Não deve ter sido fácil para Ferdinand Piëch — chefão mundial da Volkswagen, neto de Ferdinand Porsche — explicar para seus acionistas ter caído numa verdadeira trapaça de centenas de milhões de dólares armada pelos ingleses há exatos 25 anos.
Piëch defendia a aquisição de marcas nobres para valorizar a própria Volkswagen. O ano de 1998 foi muito expressivo, pois foi quando comprou duas marcas famosas de esportivos: Lamborghini e Bugatti.
Neste mesmo ano, a Vickers PLC, empresa inglesa que produzia os automóveis Rolls-Royce e Bentley, colocou sua fábrica à venda e duas marcas alemãs (além de dois consórcios ingleses) se interessaram pelo negócio. A primeira foi a BMW, que já tinha um relacionamento comercial com a Vickers, pois era quem fornecia motores para seus automóveis. Bernd Pischetsrieder, seu então presidente, ofereceu US$ 610 milhões pela empresa britânica.
Quando as conversas já estavam adiantadas, Piëch resolve partir para a terceira marca, atravessar o negócio, oferecer 780 milhões de dólares e levar o mais sofisticado automóvel do mundo para a Volkswagen. E ainda de bônus o Bentley, produzido na mesma antiga linha de montagem em Crewe, no interior da Inglaterra, desde 1946.
Mas a Vickers, esperta, não contou um pequeno detalhe para Piëch. O neto de Porsche só ficou sabendo, depois de fechado o negócio, de não estar levando para a VW a marca mais famosa do mundo. Uma outra inglesa, a Rolls-Royce Group PLC, avisou que ela só estava comprando a velha e obsoleta fábrica de Crewe e a marca Bentley, pois desde 1971 detinha os direitos do nome Rolls Royce que usava em seus motores aeronáuticos e marítimos.
Na verdade, a Vickers produzia os carros das duas marcas, mas era dona apenas do nome Bentley. A marca do duplo R pertencia à fábrica de motores. O resumo da ópera é que a Volkswagen pagou quase 800 milhões de dólares para comprar apenas os projetos, as antigas instalações administrativas e industriais e a famosa estatueta “Spirit of Ecstasy” fincada no alto da grade do carro.
E o direito da marca Rolls-Royce em automóveis?
Numa outra espertíssima (para não dizer pior….) negociação, a marca já tinha sido vendida pela fábrica de motores para Pischetsrieder (da BMW) por US$ 70 milhões.
É claro que logo se iniciou uma disputa judicial. Mas, ao perceber esta inexplicável e monumental bobeada de sua área jurídica, a Volkswagen decidiu propor um acordo para a BMW e ficou então acertado que ela teria o direito de produzir os automóveis Rolls Royce por mais cinco anos, até 2003. E a obrigação de continuar a fabricar o Bentley na Inglaterra.
A BMW, por sua vez, teria de produzir os automóveis Rolls-Royce também na Inglaterra. Construiu uma nova fábrica em Goodwood para produzi-los a partir de 2003. Acertou com a Volkswagen o fornecimento de motores durante cinco anos e ficou com a famosa estatueta do Espirito de Êxtase, o mais emblemático símbolo da indústria automobilística mundial que decora até hoje os automóveis Rolls-Royce.
A Volkswagen, depois do abalo de caixa de quase um bilhão de dólares, levantou, sacudiu a poeira, modernizou a fábrica de Crewe e investiu em novos projetos para a Bentley, que continua produzindo carros tão sofisticados quanto os Rolls-Royce.
Mas dificilmente vai conquistar a consolidada e centenária imagem do mais requintado e luxuoso automóvel do mundo.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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