Certos arroubos de políticos, volta e meia me trazem à lembrança uma manhã na fazenda; com o sol nascendo, as vacas mugindo no estábulo e eu num banco trocando uma idéia com o Carlão, gerente da fazenda, organizando as tarefas para o dia que nascia. E eis que um galo todo estufado, em cima de um monte de esterco, começa a cantar a plenos pulmões: Cocoricóóó! Cocoricóó!
— Eta galo que se acha o rei do pedaço! — comentei com o Carlão. Vai ser metido a poderoso lá adiante.
— Conheço um monte de gente que também é assim — disse o Carlão, com sua objetiva sabedoria.
— Assim, como? — perguntei.
— O cara que se acha o tal, fica cantando de galo, mas que se esquece que na verdade ele está é em cima de um monte de cocô— esclareceu o Carlão, enquanto lá continuava o galo a cantar, arrufando as penas e levantando poeira de esterco para os lados.
— Carlão, bota aí na lista das tarefas tirar essa porcaria desse monte e esparramar no pasto — resolvi.
Pois é assim que se resolve essa situação. Tire o monte de esterco para que o galo vá cantar em outras bandas.
Com a Petrobrás dá-se o mesmo. Não foram esses galinhos, alguns já pegos e devidamente engaiolados — na verdade só pegaram os frangotes, por enquanto —, que criaram esse monte de esterco que aí está. Esse esterco vem sendo acumulado pelo “sistema” há décadas, há vários governos. Os dois últimos governos é que exageraram na dose, se acharam inatingíveis, já que seu líder supremo era considerado um deus-galo infalível e todo-poderoso, e folgaram demais na roubalheira, na cantoria. O monte de esterco resulta de falhas no “sistema”. Sistema são os controles que a sociedade tem sobre os seus funcionários contratados, os funcionários públicos. Se o sistema é falho, se a gente não controla a coisa, essas pessoas instintivamente passam a folgar. Isso é natural, é do bicho homem, e volta e meia a gente tem que lhes mostrar que o Brasil tem dono e que esse dono somos nós e não eles.
Todo esse bandalho que está vindo a público é prova de que o nosso sistema é propositalmente falho, já que, afinal, aos que delegamos a tarefa de corrigir essas falhas — os políticos — paradoxalmente são os que se beneficiam delas. Nosso sistema tenta o ladrão, e quem tenta o ladrão também tem culpa das conseqüências.
Tiremos o monte de esterco e corrijamos o sistema para que ele não mais se acumule. Não adianta prender essa turma e deixar o sistema como está, porque outra turma há de continuar a nos prejudicar.
Está bem arriscado que a Securities Exchange Commission, órgão americano equivalente à nossa Comissão de Valores Mobiliários, multe a Petrobrás em pelo menos US$ 10 bilhões (falam até em US$ 20 bi), por ela não seguir a regras americanas de conduta, regras essas que toda empresa que negocia ações na bolsa de valores daquele país também é obrigada a seguir. Acontece que com tanto bi pra cá e bi pra lá, acabamos perdendo a noção do dinheiro, então façamos um pouco as contas, dimensionemos esses números.
Bem, US$ 10 bi equivalem a uns R$ 26 bi, que é o que o país gastou com o Bolsa Família em 2013 (R$ 25 bi), e que mal ou bem tirou muita gente do sufoco. Esses R$ 26 bi, se fossem divididos por cada habitante do Brasil, incluindo aí os brasileirinhos e brasileirinhas que a nossa presidente tanto acarinha durante a campanha, daria uma conta de uns R$ 128,00 para cada um. E isso é só essa multa aí dos americanos. E eles sabem cobrar, portanto prepare o bolso.
E teve também outro “dinheirinho” que já se foi de nossos bolsos. A nossa Petrobrás — inicialmente idealizada já na década de 1930 pelo genial escritor Monteiro Lobato — em 2008 valia R$ 580 bilhões e agora, depois de a arruinarem, só vale R$ 114 bilhões, uma perda de valor de R$ 466 bilhões. Fazendo as contas ficamos sabendo que cada brasileiro perdeu R$ 2.197,00. É mole?
Compramos Pasadena. Prejuízo de no mínimo R$ 792 milhões, segundo o TCU, Tribunal de Contas da União. Mais alguns cruzeirinhos voando de nossos bolsos. E por aí vai. O duro é que para que essa quadrilha roube certo valor, ela arma um negócio que nos dá um prejuízo muitas vezes maior que o valor do roubo. Em vista disso, para amenizar a coisa, proponho que essa quadrilha de políticos abra logo o jogo e diga o quanto pretende roubar. Eu sei que a ganância deles não tem fim. Eu sei que roubam por roubar, por instinto, vício, cleptomania; sei que roubam pelo prazer de roubar, mas sou otimista e creio que haveríamos de com eles chegar a um acordo nos seguintes termos.
— Quanto vocês querem roubar? — perguntamos.
— Um monte de dinheiro — tranquilamente, com desfaçatez, em uníssono nos respondem.
— Mas um monte, quanto? — mantendo a calma, mantendo o foco, perguntamos.
