Vocês já imaginaram um carro com 2.290 mm de comprimento, por 1.370 mm de largura, entre-eixos de 1.500 mm. que tem uma porta única na frente? Pois essa é a descrição básica do primeiro carro brasileiro. Explico! Já se montavam carros no Brasil com componentes importados, como Ford a partir de 1919 e General Motors, de 1925 Pois bem, o Romi-Isetta é considerado o primeiro automóvel brasileiro, pois foi lançado em 5 de setembro de 1956, 75 dias antes de a Vemag lançar a camioneta DKW Universal. Portanto, o Romi-Isetta foi lançado há 68 anos, com um índice de nacionalização de 72% em peso. Ou seja, já era quase que totalmente produzido em solo nacional.
Era fabricado em Santa Bárbara d’Oeste, interior do estado de São Paulo. O pequeno carro revela uma verdadeira epopeia antes do seu surgimento, que foi cumprida em tempo recorde: desde o acerto com os italianos do projeto original até a apresentação da primeira unidade fabricada em terras brasileiras, foram apenas 11 meses. Um tempo curtíssimo para o desenvolvimento e lançamento de um novo produto que saía das pranchetas, especialmente nos idos dos anos 1950!
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O processo teve início quando Carlos Chiti e seu sócio (e padrasto) Américo Emílio Romi, então responsáveis pela indústria de máquinas e tratores Romi, viram reportagem numa revista italiana falando das maravilhas de um carro concebido pela Iso, indústria daquele país que se dedicava, entre outras coisas, à produção de veículos e motos. O carro, projetado pelo engenheiro aeronáutico Ermenegildo Pretti e seu assistente Pierluigi Raggi, era pequeno, de dois lugares, cujos conceitos básicos estavam na aeronáutica.
A forma inicial de gota da carroceria mostrava claramente uma intenção aerodinâmica, e a porta única, que abria totalmente a frente do carro, remetia à porta dos aviões cargueiros. Claro que a grande área envidraçada e os vidros rentes à carroceria também eram referências às aeronaves. Foi a primeira vez que se viu essa solução num carro de produção local, que só se repetiria no Chevrolet Omega em 1992.
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O Iso Isetta foi lançado em novembro de 1953 no Salão de Turim, na Itália, mas Carlos e Emílio o conheceram algum tempo depois, imaginando que aquela proposta seria ideal para as condições do Brasil na época. Por isso, em junho de 1955 os dois viajaram à Itália com a missão de ver de perto o carro e falar pessoalmente com o fundador e proprietário da Iso Autoveicoli, Renzo Rivolta. A Iso, para se ter uma ideia, era uma das maiores fabricantes de motocicletas da Europa, chegando inclusive a produzir um grã-turismo, o Iso Rivolta. Depois de todos os acertos comerciais, nos quais a indústria brasileira Romi deveria pagar royalty de 3% sobre cada carro vendido para a Iso, negócio fechado!
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A marca italiana garantia a cessão do projeto do Isetta aos brasileiros, bem como uma assistência de sua engenharia no futuro modelo nacional. A Romi logo ergueu um galpão de 25 mil m² no interior de São Paulo, onde todo o processo de produção do Romi-Isetta ocorreu. O nome, claro, vem da junção das duas empresas (Isetta é diminutivo de Iso, pequeno Iso). A montagem e pintura do pequeno veículo era terceirizada, feitos por uma outra empresa, Tecnogeral, enquanto a Romi se encarregava de acoplar a mecânica e os periféricos ao carro (bancos, volante, faróis, janelas, frisos e afins). A construção do Romi-Isetta era separada, isto é, carroceria sobre chassi, que era tubular.
