Na edição passada publiquei neste espaço a primeira parte de alguns mitos e muitas coisas que julgo engraçadas que os fãs divulgam nas redes antissociais a respeito do piloto mexicano Sergio Pérez. Ultimamente eles vêm ocupando bastante espaço nas discussões no ciberespaço especialmente porque são muitos e bastante viscerais. Caros leitores, julguem vocês mesmos. Eu, pessoalmente, ainda tentando me recompor de uma dura faringite, tenho me divertido bastante.
“A Red Bull não faz as atualizações e adaptações pedidas por Pérez e por isso ele não está “a gosto” no carro.”
No ano passado, na corrida de Las Vegas, Pérez usou uma configuração diferente daquela de Verstappen. Preferiu usar a mesma asa traseira, com um flape de DRS maior, teoricamente algo que se ajustaria melhor ao seu estilo de pilotar, que não gosta de carros com frente “arisca”, ao contrário de Verstappen, que se adapta perfeitamente a bólidos assim. Já durante a classificação ficou claro o erro: enquanto Max se classificou em terceiro lugar, 0,58 s atrás do pole Charles Leclerc, Pérez ficou de fora na Q2 e largou em 12º lugar.
No final, Max venceu e Pérez terminou em 3º, 2,24 s atrás. Aliás, em entrevistas mais antigas dos dirigentes da Red Bull ficou claro que a tentativa de modificar o modelo 2022 para fazê-lo ao gosto de Pérez (algo reconhecido pelo próprio piloto) resultaram num carro mais lento. Ou seja, mesmo quando o Pérez faz a configuração que ele quer, o resultado é ruim – aliás, pior do que quando ele copia a configuração de Verstappen.
“A Red Bull não entrega a Pérez um carro como ele gosta, com tração dianteira.”
Está é das maiores besteiras que vejo o tempo todo. Por vários motivos: a F-1 nunca teve carros de tração dianteira. Os poucos modelos desenvolvidos com tração dianteira se mostraram ruins e lentos e foram abandonados. Aliás, desde 19 de fevereiro de 2022 o regulamento da FIA obriga todos os carros de F-1 a ter tração traseira, como consta do seu artigo 9.2.1: Tipo de transmissão – A transmissão somente pode acionar as duas rodas traseiras. Ou seja, os carros de F-1 têm obrigatoriamente tração traseira, o que exclui tração nas quatro rodas. Muita gente confunde tração traseira com carro com aderência traseira.
“A telemetria mostra que Pérez recebe um carro com menos potência do que o de Verstappen.”
Outra besteira muito comum. Tem um par de jornalistas mexicanos que disseminam essa versão. A telemetria, por definição, mostra o que acontece no carro graças à atuação do piloto. Se ele diz que o carro sai de frente numa curva, a telemetria mostra se isso realmente acontece ou não. É que os sensores do carro medem o quanto o volante foi esterçado, qual a intensidade da aplicação do freio antes da curva, qual era a velocidade do carro ao entrar nela, a que distância da curva o piloto freou, qual era a temperatura dos discos de freio antes da freada e depois dela, qual a rotação do motor, em qual marcha o carro estava… tudo.
A maneira como o piloto “trata” os pneus, estado da bateria, do DRS, o local de frenagem, tudo isso pode ser analisado pela telemetria, mas nada significa em termos de carro entregue. Frear mais tarde ou antes é estilo de pilotagem e dependendo das características do piloto rende mais ou menos velocidade. A telemetria é um dedo-duro do que o piloto faz com o carro, não do tipo de carro que ele recebe.
“Verstappen deve seus campeonatos a Pérez, que sempre o ajudou.”
