O Mustang é um sucesso da Ford praticamente desde o dia de seu lançamento, em 17 de abril de 1964. No seu primeiro ano de vida, bateu recordes de venda, com mais de 400.000 unidades. O carro era tão importante para a Ford que seu lançamento aconteceu alguns meses antes da tradicional época mais perto do fim do ano, quando os novos modelos já são vendidos como sendo do ano seguinte.
A publicidade da Ford era muito forte, investiram fortunas para alavancar as vendas do novo compacto. Donald Frey e Lee Iacocca lutaram muito para que o Mustang existisse. Henry Ford II declinou o projeto em quatro oportunidades, mas a dupla manteve o projeto vivo e seguiram com os desenvolvimentos até que o carro final convenceu Ford que era um produto digno de ser lançado.
O grande diferencial do Mustang em relação aos outros modelos Ford da época era a carroceria. Não era um sedã como os irmãos maiores Galaxie e Fairlane, e também não era longo como o Thunderbird. O parente mais próximo era o Falcon, modelo que serviu de base de inspiração para boa parte dos componentes do primeiro Mustang de produção.
Importante lembrar que na época de lançamento do Mustang, outro Ford estava em alta, e consumindo muitos recursos da empresa em busca de um sonho pessoal de Henry Ford II: o GT40 que deveria acabar os carros de Enzo Ferrari. A história do GT40 contamos aqui no AE, e a chegada do Mustang facilmente poderia ter sido ofuscada.
Neste tempo, os gastos da Ford para alavancar vendas com automobilismo também estavam em larga ascensão. O lema “win on Sunday, sell on Monday” (vença no domingo e venda na segunda) parecia estar bem difundido entre as Três Grandes de Detroit, representadas pela Ford, GM e Chrysler.
Colocar o Mustang no circuito era uma questão de tempo. Ainda 1964, poucas semanas depois do lançamento, o Mustang foi o pace car das 500 Milhas de Indianápolis, a maior corrida norteamericana. A Europa estava com grande visibilidade nas corridas de longa duração, e seria um local perfeito para colocar o novo Mustang à prova e consolidar seu nome como um verdadeiro carro esporte.
ALAN MANN E A FORD MOTOR COMPANY
Colocar um Mustang de produção totalmente original nas pistas não seria uma boa receita para o sucesso. Por mais bem projetado que o carro fosse, não era feito para competições, diferente de seu primo mal encarado, o GT40. A Ford tinha que direcionar os esforços do Mustang em provas que ele se adequasse, e se contasse com a ajuda de um profissional capacitado, o caminho poderia ser menos tortuoso.
O britânico Alan Mann entra na história nesta fase, lembrado pelo pessoal de Dearborn por ter feito excelentes campanhas na Europa com os Ford/Lotus Cortinas e Falcons. Para um jovem que começou a participar de competições por conta própria nos anos 50, entrou no meio dos fabricantes pelo reconhecimento de seus serviços de oficina e qualidades de administração de revendas de automóveis, Mann chegou ao topo da cadeia do automobilismo subsidiado por grandes marcas rapidamente.
Seu contato com a Ford veio de um contrato para gerenciar uma revenda local inglesa (Andrews Garages), que migrou para competições locais com modelos da marca preparados por ele, carregando o nome da revenda. O sucesso da pequena equipe foi tamanha que atraiu a atenção da matriz, por meio da Ford Europa, com um convite para participar em 1963 das 12 Horas no circuito Marlboro Motor Raceway, em Maryland (EUA). Henry Taylor e Jimmy Blumer terminaram a prova em segundo lugar com o Ford Cortina preparado por Mann.
O resultado destacou as qualidades da equipe para muitos envolvidos no automobilismo norteamericano, um deles era John Holman, da Holman & Moody, uma das maiores equipes do país e a mais forte a levar o nome Ford. Em um ano, Alan Mann era uma equipe oficial da Ford com contrato para atuar na Europa e onde mais fosse necessário.
O Ford Falcon da equipe Alan Mann Racing (AMR) terminou em segundo lugar no cobiçado Rali de Monte Carlo de 1964, com resultados excelentes em todas as parciais da corrida. Mais um ponto positivo para o histórico da equipe e de Alan.
Neste meio tempo de primeiras corridas da equipe, o Mustang surgia no mercado e a Ford precisava fazer seu marketing nas pistas de corrida.
