Carlos Tavares, executivo-chefe global da Stellantis que veio anunciar um investimento de 30 bilhões de reais no Brasil, concedeu uma entrevista coletiva onde, além da simplicidade, demonstrou profundo conhecimento do setor.
Como todo este dinheiro (o maior valor já anunciado pela indústria automobilística) será aplicado em novos produtos e no desenvolvimento dos atuais, foi inevitável o detalhamento das novas tecnologias de eletrificação desenvolvidas pela engenharia da empresa.
Começou confirmando o que a equipe de Betim já havia anunciado no ano passado: executar no Brasil o projeto Bio-Hybrid que contempla as principais soluções adotadas no mundo para a redução das emissões de CO2: híbridos (leve, simples e plug-in) e elétricos. Com ênfase no álcool como solução regionalizada. Primeiro híbrido de motor a combustão flex ainda este ano.
Perguntado sobre as principais políticas globais de mobilidade a serem adotadas pela empresa, ressaltou ter sob seu guarda-chuva 14 marcas e 100 modelos produzidos e distribuídos em todo o mundo. E cada vez mais complicado unificar soluções devido à fragmentação que vai tomando conta dos diversos mercados. Cada um com exigências e recursos específicos, que exigem soluções regionais para atender às demandas também diversificadas.
Pontuou diversas vezes a importância de se atender sempre com prioridade a classe média, tornando acessível a ela os novos conceitos de mobilidade. E, no sentido reverso, permitindo que as fábricas tenham escala de produção com volumes que justifiquem os novos investimentos exigidos pelas modernas tecnologias.
Mas deixou uma questão paradoxal nas entrelinhas: quanto maior a fragmentação dos diversos mercados mundiais, maior também a dificuldade em se atingir maiores volumes de produção e de se diluir investimentos em novas plataformas, motorizações, eletrônica, etc.
Ressaltou que o álcool é uma solução de descarbonização que atende ao nosso mercado, com possibilidade de expandi-la para a América Latina. Mas concordou não ser o híbrido flex uma solução adequada diante das estatísticas de que estes automóveis são abastecidos com 70% de gasolina e apenas 30% de etanol. E que, ultrapassados diversos obstáculos, o motor a álcool seria solução mais limpa e eficiente para a redução de emissões de CO2.
Concorda com a utilização em escala cada vez maior dos biocombustíveis desde que a produção não interfira com o setor da alimentação, questão levantada principalmente nos países de menor extensão geográfica no Primeiro Mundo.
Carros elétricos
Quanto aos elétricos, Tavares simplificou a questão que cria controvérsias no setor: eles ainda custam de 30 a 40% mais que os modelos correspondentes com motores térmicos e — fora outros problemas que ainda afligem seus donos — só depois de uma equalização de preços o elétrico terá condições de atingir grandes volumes de produção.
Citou o exemplo de países como a Alemanha e França, onde eles tinham vendas em volumes razoáveis enquanto eram subsidiados pelo governo com cerca de 7.500 euros. Com o corte dos subsídios “as vendas não se arrefeceram: quase desapareceram” foi o que afirmou.
Disse que a engenharia da Stellantis pede de três a quatro anos para equilibrar os custos de produção dos elétricos com os térmicos (combustão), mas seria necessário também contar com demandas bem mais elevadas do que se estima atualmente. O projeto da empresa é chegar com pegada zero de carbono até 2038, contando para isso com todas as tecnologias a serem aplicadas para a descarbonização em cada região do mundo.
Nota do autor: Quando Tavares se referiu à importância do acesso da classe média aos eletrificados para se gerar maior demanda e viabilizar investimentos, ficou uma dúvida no ar: em países como o Brasil, onde é outro o conceito de classe média, quantas décadas adicionais até que se fechem as contas?
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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