Exceto pela “segurada” de Pérez em Hamilton em Abu Dhabi em 2021 por uma volta, que rendeu importantes 6 segundos de vantagem ao neerlandês, é difícil acreditar nessa teoria quando desde que Pérez e Verstappen são companheiros de equipe o neerlandês obteve 44 vitórias e o mexicano 5. No mesmo período, Max fez 20 voltas mais rápidas e Pérez, 7. Somente em 2023 Verstappen liderou 1.003 voltas enquanto Pérez esteve somente 974 voltas entre os 10 primeiros. Como ajudar quem está disparado na sua frente quando, ainda, há outros carros entre os dois companheiros?
Aliás, mesmo na Turquia, em 2021, o então estreante Yuki Tsunoda num fraco Alpha Tauri segurou Hamilton por 8 voltas e com isso permitiu a aproximação de Max, que terminou em segundo lugar e com isso reassumiu a liderança do campeonato. O piloto japonês foi bem mais assertivo (para usa uma palavra da moda) do que o próprio companheiro de Verstappen.
“A Red Bull tem interesse em manter Pérez na equipe porque ele é o piloto que mais vende mercadorias da marca e isso representa uma receita gigantesca, da qual Verstappen nem chega perto.”
Uma das grandes bobagens mais difundidas no ciberespaço entre os descendentes dos astecas. Primeiro porque ninguém sabe quanto a marca vende de produtos, nem o total, nem por piloto. Não há nenhum número divulgado, exceto um dado que no ano passado o jornalista inglês David Croft, um crítico constante de Verstappen, publicou. Segundo ele, 65% das vendas online de produtos da marca são no México. Outros meios falam em 65% para a América Latina como um todo (o que inclui, obviamente, diversos países que não tem tantos torcedores do mexicano, mas que compram mercadoria da marca, incluindo de Verstappen). A Red Bull jamais confirmou isso, mas, ainda que fosse, 65% de quanto? A América Latina é bem grande e inclui os 135 milhões de mexicanos (que é legitimo supor que boa parte deles compre produtos com a grife de Pérez), mas também outros muitos países, incluindo o Brasil, que tem muitíssimos seguidores de Verstappen. Logo, não dá para concluir que os itens vendidos sejam do mexicano.
Ainda que fossem, bonés e camisetas (que é o que eles alegam são o grande trunfo de Pérez) são produtos de franquia. Um boné Red Bull custa em torno de US$ 20 para o consumidor final. Desse valor tem de ser deduzido o custo do material, da mão de obra, de direitos de marca, impostos ao longo da cadeia de produção e distribuição, frete… quanto sobra para a escuderia? Outra coisa importante: nenhuma equipe de F-1 mantem um piloto (ela só pode ter dois) porque ele vende bonezinhos. O que importa para a equipe são os pontos que os pilotos trazem para o campeonato de construtores que, sim, representam muito dinheiro na mão da equipe.
Em 2023, por exemplo, a Red Bull recebeu da FIA US$ 140 milhões pelo título de campeão mundial de construtores. Isso significa US$ 5 milhões acima do limite de gastos de 2023 — ou seja, só essa receita seria suficiente para bancar todos os investimentos da equipe. A segunda colocada, a Mercedes, levou US$ 131 milhões. A terceira, a somente três (!!) pontos de distância, a Ferrari, levou US$ 122 milhões. Ou seja, os três pontinhos de diferença representaram US$ 9 milhões a menos. Quantos bonés deveriam ser vendidos para compensar esses US$ 9 milhões?
Nem considerei aqui as despesas que Pérez gerou para a Red Bull. Em 2023, o carro do mexicano consumiu US$ 3,22 milhões em consertos depois de batidas provocadas/sofridas pelo piloto. Apesar dos 13 anos completos de experiência na categoria, ele foi o terceiro piloto mais caro, atrás somente do estreante Logan Sargeant (US$ 4,33 milhões) e de Carlos Sainz (US$ 3,64 milhões, incluindo os US$ 2,2 milhões do acidente com a tampa de bueiro em Las Vegas, quando ele não teve nenhuma responsabilidade). E detalhe: Sainz tem nove temporadas na categoria.
