Todo e qualquer tipo de carro tem uma origem, alguns deles bastante interessantes, outros, apenas criados para serem condução para fazer seu dono deixar de andar de ônibus. Desses, alguns resultam menos emocionantes que um transporte coletivo. Normalmente isso acontece com os modelos mais comuns e/ou mais vendidos, basta olhar ao nosso redor para ver alguns deles.
Mas a Toyota, que viria a se tornar o maior fabricante do planeta, era pouco conhecida fora do oriente, com algumas exceções, como o Brasil, que teve a honra de ter a primeira fabrica da marca fora do Japão, no tempo em que nosso país tinha um grande futuro pela frente.
Depois da Segunda Guerra Mundial o economicamente enfraquecido, o “Pais do Sol Nascente” fez associações em vários ramos de atividade para melhorar a vida de seus cidadãos. Uma das coisas mais importantes na vida de pessoas, a mobilidade, foi tomada como prioridade. Acordos técnicos e comerciais foram feitos com a Austin e Hilman inglesas, e a Hino com a Renault. Muitos modelos de origem britânica e francesa foram fabricados, preenchendo um vazio durante alguns anos.
Um pouco mais à frente, a Toyota decidiu que promover modelos baratos e que tivessem comportamento dinâmico de bom nível poderia ser um caminho para produzir e vender em grandes volumes, e no meio de 1961 lançou o Publica, sedã de preço popular, o qual foi inscrito em corridas como o Grande Prêmio de Suzuka,, na época apenas para carros fabricados localmente. Ganharam fácil com a administração da equipe feita dentro de casa, sem custos com terceiros, e a publicidade os ajudou a decidir pelo passo maior, o projeto de um carro esporte, que sempre faz uma marca aparecer por ser apenas e simplesmente o mais desejado tipo de carro que um ser humano normal sonha. Claramente, aparecer nas mídias americana e europeia era o objetivo.
Em meados de 1964 iniciam o projeto 280A, com apenas seis pessoas envolvidas na fase inicial, com o gerente de competição Jiro Kawano nomeado como diretor do projeto. O estilo também veio todo de dentro de casa, sob liderança de Satoru Nozaki.
Ao mesmo tempo, a Yamaha, que com um bom mercado de motos trabalhava com modelos de automóveis de pequena produção, encontrava-se em tratativas com a Nissan para fazer algo do mesmo tipo, mas essa desistiu. A Yamaha ofereceu seus serviços para a Toyota, e esta, como era da cultura japonesa de desenvolver a nação e seu povo, e não apenas a si própria, aceitou. Essa cultura é visível em apenas dois exemplos. Nos Estados Unidos há uma fábrica que produz Mazdas e Toyotas, no estado de Mississipi. Outro é o Toyota GR86 e o Subaru BRZ, mesmo projeto, com diferenças sutis para cada marca. Ou seja, trabalha-se junto com o concorrente para crescer.
Assim, a Toyota deu suas diretrizes e começou o trabalho pela análise de veículos do tipo que poderiam ajudar a estabelecer metas, o chamado benchmarking. Avaliaram-se extensamente o Lotus Elan, o MGB, Jaguar E-Type, Triumph TR2 e Porsche 911, que era novinho, tendo sido apresentado em setembro de 1963 no Salão de Frankfurt com a produção iniciada quase um ano depois.
A Yamaha havia feito alguns protótipos antes, o YX30 roadster e cupê, e o A550X para Nissan. Dai veio a confiança em trabalhar com a Toyota.
Foi decidido o motor dianteiro de seis cilindros em linha derivado do usado no Toyota Crown, sedã grande e pesado, tração traseira, suspensões independentes nas quarto rodas, com freios a disco idem, carroceria monobloco mas com uma estrutura de viga central onde motor, câmbio e suspensões seriam localizados, estrutura especifica para acomodar a carroceria de forma integrar ambas.