— Um monte que nem aquele do Tio Patinhas, daqueles de poder mergulhar e sair de braçadas — um lá levanta a mão e faz seu requerimento, ao que é ovacionado pelos nobres colegas que se levantam e aplaudem emocionados, suas camisas saindo para fora das calças e barrigas balofas chacoalham freneticamente com as gargalhadas.
— OK, OK, vocês terão o dinheiro. Calma. Serão “tantos bi”. OK? — nós pacientemente concordaremos, e com isso pediremos as chaves do Banco Central ao Sr. Tombini para que a camarilha entre lá com carrinhos de mão, caminhonetes, e pegue essa tantada de grana descomunal e saiam dali naquela longa fila para nunca mais voltar.
Essa “negociação” com os gatunos, apesar de parecer ridícula, certamente nos daria bem menos prejuízo do que deixá-los a seu bel-prazer cuidando do que é nosso, já que o problema maior não é o valor do roubo, apesar dele ser imenso. O problema maior é o quanto nos fazem perder para que eles criem as condições de roubar. Aí é que está o busílis.
E aí, com eles longe, alguns em Paris, outros num triplex na Praia das Astúrias, a gente trataria de trabalhar e tratar de arrumar a casa, já que não sabemos fazer outra coisa.
O duro será a Petrobrás encarar o que vem por aí, mesmo que passe a ser bem administrada. A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) decidiu que já era hora de fazer um dumping no mercado (dumping, em economês, é quando uma empresa, organização ou país, para quebrar as pernas dos concorrentes, passa a vender seu produto a preço bem mais baixo que o do mercado). E esse é um dumping dos bravos: em poucas semanas baixou o preço do barril de petróleo, de US$ 110 para US$ 60 — só 45%… E como a extração de petróleo da maioria dos países membros da Opep é baratíssima, eles têm como agüentar vender petróleo a preço tão mais baixo e mesmo assim ter lucros monumentais. Fora a Venezuela, que já estava mais que quebrada, os outros agüentam. Esse dumping objetiva quebrar as pernas de outras fontes de energia e, principalmente, outros modos que vêm sendo desenvolvidos para se extrair petróleo, dentre eles o muito bem-sucedido fraturamento hidráulico, que nos últimos anos tem aumentado barbaramente a produção de gás e petróleo americana, e a extração de areias betuminosas, método também revolucionário e que vem sendo um sucesso no Canadá. Está previsto, por exemplo, que em 2020 os EUA passarão de importadores a exportadores de petróleo. Mas esses dois métodos, por exemplo, são mais caros e passam a ser inviáveis caso o preço do petróleo no mercado mundial fique abaixo dos seus custos.
E aí, ou os governos subsidiam essa diferença ou dizem “sinto muito” às empresas que estão trabalhando com esses novos processos, e o mais provável é que partam para o “sinto muito”, porque é muita grana e o contribuinte lá é quem manda e não enfia a mão no bolso tão fácil como nós
E nós nessa? E o nosso tão cantado Pré-Sal? Vai pro brejo? O mais provável é que não vá totalmente pro brejo e que entre num estado de semi-hibernação com reformulação. Todo o seu mirabolante plano de investimentos foi baseado na estimativa de que o preço do petróleo se mantivesse em ao redor de US$ 150/barril. Com a previsão passando a ser de US$ 60/barril, é certo que todo esse planejamento foi implodido, virou pó, e o negócio é esperar a poeira baixar para ver o que sobrou da coisa. Além do mais, não esqueçamos que esse plano foi feito sob a batuta da ilustre presidente Dilma Rousseff, então presidente do Conselho da Petrobrás, da sua fiel e carrancuda Graça Foster e dos ilustres prisioneiros Paulo Roberto Costa et caterva, estes mais preocupados em mandar mala de dinheiro pra um e mala de dinheiro pra outro. Todos já provadamente incompetentes.
Mas há males que vêm para o bem. Se pensarmos bem, esse tombo que a Opep está dando no mercado nos será útil. Primeiro, porque apesar do nosso ilusionista-mor, Sr. Lula, ter cantado a plenos pulmões que éramos auto-suficientes, o Brasil nunca o foi, tanto que em 2013 nossa balança da conta-petróleo pendeu para um déficit de US$ 20,3 bilhões. Com isso espera-se que esse déficit caia para pouco mais que a metade desse montante. E em segundo porque fará com que se repense, agora com cabeças melhor neuronizadas, como e o que faremos com as reservas do Pré-Sal. Certamente economizaremos uns bilhõeszinhos aí, certamente.
E o álcool? Ele, que já estava inviável com o petróleo a US$ 110/barril, será indefensavelmente inviável com o petróleo a US$ 60. Não haverá falastrão que com cantorias de galo consiga defender tão desmesurada burrice. Talvez nos livremos dessa praga, assim como muitas outras que tanto nos pesam nos já arreados ombros. Talvez possamos vir a ser mais felizes. Torçamos.
— Carlão, então manda o Lineu e o Luís Pescoço pegarem o trator com a carreta e esparramarem esse monte de esterco na capineira. Vamos fazer uma esterqueira própria, bem fechada com grades, para guardar essa bosta que empesteia o ar. E, por favor — sei que terá muito gosto nisso —, meta aquela tua bica de beque carrasco na traseira desse galo garnisé, que eu quero ver as penas voando.
Ae/AK