Quem, dos 21 pilotos, incluindo o estreante Nyck de Vries que nem terminou a temporada, foi o que menos gastou em consertos? Max Verstappen, com apenas US$ 345.000. Ou seja, arredondando, 10% do que consumiu seu companheiro de equipe. E tem um detalhe importante: receita com venda de bonés não entre nos cálculos da equipe de limite de orçamento, mas gastos com conserto de carro são descontados do limite de gastos (o cost cap).
“Seu país não tem piloto na F-1.”, “seu país não tem grande prêmio de F-1.” ou “seu país não tem campeão de F-1, logo, você não tem direito a opinar.”
Juro que este é o “argumento” mais utilizado pelos fanáticos torcedores mexicanos nas mídias sociais. Se fosse assim, nenhum descendente de astecas deveria ter dado palpite sobre a categoria entre 1971 e 1977 e entre 1981 e 2011, quando o país não teve nenhum representante na categoria. Campeonatos? Nenhum até agora. Vitórias? Duas de Pedro Rodríguez no final dos anos 1960 e agora as 6 de Pérez. No terceiro ponto, o de que não tem campeões mundiais e pelo mesmo motivo, eles não poderiam discutir automobilismo?
Estas ridículas falas costumam ser usadas quando não há como rebater argumentos anteriores. E o fato de haver um grande prêmio na lindíssima Baku não qualifica nenhum azerbaijano a dar uma opinião mais avalizada do que um argentino, onde não há corrida de F-1 desde 1998. Aliás, toda esta história não passa de censura e de decidir quem pode ou não opinar. Imaginem, caros leitores, se Pérez estiver de fora da temporada 2024? Ou 2025? Os fanáticos torcedores se calarão nas redes sociais? Quando eu argumento que o Brasil tem oito títulos mundiais, a Argentina cinco; o Brasil tem 101 vitórias, a Argentina 38 vitórias: o Brasil teve 32 pilotos e a Argentina 26 pilotos e até listo os vice-campeonatos (que desde o ano passado os mexicanos passaram a valorizar) o argumento é que atualmente não há pilotos de nenhum dos dois países, com se isso pagasse os feitos assombrosos dos dois países.
“Pilotos e chefes de equipe elegeram Verstappen o melhor piloto de 2023 e Pérez ficou em décimo lugar — mas isso é inveja e é porque porque querem o lugar do mexicano.”
Novamente, um atentado à lógica. Nos dois casos, as votações organizadas pela própria F-1 foram secretas e diretas. Por que pilotos teriam inveja de Pérez, mas não de Verstappen? Faz sentido alguém invejar o segundo colocado no campeonato, que ficou cinco pontos mais perto do último colocado do que do líder e seu companheiro de equipe? Lembrando que Verstappen ficou em primeiro lugar nas duas votações. Nem vou me alongar.
Na verdade, há ainda mais barbaridades e a cada dia pipocam mais. Tudo depende do momento. Selecionei algumas das mais recorrentes e absurdas e resolvi limitar a duas colunas, mas poderia passar uns dois meses escrevendo somente sobre isso. Mas a ideia é apenas proporcionar uma leitura engraçadinha e crítica do que a internet nos proporciona ao dar espaço aos palpites de todo mundo, incluindo de quem não faz a menor ideia do que está comentando. Como eu sempre digo, não comento curling porque não entendo absolutamente nada sobre esse esporte. Pena que poucos tenhamos essa autocrítica.
Mudando de assunto: esta época é pródiga em suspense e boatos, com renovações de contrato de pilotos de F-1 antecipadas ou confirmadas. Gostei de ver o Norris confirmado e com um longo contrato na McLaren, mas espero que a escuderia corresponda ao bom piloto que tem. E tenho bastante esperança no Oscar Piastri, que promete muito. Mas reconheço que já fiz apostas que não se confirmaram, como em Jean Alesi, no qual ainda não sei por que não foi o grande piloto que achei que seria.
NG
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