Com uma proposta de fazer até 25 km/l de gasolina, o Romi-Isetta tinha um motor de dois tempos de dois cilindros complementares (um admitia q mistura ar-combustível, outro expulsava os gases queimados) de 236 cm³ e 9,5 cv, acoplado a um câmbio de quatro marchas, conjunto muito semelhante ao que movia motocicletas Iso. A partida do motor era elétrica por motor que alternava para a função de dínamo (Dynastart). Como o motor era traseiro e arrefecido a ar, ele necessitava de uma turbina para forçar o ar de arrefecimento captado pela lateral traseira no lado direito.
Não havia diferencial, o que explicava a bitola traseira bem estreita (480 mm) comparada à bitola dianteira de 1.200 mm, com as duas rodas traseiras quase juntas. Com esse conjunto, o Romi-Isetta atingia 85 km/h de velocidade máxima, suficiente para as vias brasileiras da época. Era obviamente lento de aceleração, demorava 50 segundos para chegar a 70 km/h, apesar de leve, 350 kg.
As rodas eram de 10 polegadas com pneus 4.50-10; e os aros eram de duas partes no plano vertical, unidas por prisioneiros e porcas, portanto desmontáveis como nos scooters Lambretta e Vespa.
Tinha como grandes novidades o teto solar de série, o limpador de para-brisa elétrico (e não a vácuo), enquanto seu sistema elétrico já era de 12 volts, ao contrário dos 6 volts da maior parte dos automóveis dos anos 1950. E no projeto original, a Iso pensava na segurança dos passageiros nos desembarques: bastava parar de frente para a calçada e descer mais facilmente.
Como pode ser visto, o pequeno carro inovava em vários itens, apesar da proposta urbana e simplista. Mas, também no evento de lançamento, aquele realizado em setembro de 1956, houve um rebuliço nunca antes visto no meio automobilístico brasileiro: já com a primeira concessionária inaugurada no centro de São Paulo, as primeiras 16 unidades do Romi-Isetta foram desfilar juntas pela capital para que todos vissem o mais novo produto da nossa indústria. O passeio foi até o Palácio do Governo Estadual, onde o então governador Jânio Quadros e sua esposa puderam conhecer e desfrutar do primeiro carro da nossa indústria.
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O novo Isetta, pelo seu charme, logo virou sonho de consumo da classe média brasileira. Artistas e pessoas famosas eram vistos com frequência ao seu volante. Nos eventos de lançamento pelo país, incluindo uma caravana de 40 carros que fizeram um bate e volta de São Paulo ao Rio de Janeiro, também estavam presentes grandes nomes da época, como Eva Wilma, Dercy Gonçalves, Anselmo Duarte, e até Pelé chegou a ganhar um após a Copa do Mundo de 1958, quando foi campeão do mundo. Ainda assim, a Romi pretendia emplacá-lo como um segundo carro da família brasileira, sendo o automóvel nacional mais em conta da época.
Depois da estreia em 1956, ao longo de 1957 e 1958 o modelo passou por vários ajustes e melhorias: ganhou faróis maiores, nova calibração das suspensões, alguns itens extras como facho alto dos faróis, discretas mudanças na carroceria, como janelas maiores, e outras. Porém, a principal alteração técnica veio mesmo em 1959, quando o motor de dois tempos e 9,5 cv da Iso italiana foi substituído, juntamente com o câmbio, por um trem de força alemão BMW. O novo motor era de quatro tempos, apesar de monocilíndrico, 298 cm³ e 13 cv, o que garantia maior desempenho.
Só que, infelizmente, em 13 de abril 1961, o Romi-Isetta saiu de linha Antes disso, foi formado um grande estoque de carros para que as vendas seguissem até o final daquele ano, o que se cumpriu: o último foi comercializado no começo de dezembro. Como a capacidade produtiva da fábrica de Santa Bárbara d’Oeste era bem limitada, poucos Isettas foram feitos lá: menos de 5.000 unidades em quase cinco anos. Esse fato não tira o brilho de o pequeno carro ter sido o primeiro automóvel brasileiro. Tudo graças ao empreendedorismo de Américo Emílio Romi e Carlos Chiti!
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.