Justamente quando o câmbio manual atinge um nível de desenvolvimento e excelência que se pode considerá-lo perfeito, ele mostra estar num viés de queda. Acho isso muito estranho. Será mesmo que os câmbios automáticos têm tamanha preferência e está levando fabricantes a eliminar o manual suas linhas de produtos?
Para mim é muito estranho, uma anomalia até, fabricantes que ainda o oferecem o destine a versões de menor preço e despojadas apenas, obrigando quem quer versões mais equipadas e luxuosas a se sujeitar a um câmbio que não querem.. Exemplo típico de a isca agradar ao pescador em vez de ao peixe.
Quando o Ford Galaxie chegou ao Brasil em 1967 tinha exclusivamente câmbio manual de três marchas com a alavanca na coluna. de direção, e mesmo assim foi um grande sucesso, agradou em cheio. O mesmo ocorreu com o Chevrolet Opala no ano seguinte, tanto o de quatro quanto o de 6 cilindros. Nas duas marcas o câmbio automático veio depois.
Em 1973 dirigi um Galaxie manual a Buenos Aires, ida e voltei. Andei muito com ele no trânsito carregado da capitel portenha sem nenhum cansaço ou incômodo. Nas últimas semanas rodei em São Paulo com carros de câmbio manual — Renault Kardian Evolution (foto de abertura) e Citroën C3 Feel — em meio ao trânsito pesado constante com total facilidade, tanto pela carga extremamente leve do pedal de embreagem, quanto pelo manuseio preciso e leve da alavanca de câmbio.
Deixou se ser penosos passar marchas Sem contar que com o cada vez mais comum assistente de partida em aclives acabou o terror para iniciantes ao volante e até mesmo para muitos experientes arrancar em subidas. E até a eventual dificuldade de engatar ré desaparece com a ré sincronizada, como no Kardian manual. A clássica “arranhada” quando feita mais rapidamente passou à História..
Finalmente, mesmo motoristas neófitos fazem reduções de marcha como se fossem os mais exímios pilotos se o câmbio tiver a aceleração interina automática, solução nada cara demais hoje graças à eletrônica comandando a aceleração, para reduções sem o menor tranco.
Tudo somado e considerado, não existe nenhuma dificuldade para dirigir um carro com câmbio manual, e apesar disso ele está em declínio, se não total, pelo menos parcial. Por que isso?
Tenho dito que que ter carro com câmbio automático se tornou emocional em vez de racional. Confere a sensação de sucesso pessoal, tipo “a classe média chegou ao Paraíso”. Muitos leitores devem se lembrar do fato de um leitor e amigo ao ir a uma concessionária Volkswagen para comprar um Jetta GLI, e desejar câmbio manual, saber surpreso, pelo vendedor que Jetta só havia com câmbio automático, complementado por “o sr. se sujeitaria a passar marchas num Jetta?”. Olha o status aí…
Não tenho nada contra câmbio automático, apenas prefiro manual. Conheci câmbio automático aos dez anos de idade quando meu pai comprou um Oldsmobile 88 1950 com câmbio Hydramatic de quatro marchas. Em 1953 meu pai comprou um VW 1953 de janela traseira oval e minha mãe dispensou o Oldsmobile, passando a ser “dona” do Fusca, que nem primeira sincronizada tinha.
E tem o lado racional. Câmbios manuais são mais simples e baratos do que câmbios automáticos. A possibilidade de defeitos ao longo da vida do veículo é muto menor e eventuais reparações custam uma fração em relação aos automáticos. Muitas concessionárias não reparam câmbio automático, mandam-nos para a fabricante do veículo.
Com os câmbios manuais o único reparo nem nele é, mas na embreagem, cujo material de atrito se desgasta como o material de atrito dos freios. É suficiente trocar o disco de embreagem na maior parte dos casos.
Quem compra um usado com câmbio automático não tem certeza se o câmbio está perfeito ou se durará muito, dúvida inexistente quando o câmbio é manual.
Está mais do que na hora de os fabricantes daqui repensarem seu mix na questão do tipo de câmbio em toda sua gama.
BS
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