A Alfa Romeo sempre se destacou no mundo automobilístico pela audácia e arrojo de seus projetos. Fundada em 1910, a Alfa (Anonima Lombarda Fabbrica Automobili) quase faliu ainda em seu início, sendo salva pelo engenheiro Nicola Romeo, que passou a ser sócio majoritário da marca, renomeada para Alfa Romeo. O espírito dela sempre foi esportivo, com motores, claro, sempre com potências acima da média, e por isso, suas tecnologias construtivas estavam sempre à frente dos rivais de mercado.
Sem contar que, nas competições internacionais, a marca italiana sempre deu trabalho aos alemães, franceses e, como não poderia deixar de ser, tinha como um de seus pilotos de destaque ninguém menos que Enzo Ferrari, que depois fundaria sua própria marca, que todos conhecemos até hoje. Nos primórdios da F-1, a Alfa foi campeã em 1950 e 1951 graças aos seus potentes motores de 8 cilindros, em linha 1.5-litro, com supercarregador.
Quando a Alfa Romeo ofereceu à nossa estatal Fábrica Nacional de Motores (FNM) o projeto de seu 2000 sedã já sabíamos que viria para o mercado nacional um carro com altíssima tecnologia construtiva, reunindo velocidade a um baixo consumo de combustível. Em abril de 1960, exatamente no dia 21, quando foi inaugurada a nova capital Brasília, a FNM lançava o modelo FNM 2000 JK (leia mais sobre ele na minha última coluna, um legítimo Alfa produzido em terras brasileiras.
Um dos seus grandes destaques, em tempos de simplórios VW 1200, Aero-Willys, DKW-Vemag, Renault Dauphine e outros, estava no motor 2000, com uma configuração pouco conhecida por nós naquela época: cabeçote fundido em alumínio, com duplo comando de válvulas acionado por corrente com esticador, sendo um comandando as válvulas de admissão e outro para as de escapamento, câmaras de combustão hemisféricas, com as velas posicionadas exatamente no centro da “meia-lua”, válvulas consequentemente inclinadas para melhorar e acelerar o fluxo de gases, coletor de escapamento fundido em ferro, mas com ramos individuais para cada cilindro, sem contar o coletor de admissão com um carburador de corpo duplo de 34 mm .
O bloco daquele motor de .975 cm³, fundido em ferro, era bem robusto, com diâmetro dos cilindros 84,5 mm e curso dos pistões de alumínio de 88 mm, potência líquida máxima de 95 cv a 5.300 rpm com torque máximo líquido de 15,5 m·kgf a 3.500 rpm. Números que destacavam seu desempenho, assim como a solução inteligente nas suas válvulas de escapamento: por dentro de suas hastes havia sódio cristalizado, que, quando atingia maiores temperaturas, se liquefazia, tirando o calor da cabeça da válvula, o levando até sua parte inferior (ali, dissipava-se no cabeçote e no sistema de arrefecimento). Certamente uma solução oriunda da Fórmula 1, desenvolvida pela Alfa Romeo.
Outra curiosidade ficava por conta da taxa de compressão desse motor 2-L do JK: na Itália, em seu projeto original ele tinha taxa de compressão 8,2:1, adequada à octanagem da gasolina europeia, mas, aqui, com a gasolina da época, de octanagem muito aquém do desejado, baixou-se para 7,2:1 a taxa, em uma adaptação conjunta entre a engenharia da Alfa italiana e da FNM brasileira. Era uma forma desse motor funcionar razoavelmente bem com a nossa gasolina. Depois de mexerem bastante em curva de avanço do distribuidor e a menor taxa de compressão, o 2-litros estava mais suave, firmando-se definitivamente.
Graças ainda ao câmbio sincronizado de cinco marchas, com a 5ª funcional, ou seja, sem ser sobremarcha para economia (tanto que sua máxima era obtida na última marcha), o FNM 2000 JK, com seus 1.337 kg, conseguia acelerar de 0 a 100 km/h em 18 segundos e atingia 160 km/h. Só para que se tenha uma ideia, os carros pequenos da época não conseguiam acelerações muito melhores que 25 segundos, raramente alcançando os 120 km/h, respectivamente. O JK, portanto, era um verdadeiro espanto para os idos de 1960, 1961 e demais.
Mas o tempo passou e o mercado se enriqueceu, com veículos novos, mais potentes, com bons desempenhos, e a Alfa Romeo não dormiu no ponto. Depois da segunda metade da década de 1960, mais para o final, assumiu o controle acionário da FNM, e passou, ela mesma, a comandar sua linha de produtos. A primeira providência foi apresentar no Salão de 1968 o novo 2150, uma evolução bem-vinda do 2000 , com importantes melhorias tecnológicas, como servo-freio, a opção freios a disco nas rodas dianteiras, pneus radiais ligeiramente mais largos e uma nova versão para o motor 2-litros, que passava agora a 2.132 cm³.
O que mudava era basicamente o virabrequim, que permitia o aumento do curso dos pistões de 88 para 95 mm, trazendo pouco acréscimo a potência máxima, subindo de 122 para 125 hp (números SAE), embora com um vistoso aumento do torque máximo, de quase 2,5 m·kgf (agora eram 18,3). Assim, melhorado, o 2150 ganhou muito em agilidade, ficou mais divertido e seguro de guiar, tanto que o desempenho oficial passava a significativos 16 segundos no 0 a 100 km/h, chegando a notáveis 165 km/h de máxima. Tudo isso sem que o consumo tenha sido tão alterado: na época, andando moderadamente, o carro chegava a fazer 10 km/l de gasolina na estrada, não gastando muito mais do que 7 km/l na cidade.
O que também ajudou no ganho de potência máxima foi o aumento significativo da taxa de compressão do novo motor que se igualava ao do modelo Alfa italiano: 8,2:1. Apesar do avanço, como sua produção seguiu até 1973, quando foi substituído pelo 2300 (esse fica para um outro texto), os técnicos da FNM mudaram a taxa do 2150 para 7,3:1 anos mais tarde. O motivo era que, depois de longas viagens, o motor não desligava mesmo após retirada a chave de ignição: devido a pontos quentes nas câmaras de combustão, ele seguia funcionando em auto-ignição como se estivesse em marcha-lenta, o que causava muitas reclamações por parte dos proprietários. Ainda assim, um projeto e tanto!
DM
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