O III Reich oficializa o uso do nome Volkswagen e na IAMA de 1938 em Berlim foi apresentada a maquete da fábrica que tinha uma capacidade projetada para 1,5 milhões de carros/ano.
A foto abaixo mostra a fachada da usina termoelétrica como apresentada na maquete da fábrica de Fallersleben, depois Wolfsburg:
Acima da inscrição aparece o logotipo da KdF — setor do sindicato dos trabalhadores DAF — Deutsche Arbeitsfront — que tinha sido encarregado primeiro de custear o projeto, depois de construir a fábrica.
A inscrição em si era: DER DEUTSCHE VOLKSWAGEN – O VOLKSWAGEN ALEMÃO. Atrás disto havia o fato de que, agora formalmente, para o III Reich somente poderia existir um único carro que fosse chamado de Volkswagen e este seria produzido na fábrica cuja maquete estava sendo apresentada naquela ocasião.
Mas era 1938 e os ventos da II Guerra Mundial já começavam a soprar, tanto que em 1939 esta guerra começou mudando tudo o que havia sido planejado para esta fábrica.
Eu já venho alertando para estas características da palavra Volkswagen em várias outras matérias, mas com esta eu dou uma visão mais ampla desta questão.
As fotos desta matéria pertencem ao meu acervo.
AG
NOTA: Nossos leitores são convidados a dar o seu parecer, fazer suas perguntas, sugerir material e, eventualmente, correções, etc. que poderão ser incluídos em eventual revisão deste trabalho.
Em alguns casos material pesquisado na internet, portanto via de regra de domínio público, é utilizado neste trabalho com fins históricos/didáticos em conformidade com o espírito de preservação histórica que norteia este trabalho. No entanto, caso alguém se apresente como proprietário do material, independentemente de ter sido citado nos créditos ou não, e, mesmo tendo colocado à disposição num meio público, queira que créditos específicos sejam dados ou até mesmo que tal material seja retirado, solicitamos entrar em contato pelo e-mail alexander.gromow@autoentusiastas.com.br para que sejam tomadas as providências cabíveis. Não há nenhum intuito de infringir direitos ou auferir quaisquer lucros com este trabalho que não seja a função de registro histórico e sua divulgação aos interessados.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.