O senhor Flávio Figueiredo Assis (foto de abertura/divulgação), que tornou-se milionário no negócio de cartões de crédito especializados, vendeu sua empresa (a Lecard) e criou outra, sem o “d”, para realizar o sonho de fabricar seu próprio automóvel. Estava criada a Lecar. Que até poderia se viabilizar caso o sr. Flavio fosse produzir um jipe, bugue, ou esportivo. Algum modelo de nicho que não interessa às grandes fábricas nem exige bilhões de dólares de investimento. Mas ele sonha mais alto, anuncia o “primeiro carro elétrico nacional’, intitula-se o “Elon Musk Brasileiro”, vai instalar fábrica no Rio Grande do Sul, mandar o Lecar 459 em fevereiro (de 2024) para homologação em Londres, iniciar as vendas neste mês de dezembro pelo preço de R$ 279 mil e atingir a produção de 50 mil unidades anuais. Neste meio tempo, candidata-se a concorrer com a BYD na compra da fábrica que a Ford fechou em Camaçari, na Bahia. De Caxias do Sul, mudou a sua para o Espirito Santo. Agora, ao perceber as dificuldades para instalar uma fábrica, anuncia que as “primeiras unidades” serão produzidas na China, para “acelerar o projeto”. Não satisfeito, o sr. Flávio insiste nas inverdades e anuncia que vai receber recursos de R$ 3 bilhões do governo.
As inverdades, uma por uma
- Ao contrário de Elon Musk, que tem dinheiro para montar quantas fábricas de automóveis quiser, e confessou que recorreria ao lançamento de ações (IPO) para angariar recursos necessários para seu projeto;
- Ninguém homologa um carro, testa os protótipos e monta uma rede de concessionários em dez meses;
- Logo descobriu que não iria longe com um elétrico e mudou para híbrido. E, teve seu preço reduzido à metade: R$ 143 mil.
- A fábrica não será (ou seria…) mais em Caxias do Sul, RS, nem no Espirito Santo: os carros serão produzidos por alguma fabriqueta chinesa;
- Leva seu projeto ao vice-presidente Geraldo Alckmin para anunciar que só um sedã é pouco e, assim como Elon Musk, vai produzir também uma picape. Que não será Cybertruck como a de seu “xará”, mas CyberCampo…
- O governo da Bahia, consultado, informa que a empresa Lecar não tinha protocolado a documentação mínima exigida para participar da licitação e bateu o martelo da fábrica da Ford para a chinesa BYD.
- Vai receber R$ 3 bilhões do governo? Uma notÍcia espantosa, se fosse verdadeira: não virá sequer um centavo dos cofres públicos. Num habilidoso jogo de palavras, o que o sr. Assis obteve foi a habilitação da Lecar ao programa governamental de mobilidade verde, chamado Mover. Mas, e os R$ 3 bilhões? Ah! São seus cálculos do montante de tributos que sua fábrica deixaria de recolher aos cofres públicos quando estiver em plena operação. Se entrar mesmo em operação, se produzir mesmo no Brasil (e não na China) e se forem mesmo produzidas e faturadas as dezenas de milhares de unidades anuais anunciadas. A Lecar teria então uma isenção de parte dos impostos (IPI, Pis/Pasep,Cofins) devidos.
O que o sr. Flavio Figueiredo Assis faz com enorme competência é divulgar cada passo que dá e se aproveitar do interesse de jornalistas (mal informados) que abrem espaço em seus canais para prestigiar uma empresa brasileira como player no mercado automobilístico. Não imaginam a complexidade e o volume de recursos exigidos para se construir e colocar para funcionar uma fábrica de automóveis com capacidade que chegaria a 50 mil unidades anuais em cinco anos. Se conhecessem melhor a história da indústria automobilística brasileira, saberiam de vários outros empresários com o mesmo sonho de produzir o próprio carro: a IBAP na década de 60 que produziu 5 (cinco) unidades do Democrata, a “Obvio!” que lançou o compacto 828 em 2001 e ainda tenta produzir caminhões elétricos até hoje. A Bravo Motors de um empresário argentino que promete veículos elétricos há anos, desde que consiga R$ 25 bi de investidores.
Reserva, um caso de policia
Mas teve também a “cereja do bolo”: enquanto o sr. Assis estiver apenas ganhando espaço gratuito na mídia ao convencer a imprensa de que vai produzir seus automóveis, só se perde espaço e credibilidade. Mas sua audácia levou-o além: anunciou a pré-venda com sinal de R$ 1.300,00 para os interessados em reservar carros do lote inicial de 1.000 unidades, para entrega em 2026. Esqueceu-se de combinar esta mentira com seu diretor de marketing que afirmou terem surgido apenas 27 interessados. Mas Flávio anunciou que “devido ao sucesso do plano”, está lançando o segundo lote de outras 1.000 unidades. Aí, a mentira que não prejudicaria ninguém vira caso de policia e o Ministério Público já está investigando o caso.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman”” é de exclusiva responsabilidade do seu autor
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