Desde que os bancos infantis foram tornados obrigatórios pela resolução Contran nº 819, de 21/03/2021, as estatísticas comprovam sua eficácia para proteger as crianças em caso de acidente. Mas o governo é incompetente e sem coragem de enfrentar o lobby das fábricas para regulamentar sua aplicação exatamente onde elas são transportadas diariamente: vans escolares (foto acima). Piada de mau gosto…
Outra distorção tupiniquim é o Latin NCAP, uma entidade estrangeira (uruguaia) que decide se automóvel comercializado no Brasil oferece proteção adequada ao ocupante. De comprovada baixa credibilidade, distorce resultados, testa modelos vendidos em outros países ou que já não são mais fabricados no Brasil e desrespeita seus próprios prazos ao alterar critérios. Deixa dúvidas quanto aos resultados de testes: há os carros que ela adquire no mercado ou os que realiza — acompanhados de polpudos cheques — a pedido das fábricas.
E o que dizer do Inmetro? Um órgão do governo da maior importância para homologar e certificar produtos colocados à venda no mercado que deveria ter a maior credibilidade, mas que mostra não ter quando homologa pneus remoldados sem exigências básicas de segurança, quando permite pneus recauchutados em motos, quando se limita a homologar meia-dúzia de peças de reposição entre as centenas disponíveis no mercado, ao prorrogar “inexplicavelmente” por cinco anos a exigência de bombas nos postos à prova de bandidos.
Caminhão-pipa é o que automóveis parecem ser, a julgar pela maneira como a Stellantis mede a capacidade volumétrica dos porta-malas — em litros de água! Sendo tal capacidade um dado importante a ponto de poder decidir a compra de um carro, existe um padrão mundial de medição dessa capacidade, a norma ISO 3832 adotada pela Associação Alemã da Indústria Automobilística (VDA) e pelo Brasil por meio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Ela consiste em colocar no porta-malas tantos blocos de 200 x 100 x 50 mm, cujo volume é 1 litro, quanto possível. A água entra em todos os cantos possíveis e o volume encontrado é inservível.
Os carros elétricos trazem embutido um problema: qual o seu alcance, quantos quilômetros rodam com uma carga da bateria? Uma preocupação que só donos de carros elétricos têm, pois com carro de motor a combustão é só entrar em qualquer posto e reabastecer em poucos minutos. Surgiram critérios de medição na Europa, na China, nos EUA. A maioria bastante otimista e que se “esquece” das enormes variações que reduzem significativamente a capacidade da bateria. O Inmetro estabeleceu o padrão brasileiro (mais pessimista, porém mais próximo da realidade) que pode não ser exato em termos absolutos, mas permite uma referência entre diversos modelos. Pois não é que a chinesa BYD desrespeita o padrão nacional e anuncia o alcance de seus carros de acordo com o padrão chinês?
O Brasil tem mesmo um poder invisível. O mundo corre atrás de alternativas energéticas ao combustível de origem fóssil. O Brasil é abençoado com opções extraordinárias, mas amaldiçoado por interesses econômicos inconfessáveis. E tome biodiesel em excesso que entope os motores. E tome álcool na gasolina em excesso que agride o bolso do motorista ou o carro mais velhinho. Pois a decisão não resulta de análise técnica, nem do Ministério de Minas e Energia, nem da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), mas de uma poderosa entidade “invisível”, a bancada ruralista no Congresso Nacional.
Alguns equipamentos dos veículos não são obrigatórios por lei, mas deveriam. Desde que surgiu o retrovisor externo controlado eletricamente, não se admite mais o comando manual, por uma alavanquinha. Em ultimo caso, o da esquerda é de fácil regulagem, pois o motorista está em sua posição natural. Mas o da direita é impossível ser ajustado sem ajuda de terceiros ou várias tentativas do motorista. Apesar disso, a VW cometeu o absurdo de eliminar o comando elétrico nos dois lados ao “depenar” o Polo Robust. Economia (porca) de palito…
As lombadas, tecnicamente chamadas de ondulações transversais, são necessárias como último recurso de governos sem recursos para fiscalizar velocidade. Mas 97% delas desrespeitam o padrão estabelecido objetivamente pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Provocam acidentes, quebram componentes inferiores do carro e derrubam (já mataram) motociclistas. Além de fazerem aumentar desnecessariamente o consumo de combustível e as emissões.
Se no banco traseiro do automóvel a utilização do cinto de segurança é desprezada, nos ônibus interestaduais não adianta o motorista se postar lá na frente antes da viagem: os passageiros sequer imaginam a possibilidade de um acidente “justo comigo”. E centenas já se feriram ou morreram nestas circunstâncias.
O “seguro obrigatório” DPVAT chama-se agora SPVAT e será cobrado a partir de 2025 (pois o governo “perdeu” o prazo para que voltasse este ano). E continua a ilegalidade de ser recolhido para um banco e não para uma seguradora. Solução tipicamente tupiniquim.
E a multa do carro? Quem comete a infração de trânsito é o automóvel ou o condutor? Se eu compro um carro de alguém que tenha cometido uma infração, porque a notificação pousa na minha mesa e não na dele?
A rigor, os Detrans têm obrigação de informar se um automóvel se envolveu num acidente que tenha provocado danos de grande monta que resulte em sua perda total. Mas essa informação é exclusiva (e secreta) da comunidade de seguradoras, que não a divulgam publicamente em hipótese alguma.
São simpáticos, os BMV (Brasília Muito Velho). Mas todos estes carros caindo aos pedaços que rodam por aí provocam congestionamentos (quando enguiçam), ameaçam a integridade de terceiros (por falta de freios), consomem combustível e emitem gases nocivos excessivamente. Tudo porque falta ao governo autoridade e coragem para implantar a Inspeção Técnica Veicular, que tiraria essas velharias das ruas. Mas o político que tiver coragem de implantar a ITV vai certamente perder centenas de milhares de votos.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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