Estive no Salão de Munique em outubro do ano passado e entrevistei Herr Thomas Schäfer, presidente mundial da Volkswagen. Perguntei por que as vendas de seus elétricos andavam pior que as outras marcas. Ao invés de explicar, tentou tampar o sol com a peneira ao afirmar que seus elétricos estavam indo muito bem, obrigado. Ele talvez tenha se esquecido de seu próprio discurso de julho passado, quando afirmou para executivos da empresa de que o “teto da casa estava em chamas” e seria necessário cortar 10 bilhões de euros nos custos fixos. Além de interromper durante semanas a produção de elétricos em duas fábricas por falta de demanda e condições de competir no mercado e de reduzir preços, como fizeram Tesla e os chineses. Schäfer ainda cancelou investimentos de dois bilhões de euros programados para uma nova fábrica de elétricos, pois as vendas dos eletrificados na Alemanha caíram 14% comparadas com 2022. No Brasil, a marca alemã trouxe o ID.4, para ser disponibilizado por assinatura, pelo custo de 10 mil reais mensais por três anos. Foi um retumbante fracasso e agora tenta emplacá-lo com aluguel mensal de R$ 7 mil por 24 meses.
A dificuldade com os elétricos não é só da Volkswagen, mas ela enfrenta obstáculo maior com seu já obsoleto arcabouço para carros a bateria (MEB), que encarece o custo de produção. Mas todas enfrentam o corte de subsídios do governo alemão aos elétricos. O chefe maior da BMW, Oliver Zipse, protesta há tempos contra a concentração da indústria e governo nos carros a bateria e defende investimentos em híbridos, no hidrogênio, pilha a combustível e outras alternativas. A Mercedes-Benz acaba de anunciar que vai protelar seu plano de concentrar a produção em elétricos até 2030, mantendo motores a combustão e híbridos em suas linhas de produção.
Nos Estados Unidos, a Tesla reduziu em 2023 o preço do Model 3 de US$ 47 mil para US$ 39 mil. A Ford, no final do ano, anunciou cortes na ordem de 12 bilhões de dólares nos investimentos dos elétricos em função da demanda que não cresceu como seus executivos estimaram. A GM tinha declarado em alto e bom som que não iria — em todo o mundo — adotar a transição pelos híbridos e pular direto da combustão para o elétrico. Mudou de ideia pela demanda abaixo do esperado e até protestos das concessionárias.
Quem estremeceu o mercado foi a Hertz que decidiu vender 20 mil elétricos por falta de interesse dos clientes. A maior locadora do mundo constatou que são alugados apenas para rodar nas cidades, mas não para viajar, pela ameaça dos perrengues da recarga nas rodovias. A venda vai resultar num prejuízo de 250 milhões de dólares para a Hertz, pelo seu baixo valor no mercado de usados. Mesmo motivo que afasta clientes dos elétricos e abarrota pátios de usados nos EUA e na Europa. Eles desvalorizam o dobro em relação aos modelos a combustão e os clientes migram para o híbrido, solução mais racional e sem o “fantasma da pane seca”.
A maioria dos fabricantes enfrentou estas dificuldades reduzindo preços. Nos EUA, em 2023, a picape Ford F-150 Lightning foi oferecida por 21% abaixo da tabela. Outras marcas tradicionais também adotaram promoções (veja gráfico anexo), com exceção da VW que manteve o preço de seu ID.4, provavelmente pelo custo do arcabouço MEB. Mesmo com direito ao subsidio de US$ 7.500 por ser produzido localmente (em Chattanooga, Tennessee) com capacidade para 10 mil unidades mensais, mas vendendo apenas a metade deste volume.
A rigor, as vendas globais de eletrificados (elétricos e híbridos de carregamento externo) crescem, principalmente as dos híbridos: 30% em 2023 comparado com 2022. Mas num ritmo muito inferior ao previsto, pela primeira vez em anos. E, para 2024, os especialistas estimam crescimento de apenas 25%, pois os clientes “aguardam modelos melhores, menores e mais baratos”. Virão?
A redução de preços, por exemplo, foi questionada por Carlos Tavares, manda-chuva geral da Stellantis: ele argumenta que o fracionamento dos grandes mercados mundiais, com soluções mais regionais que globais, vai dificultar de se atingir grandes volumes de produção de um arcabouço. E baixos volumes não permitem reduzir custos. Emanuele Cappellano, presidente da Stellantis na América do Sul, foi objetivo: vamos ficar nos híbridos pois nosso cliente não tem dinheiro para comprar elétrico.
O elétrico tem futuro. Mas cada vez mais distante.
BF
Mais Boris? autopapo.com.br