TOUR DE FRANCE, 1964
Um dos grandes eventos de longa distância da Europa era o Tour de France Automobile, uma corrida que data de 1899, com interrupções, mas retomada nos anos 50 e 60. Na edição de 1964, o evento passava por corridas em Lille, Reims, Rouen, Le Mans, Clermont-Ferrand, Monza e Pau. Seria uma oportunidade ideal para demonstrar as capacidades do Mustang. Em cada parada, provas eram disputadas nos circuitos selecionados, como Le Mans e Monza, os mais famosos.
Como uma prova que coloca diversos tipos de automóveis juntos, de carros equipados com motores menores que 1-litro, até grandes GTs como Ferrari GTO, o Mustang enfrentaria de tudo.
Mann já havia tentado provar o valor dos Mustangs no rali de Liège–Sofia–Liège, logo antes do Tour de France, mas sem sucesso. O fato é que, estes Mustangs, eram praticamente originais de fábrica, e para ter sucesso, precisavam de adaptações.
Os Mustangs deveriam passar por uma série de melhorias, com componentes apropriados para a rigorosa demanda que os carros eram submetidos em provas como o Tour de France. Freios maiores da Girling foram instalados juntamente com alternador e radiador de maior capacidade, a suspensão foi reforçada com itens dos Falcons de rali e do Galaxie, e talvez o mais importante, motores 289 pol³ (4,7-litros) beirando os 300 cv preparados pela Holman & Moody, assim como faziam em diversas categorias americanas e, posteriormente, no projeto do GT40.
Dos quatro Mustangs de Alan, dois terminaram o Tour em oitavo e novo lugares, mas em primeiro e segundo na categoria Turismo com motores acima de 3-litros. Os dois primeiros colocados da prova, na classificação geral, foram dois Ferrari 250 GTO. Na mesma categoria dos Mustangs, fortes candidatos eram os Jaguar Mk.II.
Clique nas fotos com o botão esquerdo do mouse para ampiiá=las
Foi um ótimo resultado para a equipe de Mann, conquistando a vitória na categoria numa prova grande como o TdF. Outras corridas como esta estavam na mira da AMR.
MARATHON DE LA ROUTE, 1965
A prova que antecedeu o Tour de France de 64, o rali de Liège–Sofia–Liège, era também conhecido como Marathon de la Route, que teve sua primeira edição em 1931, quando o percurso ia de Liège (Bélgica, perto do circuito de Spa-Francorchamps) até Roma (Itália), e de volta a Liège. Em 1961, Roma foi substituída por Sofia, a capital da Bulgária.
Para 1965, esta prova de grande distância foi internalizada em um circuito fechado por conta de muitos países não aceitarem corridas de ruas como esta, dado o histórico de acidentes com público em provas como a Mille Miglia italiana, por exemplo.. E o maior de todos foi escolhido: Nürburgring, na Alemanha.
Durante 82 horas os competidores percorreriam o circuito alemão, com a exigência de manter uma média por volta de 102,6 km/h durante o dia e 67 km/h na noite. Trinta e cinco carros largariam no circuito de 22.810 metros no meio da floresta. Seria uma boa opção para o Mustang tentar brilhar novamente, com uma gama de competidores um pouco mais equilibrada, pois era uma prova mais voltada para carros de turismo, e o novo Ford teria boas chances.
Dois carros foram preparados com todo cuidado, sob rigorosa supervisão de Mann, para enfrentar o desafio do Inferno Verde. O primeiro carro, de número 31, seria conduzido pela dupla belga Gilbert Stapelaere e Jacky Ickx. Sim, um jovem Ickx, antes de entrar para a Fórmula 1, mas já com alguma experiência em carros de turismo na Bélgica. Ele teria ainda uma relação com os Mustangs por mais alguns anos adiante.
O segundo carro, de numeral 41, seria pilotado pela dupla francesa Henri Greder e Johnny Rives. Henri já havia participado do Tour de France de 1960 a 1964, inclusive pilotando um dos Mustangs. Rives era um bom piloto de provas de resistência e rali, o que demonstraria ao vencer duas vezes o Tour de France em 1971 e 74.
Os Mustangs eram carros resistentes, as melhorias propostas por Mann e seu grande poder de gerenciamento estratégico da equipe durante a corrida poderiam ajudar muito os pilotos a manter um ritmo constante e forte. Os V-8 eram potentes, mas tinham ainda uma margem de segurança para rodarem com folga por longas distâncias, diferente de rivais com motores menores mas com potências específicas altas.
Um dos maiores competidores, talvez um dos favoritos à vitória era o Ferrari 250 GTO da equipe Ecurie Francorchamps, pilotado por Lucien Bianchi, Jean Blaton e Georges Berger, vencedor do Tour de France de 1964, a prova que os Mustangs venceram a categoria Turismo.
