Muito se fala em elasticidade dos motores, em que, por exemplo, o motor A é mais elástico do que o motor B. O significado de elasticidade, para quem tem noção do que essas duas grandezas significam, pode ser visualizado observando as curvas de torque e potência de um motor (imagem de abertura). Mas pode também ser sentido pelo comportamento do motor em toda a faixa de rotação.
Por exemplo, quando teste o Polo TSI de câmbio manual, percebi (e escrevi), que me surpreendi com a potência em baixas rotações aquém com o que esperava de um motor turbo, mesmo sendo de 1 litro. Não tinha a elasticidade que eu esperava.
Além da questão da elasticidade em si mesma que se pode perceber, ela também determina a escolha do número de marchas do câmbio. O número de marcas é inversamente proporcional à elasticidade do motor., ou seja, mais elástico o motor, menos marchas ele precisa
Índice de elasticidade
Muitos anos atrás a revista italiana Quattroruote publicava, em todos os teste, o Índice de Elasticidade, assunto dessa matéria que é a minha coluna dominical.
Um exemplo que gosto de dar é o da dupla Dauphine-Gordini, fabricada aqui pela Willys-Overland do Brasil sob licença da Renault de 1959 a 1968.
Seus motores eram de 845 cm³, mas enquanto o do Dauphine entregava 26,5 cv a 4.250 rpm e 5,7 m·kgf a 2.000 rpm, o do Gordini produzida 32 cv a 5.000 rpm e 6 m·kgf a 2.500 rpm (potências líquidas, esqueça o “40 hp de emoção” das propagandas do Gordini, era potência bruta SAE).
Observe a tabela abaixo:
cv | rpm | m·kgf | rpm | T @ N | Índice | |
Dauphine | 26 | 4250 | 5,7 | 2000 | 4,38 | 2,76 |
Gordini | 32 | 5000 | 6 | 2500 | 4,58 | 2,62 |
O torque na rotação de potência máxima, além de poder ser visto nas respectivas curvas, pode ser facilmente calculado:
T @ N = 716,2 x cv ÷ rpm
Saiba que o torque na rotação de potência máxima sempre é menor que o torque máximo.
Veja na última coluna que o índice de elasticidade do motor do Dauphine é maior que o do Gordini. Isso explica por que o Dauphine anda bem com câmbio de 3 marchas é o Gordini precisou de 4.
As primeiras marchas dos câmbios são iguais (3,700:1) e as respetivas últimas marchas são 1:07:1. No 3-marchas a segunda é 1,85:1, enquanto no 4-marchas esta segunda deu lugar a uma segunda 2,108:1 e uma terceira 1,458:1. A relação de diferencial era a mesma nos dois câmbios, 4,378:1. Fato é que no Dauphine não se sentia falta de quatro marchas.
Até já contei aqui numa ocasião que no tempo dos “pegas” no início dos anos 1960, na Estrada de Canoas, na região serrana da cidade do Rio de Janeiro, o Dauphine era mais rápido que o Gordini por sua segunda ser exata para a gradiente média da subida, ao passo que a segunda do Gordini era muito curta e terceira, muito longa.
Em ponto maior, o Opala 4100 teve a mesma solução de câmbio desses Renault. Quando o câmbio de 4 marchas foi introduzido em 1971, foi por razões mercadológicas apenas, pois o de 3 marchas atendia perfeitamente o motor. Era fato notório dirigir esse Opala de 4 marchas e sentir que tinha “marcha demais”, ao contrário do que se observava na versão 3-marchas.
Nesse aspecto, a GM só acertou quando lançou em 1977 um câmbio de 4 marchas opcional chamado Gama, em que a quarta era sobremarcha (overdrive) e da primeira à terceira era um verdadeiro câmbio de três marchas. Era perfeito, mas o Rei Mercado não aprovou, achou que a quarta era “chocha”…
Esse índice de elasticidade, apesar de ser uma referência para uma primeira análise, não é tudo Há outros fatores que influenciam a percepção, como torque e potência, e peso. Tomando o exemplo de um Opala 4100, 140 cv e 29 m·kgf, o índice de elasticidade é apenas 1,94, mas qualquer pessoa que dirija um notará como seu motor é elástico. Mas o motor KC20C1 do Honda Civic Type R, turbo, apresenta índice de elasticidade 3,27, com seus 297 cv a 6.500 rpm e 42,8 m·kgf a de 2.600 a 3.500 rpm.
Planilha para índice de elasticidade
Como eu o precisaria fazer contas repetidas para escrever esta matéria, fiz ontem uma planilha para facilitar o trabalho:
ÍNDICE DE ELASTICIDADE | ||||||
cv | rpm | m·kgf | rpm | T @ N | Índice | |
Honda Civic Type R | 297 | 6500 | 42,8 | 2600 | 32,72 | 3,27 |
Dauphine | 26 | 4250 | 5,7 | 2000 | 4,38 | 2,76 |
Gordini | 32 | 5000 | 6 | 2500 | 4,58 | 2,62 |
Polo Track | 84 | 6450 | 10,3 | 3000 | 9,33 | 2,37 |
Renault 1093 | 42 | 5800 | 7 | 3800 | 5,19 | 2,06 |
Etios 1,5 | 96,5 | 5600 | 13,9 | 3100 | 12,34 | 2,03 |
Opala 4100 | 140 | 4000 | 29 | 2400 | 25,07 | 1,93 |
T @ N = torque na potência máxima (não precisa calcular, resultado é automático)
Com as primeiras quatro variáveis — potência, rpm, torque, rpm — inseridas, a resposta é imediata. Por enquanto a planilha é “morta”, não permite novas entradas, mas nos próximos dias ela estará disponível para download para quem quiser saber qual é o índice de elasticidade do motor do próprio carro.
BS
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