Sendo um esportivo poderia ter potência e torque em rotações maiores que os de um carro de luxo como o Crown, então sem problemas usar arquitetura de duplo comando de válvulas e 4 válvulas por cilindro, trazendo melhor resultado de potência. Pequeno, apenas de dois litros, mas com três carburadores Weber duplos (já pensando na manutenção conhecida dessa marca italiana de carburadores, tanto na Europa como nos EUA). Não deu certo pois os italianos não conseguiram garantir fornecimento em quantidades e nas datas necessárias, e passou-se a seu usar um Mikuni-Solex, na verdade um Solex feito pela Mikuni do Japão, o maior e mais famoso fabricante de carburadores para carros e motos japoneses.
O Elan era o melhor carro para se dirigir desse lote avaliado, e foi o escolhido para ser batido nesse quesito, o do prazer ao dirigir. O chassis teve a espinha dorsal desenhada bem similar ao Elan, em forma de duplo Y, e a carroceria inferior de chapas dobradas fixadas nessa viga. A chapa, porem, tinha o dobro da espessura da utilizada para a viga do Elan, considerada frágil pelos japoneses. Eram 2,3 mm contra 1,2 mm, denotando a filosofia de durabilidade da marca fundada por Kiichiro Toyoda.
Outras características acertadas foram o acionamento elétrico de abertura e fechamento das tampas dos faróis, já que os sistemas a vácuo de algumas marcas são muito mais propensos a não funcionar direito devido a vazamentos em mangueiras e válvulas, O volante teria ajuste de distância de 60 mm, para conforto do motorista. Para excelente dinâmica, nada de eixo traseiro rígido, mas suspensão independente sim diferencial fixado no chassis e semiárvores reforçadas do caminhão pequeno serie FA. Pelo meio da viga deste chassi (em perfil retangular fechado) passava o cardã que ia do câmbio Toyota de cinco marchas sincronizado (uma raridade então, comum apenas nos Alfa Romeo) até o diferencial traseiro aparafusado ao fim do chassi.
Revelado no Salão de Tóquio de 1965, impressionou muito bem, mais ainda quando jornalistas começaram a dirigi-lo. Potência e torque eram muito bons para 1965, mas pouco para hoje: 150 cv a 6.600 rpm e 18 m·kgf a 5.000 rpm.
A Toyota também avaliou colocar o V-8 desenvolvido para o Toyota 7 de competição (5 litros e 400 cv), mas tudo teria que ser maior e mais pesado para manter a integridade estrutural, e o carro perderia em agilidade, provavelmente teria maior área frontal, com piora em aerodinâmica e consumo, prejudicando o conceito de um grã-turismo, carro para viagens longas .
Atendo-se ao conceito básico, o carro era fantástico para dirigir. Direção perfeita no peso e apenas 2,76 voltas de batente a batente, suspensão com curso longo para um carro baixo, excelente em longos períodos dentro dele.
O carro foi o primeiro japonês com freios a disco nas quatro rodas, Dunlop de pistão simples, empresa que já tinha muita experiência nesse tipo de freio, e nisso a Toyota acertou mais uma vez, buscando quem sabe fazer e não “inventar moda”, como vovó dizia.
Apesar do protótipo mostrado em Tóquio ter rodas raiadas, todos os 2000GT vendidos foram dotados de levíssimas rodas de magnésio de 15 polegadas, com porca central única, e pneus de 165 mm de seção transversal. Hoje em dia são fabricadas réplicas dessas rodas em liga de alumínio para pneus de seção 185 mm.
Sobre o estilo externo, tudo muito bom, exceto pelos faróis fixos dianteiros, mais próximos do centro do carro do que seria harmônico. Interessante detalhe, a linha inferior da porta, em subida, que evita bater em guias, e a soleira baixa, para mais espaço para a passagem dos pés. Há espaço entre as rodas dianteiras e as portas que permitiram formar compartimentos, um lado aloja a bateria, e o outro, um filtro de ar reserva e o reservatório do água do lavador de para-brisa.