Nürburgring era implacável. Poucos pilotos realmente dominavam todas as curvas do mais de 20 quilômetros de retas e curvas tortuosas em meio ao vilarejo de Nürburg. Além de massacrar os pilotos, os carros sofriam demais.
O Ferrari GTO foi uma das vítimas, não suportou os castigos germânicos e abandonou a prova. Alguns Porsches participavam da prova, o mais creditado a disputar a vitória era o 904 GTS, equipado com o brilhante motor boxer central de 2-litros e quatro cilindros.
Clique nas fotos com o botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler a legendas
Os dois Mustang pareciam feitos para o circuito. A estratégia de Mann de manter os carros rodando o maior tempo possível, sem sofrer perdas por quebras, deu bons frutos. Os dois carros lideraram a prova e, ao final das 82 horas, cruzaram a linha de chegada em primeiro e segundo. Um total de 310 voltas foram contadas, somando pouco mais de sete mil quilômetros rodados.
O carro 41 de Greder e Rives foi o vencedor, com Ickx e Stapelaere em segundo, na mesma volta. Uma volta atrás, o Porsche 904 GTS de Rainer Ising e Bernd Degner. Muito curioso, do terceiro ao sexto terminaram na mesma volta (309), e os carros iam do Porsche, passando por um Jaguar Mk.II, um Volvo 122S a um modesto porém valente DKW F11.
Esta coroação do Mustang como vencedor de uma das mais duras e extensas corridas de resistência do mudo renderia ótima publicidade. Um novo carro americano vencendo em uma das mais desafiadoras pistas da Europa, onde historicamente carros alemães dominavam, era uma notícia estampada nas capas de revistas e jornais que renderia muito para a Ford. Mas, nunca aconteceu.
Clique nas fotos com o botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler a legendas
A vitória na categoria no Tour de France do ano anterior, de fato, ajudou a disseminar o nome Mustang entre os entusiastas franceses, mas não passou muito disto. A conquista da Maratona de 65 deveria ao menos fazer o mesmo na Alemanha, mas nem perto passaram.
E A PUBLICIDADE?
Por maior que tivesse sido o esforço de Mann para transformar o novo Mustang em um vencedor logo no seu começo de vida, a Ford não aproveitou os resultados conquistados na Europa. Mas, por que?
Nunca foi muito claro o motivo real, mas, possivelmente, a culpa foi o GT40. A energia e a fortuna gasta no desenvolvimento do Matador de Ferrari favorito de Henry Ford II superou qualquer iniciativa de demonstração de poder nas pistas, acima até os gastos internos na NASCAR e corridas de arrancada da NHRA juntos.
A realidade é que o Mustang estava vendendo mesmo sem nenhuma ajuda dos comerciais ligados ao automobilismo. Lee Iacocca e Don Frey acertaram na mosca no plano de vendas do carro, e os resultados obtidos por Alan Mann não fariam nenhuma diferença. Mesmo se tentassem, o retorno de mídia do GT40, quando ele vencesse a Ferrari em Le Mans, ainda seria muito maior.
É uma pena que todo o trabalho da AMR não tenha sido reconhecido pelo grande público, ou talvez por quase nenhum público fora do restrito grupo ligado aos eventos na Europa.
A conquista de Alan Mann com os Mustangs nas pistas do Velho Continente antecederam o mais famoso de todos os Mustangs preparados, os carros da Shelby American. Estes surgiram na passagem de 1965 para 1966, encomendados por Iacocca a Shelby para oferecer versões mais potentes do Mustang, começando pelo clássico GT350, equipado com motor 289 pol³ preparado para chegar aos 310 cv.
Alan seguiu com seu programa de competições, entrou para o grupo de trabalho do GT40 já em 1965, preparando carros para a equipe oficial da Ford, e no ano seguinte com dois carros para sua própria equipe. Ele criou uma versão única do GT40, que contarem aqui no AE em breve. Também manteve alguns Mustangs na equipe e dedicou esforços no campeonato inglês de turismo, com os Lotus Cortina e o famoso Ford Escort vermelho e dourado de Frank Gardner.
O nome do Mustang nas competições ficou conhecido mundialmente não pela AMR, a pioneira, mas por Carroll Shelby e seus GT350. A estrutura do texano era maior e tinha um apoio mais consolidado da Ford, nada fora do esperado, por ser um nativo com operações em território nacional, enquanto Alan tinha sua base na Inglaterra.
As conquistas de Mann e os Mustangs em 1964 e 1965 podem não ter tido a repercussão esperada, mas com certeza foram decisivas para a Ford, vendo o potencial do novo carro, manter vivo o programa de tornar o Mustang um carro mais esportivo.
MB