O início do fim dos motores a combustão na Europa tem data prevista pela legislação europeia: a partir de 2035 eles não poderão mais ser licenciados na região. Mas, nestes próximos dez anos a indústria será capaz de uma completa reviravolta em seus métodos seculares de produção?
Pouco provável e, por isso, já tiveram início as “exceções”. A primeira foi o eFuel (“e” de electro, pelo elevado uso de eletricidade para produzi-lo), ou combustível sintético, não derivado do petróleo. Um projeto já desenvolvido pela HIF (Highly Innovative Fuels), uma associação de empresas, Porsche entre elas, que investiu 100 milhões de dólares numa usina para produzi-lo em Punta Arenas, no sul do Chile (foto de abertura). O combustível é produzido a partir de energia renovável (eólica) e dispensa recursos fósseis, capturando o CO2 da atmosfera e agregando-o quimicamente ao hidrogênio (H2) para obter — inicialmente — o e-metanol e então transformá-lo em gasolina após vários processos químicos.
Não chega a ser uma novidade: na Segunda Guerra Mundial os alemães também criaram solução semelhante, com uma “ligeira” diferença: era obtida a partir de um gás proveniente do … carvão. Mas questão, na época, não tinha nada a ver com emissão de CO2 era falta de gasolina para as suas forças armadas.
Agora este combustível complementaria as demais opções energéticas que se desenvolvem para manter em operação os atuais automóveis a combustão. A Porsche, especialmente, tranquiliza seus clientes com uma gasolina que os permitirá continuar rodando com suas relíquias de qualquer época.
A usina-piloto da Porsche no Chile já iniciou sua produção em volumes menores mas pretende atingir 550 milhões de litros anuais em 2027. A ideia da HIF é implantar outras duas usinas produzindo volumes semelhantes na Austrália e nos EUA, para substituir gradualmente a gasolina obtida do petróleo, num total teórico de 1,65 bilhão de litros por ano.
Mais mercadológico que real
Com o pequeno volume atual, a Porsche inicia sua utilização em competições como a Porsche Cup, estendendo-a depois para outras categorias. As pistas seriam, portanto, a primeira demonstração da viabilidade de se utilizar o eFuel em substituição à gasolina. Uma iniciativa meritória, porém de resultados mais mercadológicos que reais, imaginando-se que a frota de automóveis no mundo supera o bilhão de unidades e consome na ordem de trilhões de litros anualmente. Ou seja, o eFuel terá volume irrisório ao lado da demanda dos motores a combustão. Além disso, o custo para se obter o CO2 é elevadíssimo, pois sua presença no ar é mínima. E a obtenção do hidrogênio através do processo catalítico também exige grandes investimentos.
Alguns jornalistas brasileiros foram convidados pela Porsche do Brasil para conhecer seu combustível chileno e teceram loas que poderia ser “uma solução para os motores a combustão”. Seria de fato, não fosse um combustível caríssimo e de importância apenas institucional. A própria Porsche deu a entender que seu desenvolvimento é para “garantir a operação dos motores de seus clientes no futuro”.
Solução para milionário
A rigor, será uma solução exclusiva para tanques de Porsche, Ferrari, Lamborghini, Rolls-Royce e outros esportivos e luxuosos. O preço do eFuel é pelo menos cinco vezes maior que o da gasolina e até poderá ser reduzido ao escalar a produção. Mas dificilmente competitivo e capaz de viabilizar o abastecimento de um Uno Mille ou Chevrolet Onix.
Não tem dúvida ser um passo importante para a redução das emissões e descarbonização do planeta, pois a gasolina sintética é obtida a partir do CO2 presente na atmosfera.
Entretanto, o Brasil tem, (por acaso…), outro combustível que também absorve o CO2 da atmosfera por um processo bem mais simples e mais barato: a fotossíntese da cana-de-açúcar quando cresce no campo….
Se a gasolina da Porsche pode ser utilizada sem nenhuma modificação dos motores, nosso álcool exige apenas pequenas alterações do motor atual para se tornar um combustível tão limpo quanto.
Outros países — exceto Estados Unidos, que produz 56 bilhões de litros de álcool de milho por ano — não contam com a opção do álcool como alternativa energética por falta de condições geográficas e climáticas. E investem em outras soluções como os elétricos, a hidrogênio, gás, híbridos e outros.
Já passou da hora de o Brasil, que produz 32 bilhões de álcool de cana-de-açúcar por ano e 6 bilhões de litros de álcool de milho por ano em Goiás — encarar o álcool com a seriedade que ele merece, a começar pelo incentivo aos automóveis que o tenham como único combustível.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva re3sponsabilidade do seu autor.
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