Os instrumentos principais são colocados abaixo do plano vertical do painel, para evitar reflexos, uma prática comum hoje, mas rara em 1965. Havia antena de rádio elétrica, o relógio contava com um cronômetro, havia ventilação forçada com direcionamento para pés, torso ou para-brisa, e o acabamento geral tinha qualidade acima de qualquer carro japonês dessa década. Outro detalhe excelente eram as pequenas janelas laterais basculantes, permitindo ventilação positiva, ou seja, havia entrada e saída de ar, uma característica de conforto que resulta em maior segurança, já que o motorista não passa mal com excesso de calor, e evita o embaçamento sob chuva. É o terceiro de tipo de segurança, a preventiva, a que evita que o motorista cometa erros.
Outra decisão interessante foi chegar a uma manopla de câmbio em madeira, sugerida pela Yamaha, que tinha experiência em trabalho fino com esse material natural por meio de sua divisão de instrumentos musicais, o mais comum sendo os pianos! Ideia maravilhosa. Obviamente que a madeira do painel tem autenticidade — nada de plástico com cobertura de adesivo decorado — e também foi feita por essa empresa. Essas madeiras são o mogno e o pau-rosa, que segundo algumas fontes, eram do Brasil.
A produção foi pequena, fazendo deles raridade hoje em dia, principalmente porque a Yamaha ficou contratada para produção, depois do bom trabalho dos protótipos. Ela fez de 1967 a 1970 apenas 337 carros que foram vendidos, além dos protótipos iniciais, dois deles transformados em conversíveis especificamente para um filme do agente 007, You Only Live Twice, de 1967 (“Com 007 só se vive duas vezes” no Brasil) que foi filmado em grande parte no Japão, e estreou antes do carro ser vendido.
Há três carros dourados, um na coleção do museu da Toyota. A maioria foi pintada em vermelho ou branco, mas com algumas outras cores, como o pessoalmente preferido amarelo. Mais interessante ainda foi que os últimos sete exemplares fabricados tinham motor de 2,3 litros, com apenas duas válvulas por cilindro, o exato motor do Crown. Trazia mais potência em rotação mais baixa, para melhor acomodar o trabalho de um câmbio automático e ar-condicionado, este bem-vindo, ao contrário do câmbio que descaracterizava a ideia do carro.
O preço foi problema, era mais caro que o Jaguar E-Type e o Porsche 911, e claramente não havia intenção de fabricar grandes quantidades, já que a Toyota nunca o colocou para ser feito “em casa”.
Em corridas houve bons resultados, como vitória na primeira prova de 1.000 km no circuito de Fuji, e nas provas de 24 horas nessa mesma pista (1966 e 1967, respectivamente), além de ter sido recordista de velocidade em prova de 72 horas de duração, com média acima de 200 km/h, registrando 13 recordes diferentes, todos homologados pela FIA. O impacto foi grande principalmente na Porsche, e um 911 foi preparado para suplantar o 2000GT correndo no oval de Monza, alguns meses depois.
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Com objetivo de mostrar que o 2000GT era capaz de competir e vencer nos EUA, a Toyota contratou Carroll Shelby para 1968, participando do Campeonato para veículos de produção da SCCA (Sports Car Club of America). Foram modificadas três unidades, uma de reserva. Dos dois que participaram das provas um tinha capô vermelho e o outro, azul, numa simples e bela decoração. Conseguiram três vitórias e segundo lugares consecutivos (dobradinhas), mas terminaram em quarto lugar no campeonato.
Entre as modificações, há uma guia da alavanca de câmbio de alumínio, comum nos Ferrari, motor modificado em comando de válvulas e carburação, chegando a 208 cv a 7.200 rpm. Um desses carros foi leiloado em 2022 e alcançou 2,5 milhões de dólares.
Houve um inicio de desenvolvimento de uma versão para provas na Europa, notadamente em Le Mans, com motor central-traseiro. Peter Brock foi o contratado para liderar o projeto, batizado de JP6, para competir no Grupo 6 da FIA. Chegou-se a 70% da construção, mas problemas levaram ao fim do trabalho, havia ainda muito desenvolvimento a ser feito.
Hoje o 2000GT tem alto valor monetário e histórico, e se enquadra tranquilamente entre os grandes clássicos, com estilo, mecânica e tecnologia de projeto e fabricação notáveis para a época em que surgiu.
JJ