Como já escrevi várias vezes neste espaço, espero que um dia este assunto vire um não-assunto: uma mulher fez isto ou aquilo. Ou seja, que o destaque esteja no fato de que se trata de uma mulher. Mas, reconheço, que o tema ainda é notícia. Como aprendi na faculdade, há um ditado em Jornalismo bem basiquinho, mas que continua sendo verdade: “se um cachorro morde uma pessoa, não é notícia, mas se uma pessoa morde um cachorro, vira notícia.” Pois é, ainda estamos diante de uma notícia neste caso: uma mulher testou um carro de Fórmula 1 algo que não acontecia desde 2018.
Mas vamos à história, pois tem vários elementos saborosos além daquele que já enunciei. A embaixadora da equipe Aston Martin de Fórmula 1, Jessica Hawkins testou o AMR21, o modelo 2021, em Budapeste na semana passada. Foram 26 voltas no difícil circuito e, melhor ainda, ela demonstrou um desempenho extremamente sólido que fez, ela mesma, acreditar que em algum momento no curto prazo poderia pilotar um carro de Fórmula 1 numa corrida.
“Ficamos realmente impressionados com a preparação de Jessica para o teste — ela trabalhou incrivelmente duro com nossa equipe de simuladores e isso tornou fácil a decisão de colocá-la no AMR21”, disse o chefe da equipe Aston Martin, Mike Krack. “Jessica encarou a oportunidade com grande maturidade; ela ganhou velocidade rapidamente e encontrou um bom ritmo.”
“Precisei de todo o meu sangue, suor e lágrimas para chegar aqui”, disse Jessica sobre o que ela definiu como um sonho que se tornou realidade. “Nada se compara à aceleração e à frenagem de um carro de Fórmula 1 e, depois de analisar os dados, estou muito orgulhosa do meu desempenho” “Continuarei me esforçando para conseguir mais e, nesse processo, quero inspirar outras mulheres e fazer com que elas saibam que devem seguir seus sonhos, não importa quais sejam.”
Como disse, o fato de testar um bólido da mais alta categoria não ocorria desde outubro de 2018, quando a colombiana Tatiana Calderón dirigiu um Sauber (atualmente Alfa Romeo) no circuito mexicano Hermanos Rodríguez.
Jessica (como já expliquei uma vez, sigo a norma do jornal O Estado de S. Paulo: quando mencionamos um homem pela segunda vez o fazemos pelo sobrenome; quando se trata de uma mulher, pelo nome. Nunca parei para pensar se isso seria machista, mas hoje, vai saber…) nasceu na Inglaterra em 1995. Começou no Campeonato Britânico de Fórmula Ford e a estreia foi em Silverstone. Foi bem e terminou entre os dez primeiros. Sua pilotagem não passou despercebida pelos dirigentes de equipes e a Falcon Motorsport a convidou para disputar o Campeonato MSA de Fórmula 4 de 2015.
Jessica também participou de outras categorias como a Volkswagen Racing Cup, Jaguar I-Pace e-Trophy e W Series (aquela categoria que pretendia ser uma porta de entrada para as mulheres na Fórmula 1 e sobre a qual eu escrevi neste espaço) e o Campeonato Britânico de Carros de Turismo, entre outros. Ela chegou a ser campeã de karti Em 2021 a Aston Martin F1 Team a anunciou embaixadora e ela tem se alternado com o brasileiro Felipe Drugovich como piloto de testes da Aston Martin.
E agora, vamos ao momento notícias não tão sérias, como havia prometido: Jessica foi dublê de filmes de James Bond — obviamente, dirigindo carros. Para os mais curiosos, conto. Foi no filme “Sem Tempo para Morrer”. Cá entre nós, poderia ter aparecido com o próprio rosto, pois é muito, muito bonita. Está com 28 anos.
Mas testar carros não é significa disputar provas. Desde 1976 não há uma mulher num grid de largada de Fórmula 1 quando a italiana Lella Lombardi se retirou da categoria.
Filha de um instalador de ar-condicionado, a carreira de Jessica nas corridas ficou parada, literalmente, por falta de dinheiro até que a W Series, uma plataforma exclusivamente feminina infelizmente já cancelada, surgiu em 2019 com todos os custos pagos. Foi então que a carreira dela voltou a acelerar — sim, o trocadilho é ruim, mas não resisti.
Mudando de assunto: Infelizmente, perdi aquela que parece ter sido a mais bela corrida de F-1 do ano, a de Singapura. Estava viajando e o lugar em que estava tinha algo assim como uns 3 canais de televisão, nada de sinal de internet, energia elétrica intermitente e, por mais que goste de F-1, não perco um passeio por uma corrida. Tolamente, achei que poderia ver a reprise que, ao contrário do que acontece com as outras provas, parece que nunca passou. Paciência. A do Japão não foi tão emocionante assim e mostrou que Max não erra nunca e que Checo erra demais. Acho que no fim do ano o mexicano volta para casa. Gostei muito da condução do Piastri e a do Norris e acredito que ambos darão trabalho se os carros continuarem confiáveis. E, claro, não gostei do toque de Hamilton em Russell, mas ele fez o que sempre faz e, de novo, saiu impune. Ufa!
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.