Liga-se o motor e engata-se a primeira sem usar o pé esquerdo, — não há pedal de embreagem. Possível? Sim, desde que a embreagem seja automática.
Nos anos 1960 a embreagem automática surgiu em vários carros europeus. No Brasil, começou no DKW-Vemag. Não era item de série, tampouco opcional, mas um kit disponível na lista de peças originais Vemag que qualquer concessionária poderia adquirir e oferecer aos clientes. Montá-la nos carros existentes levava cerca de quatro horas.
Essa embreagem automática se chamava Saxomat e era produzida pela alemã Fichtel & Sachs AG, tradicional fabricante de embreagens e fornecedora para indústria automobilística.
A embreagem automática veio tanto para facilitar o dirigir quanto possibilitar que pessoas com deficiência motora na perna esquerda ou mesmo não tê-la mais, pudessem dirigir. Exatamente como nos carros de câmbio automático, surgidos a partir de 1939 no americano Oldsmobile com o nome de Hydramatic.
O ‘facilitar o dirigir’ é bem exemplificado na mensagem da imagem de abertura, “Faz o dirigi brincadeira de criança”.
Essa facilidade traduz-se simplesmente em operar um câmbio manual como se o “terceiro pedal” estivesse lá. As trocas de marchas são feitas de maneira absolutamente normal. Tanto é assim que a Federação Internacional do Automóvel (FIA) autorizava seu uso nos ralis em carros que não a tivessem originalmente para os pilotos não precisarem se preocupar, em condições extremas de frear/acelerar e trocar marchas, com a embreagem.
Na Europa, o Renault Dauphine, de 1957, tinha versão com esse tipo de embreagem, de marca Ferlec. A Fichtel & Sachs, a fornecia para vários fabricantes de veículos — Auto Union (DKW), Mercedes-Benz, Borgward e outros. Até o simplório alemão oriental Trabant, a oferecia, marca Hycomat.
Passariam anos até que houvesse carros nacionais com embreagem automática. Em meados dos anos 1990 tivemos o Chevrolet Corsa Auto Clutch (clutch é embreagem em inglês) e o Fiat Palio Citymatic. Em 1999 chegou o Mercedes-Benz nacional, os classe A 160 e A 190, ambos com a opção AKS (sigla em alemão de sistema de embreagem automática), apelidado de câmbio semiautomático. Desses carros de embreagem automática só não pude dirigi o Mercedes, pois trabalhava na General Motors como gerente de imprensa, tendo o Chico Lelis como par.
Problema no lançamento
Eu soube, pelo Fernando Calmon, que o test drive do classe A saiu do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, rumo a Teresópolis, região serrana do estado, onde seria feita a apresentação à noite, e no dia seguinte seguir para Juiz Fora, MG, onde o carro era produzido na fábrica de caminhões e ônibus da Mercedes; .
O hotel em Teresópolis ficava num ponto elevado e havia uma subida algo íngreme para chegar a ele, Contou-me o Calmon que, no hotel, alguns jornalistas que dirigiam a versão AKS reclamaram que na subida congestionada, em que era preciso parar, ao arrancar o veículo recuava. Houve inquietação do pessoal da fábrica ao ponto de ser obrigada a organizar uma sessão técnica extra no dia seguinte antes da saída para Juiz de Fora, para que um engenheiro da Mercedes explicasse como evitar o recuo — usar o freio de estacionamento ou mantê-lo freado com o freio de serviço usando o pé esquerdo, já que não havia pedal de embreagem…
De uma maneira geral, a embreagem automática não caiu no gosto do mercado. Aponto vários motivos, como estranhar a novidade de ser um câmbio manual sem pedal de embreagem ou receio de o sistema não ser confiável e dar problemas impedindo o carro de andar, ter manutenção cara, desvalorizar o veículo.
Em 2015 a Bosch idealizou novo sistema de embreagem automática visando oferecê-lo a fabricantes, mas nenhum se interessou. Àquela altura o câmbio manual já estava em declínio em favor dos automáticos epicíclicos e CVT.
E a embreagem automática caiu no esquecimento.
BS