Todo freio de automóvel hoje tem atuação hidráulica. Já houve atuação mecânica, a cabo,, como no VW sedã dos primeiros anos , e hoje fabricantes de freios como as alemãs Continental e ZF estudam atuação elétrica, mas ainda não chegaram a uma solução totalmente elétrica, que chamam de “freio seco”, sem nenhum item hidráulico; Por isso falarei do dos freios atuais apenas, cujo sistema de atuação hidráulica remonta a 1914 nos carros de corrida americanos Duesenberg. Há 110 anos! O freio hidráulico na produção em serie demoraria mais sete anos, no Duesenberg A.
É intuitivo que qualquer falha no sistema hidráulico dos freios significa sua perda instantânea e total. uma situação catastrófica. Para entender, durante muito tempo o cilindro-mestre distribuía a força hidráulica ao freio de cada roda, onde a força hidráulica chegava ao respectivo cilindro-escravo, que então se encarregava de movimentar o material de atrito (sapata) contra o tambor ou (pastilha) contra o disco, produzindo a ação frenante. Caso houvesse ruptura de uma linha hidráulica de uma das rodas ou vazamento de cilindro-escravo, mais conhecido por cilindro de toda, o carro ficaria sem freio.
Por isso a indústria automobilística começou a adotar cilindro-mestre duplo em 1960, item que passaria a ser obrigatório nos EUA em 1967.
A ilustração mostra o arranjo típico dos cilindros-mestres utilizados nos carros atuais, do tipo em fila (tandem em inglês), No cilindro-mestre simples o número de peças reduz-se exatamente à metade.
Na ilustração, o que está em marrom-avermelhado é o fluido de freio e em amarelo, os pistões e suas respectivas molas de retorno. O master cylinder pushrod é a haste que transmite o movimento do pedal de freio ao cilindro-mestre.
A ideia
Com cilindro-mestre duplo, caso ocorra falha hidráulica num dos circuitos, duas rodas continuam a ter freio. Essa divisão dos circuitos hidráulicos pode ser tanto por eixos quanto em diagonal, cruzado, uma roda dianteira com a traseira diagonalmente oposta. Esta solução é preferível por manter um freio dianteiro, o mais importante, ativo. Mas para isso a geometria de direção tem que ter necessariamente de raio de rolagem negativo, visto pela primeira vez nos alemães Audi 80 (1972) e no VW Passat (1973), com duplo circuito de freio em diagonal. O raio de rolagem negativo neutraliza a força de guinada da roda freada que, de outro maneira, provocaria violenta e perigosa puxada de direção para o seu lado dela.
O grave inconveniente do duplo-circuito por eixo é poder se ficar com freio nas rodas traseiras apenas, uma situação indesejável, semelhante `a de usar o freio de estacionamento para deter o veículo que pode induzir uma derrapagem de traseira em plena reta. É por isso que conheço uma soluçãos de atuação do freio de estacionamento nas rodas dianteiras. Uma, dos Citroëns XM e Xantia, ambos aplicados por pedal na esquerda e com desativação da catraca do pedal que mantém o veículo freado para que, numa emergência, seja um segundo freio — dianteiro — a pedal.
Outra solução, muito atraente e sobretudo eficaz, é a do Land Rover Defender e do Lada Niva. As pinças dianteiras têm dois circuitos hidráulicos independentes. Um circuito é só para as pinças e o outro é dessa pinça e dos freios traseiros: em caso de falha hidráulica sempre se conta com freios dianteiros.
O porquê da pergunta no título
Mas por que resolvi escrever esta matéria e coloque uma pergunta aparentemente estranha no título? É porque nem todos sabem que se num carro atual ocorrer uma falha hidráulica, O PEDAL DE FREIO ABAIXA TANTO que o motorista terá impressão de que o carro ficou sem freio. Mas é só impressão, pois o cilindro-mestre continua a desempenhar seu papel de TRANSMITIR FORÇA HIDRÁULICA PARA O CIRCUITO BOM.
Claro, a potência de frenagem diminui, mas longe de ter o mesmo efeito de falta total de freio.
No começo de 1997 eu ainda estava na Autoesporte e estávamos com o recém-lançado Ford Ka Endura para teste. Saí com o carro e fui reabastecer num posto próximo da editora e, ao frear para entrar no posto, o pedal de freio abaixou de uma vez. Claro, por conhecer o sistema não me perturbei, reabasteci normalmente mas voltei para a revista para avisar à Ford (no caso o gerente de imprensa Luiz Carlos Secco). Na segunda freada, porém, pedal voltou à altura normal — problema típico de defeito de um dos vedadores de pistão do cilindro-mestre, que costumam ser intermitentes (o Ka foi trocado por outro).
Portanto, leitor ou leitora, divulgue para familiares e amigos que defeitos desse tipo, embora raros, podem acontecer, e que se o pedal de freio baixar de repente, o carro NÃO está sem freio.
Um conselho para donos de carros mais antigos, anteriores a 1977 (quando o duplo-circuito hidráulico de freio se tornou obrigatório), e para colecionadores: certifiquem-se de que seus carros tenham cilindro-mestre duplo. Se não tiverem, atualizem-nos.
BS