Em vista das inúmeras perguntas dos leitores assim que publicamos a matéria, no dia 2 último, sobre o aumento da porcentagem de álcool na gasolina de 25% para 27%, vimo-nos no dever de procurar esclarecer este grave assunto coletivamente, uma vez seria inviável responder um a um.
1. Com o acordo celebrado entre a Unica e a Anfavea, a gasolina passa a conter 27% de álcool anidro a partir de 16 de fevereiro p.v. Mas a gasolina premium (subtende-se também a Podium, da Petrobrás) permanece com o teor de álcool vigente, 25%, pois não foram concluídos testes, pela indústria automobilística, da gasolina E27 (maneira de grafar tecnicamente gasolina com 27% de álcool; “E” é de etanol).
2. Isso significa que toda gasolina comum e comum aditivada, esta a Petrobrás Grid e a Shell V-Power Nitro+, terá 27% de álcool.
3. Os motores a gasolina não foram calibrados para tal teor de álcool e nada indica que os microprocessadores tenham capacidade de processamento para mais de 25% de álcool para chegar uma mistura ar-combustível ideal.
4. Este porcentual de 25% já era o que se chama popularmente de “forçar a barra”, uma vez que todos os motores são calibrados para gasolina com 22% de álcool (E22). Ao não haver capacidade para acertar a mistura ar-combustível como seria necessário, isso se traduz na mistura ficar pobre, o que acarretará redução de potência e possivelmente hesitações sob aceleração.
5. Não há certeza de que os motores a gasolina — leia-se elastômeros diversos e peça metálicas em contato com o combustível, inclusive a bomba — sejam capazes de resistir ao maior ataque químico resultante de mais álcool na gasolina, exceto possivelmente, os fabricados no Brasil a partir de 2003, quando surgiu o motor flex. Antes de 2003, com certeza não.
6. Utilizar gasolina comum ou comum aditivada, a E27, em motores anteriores a 2003, é um risco. Nos importados, pode-se esperar problemas. Tanto é assim que a Anfavea recomenda abastecer esse motores com gasolina premium (E25). Note que a Anfavea nem excluiu os motores nacionais da era flex, como o Ae aventou.
7. O grande problema é a dificuldade de encontrar a gasolina premium, como se fosse uma espécie em extinção. Resta a Podium, exclusiva da Petrobrás, mas que também não facilmente encontrável.
8. Quanto mais antigo o veículo, pior o efeito da gasolina com mais álcool. Por exemplo, os fabricados do começo de 1980 até setembro de 1996 eram calibrados para gasolina E10. Com a E25 já não funcionavam bem, sendo necessário recalibrar carburadores e alterar a curva da avanço.
9. Vale lembrar que o comportamento das misturas de combustíveis (blend) não é linear. Isso significa que os 2% mais de álcool (de E25 para E27) pode ser mais nocivo para o funcionamento do motor do que se imagina.
10. Nos motores a gasolina fabricados nos países de vanguarda é possível utilizar gasolina com até 10% de álcool (E10), informação que consta dos manuais de proprietário. Há coisa de um ano começou a ser vendida nos EUA a gasolina E15 (com 15% de álcool), o que levou vários fabricantes a avisar que qualquer problema resultante do uso de E15 não teria cobertura de garantia. Portanto, trata-se de assunto dos mais sérios.
11. Facilita aos consumidores americanos as bombas nos postos indicarem o porcentual de álcool (E10, E15 etc.). Aliás, existe nos EUA gasolinas E20 e E30 para os motores flex de lá.
12. Na Alemanha existe gasolina Super Plus com 5% ou 10% de etanol.
13. Por enquanto, o que o dono de carro a gasolina precisa fazer é aguardar a sanção presidencial da lei que autoriza a nova porcentagem de álcool. Pode ser que com a exoneração da presidente da Petrobrás, Graça Foster, ocorrida hoje (demorou!), a presidente da República, entre esse turbilhão de fatos, não o faça nos próximos dias.
14. Ao Ae soa possível qualquer cidadão partir para a via judicial no sentido de lhe assegurar o direito de usar gasolina adequada para seu carro sem precisar pagar por um combustível mais caro. Base para isso existe: as informações dos fabricantes, inclusive nos manuais de proprietário, de que o motor do veículo foi produzido para funcionar com gasolina comum.
15. Reiterando o que disse na matéria de 2 de fevereiro, o Ae classifica de deplorável a atitude da Anfavea de celebrar acordo com os produtores de álcool, quando deveria ir na direção contrária, repudiar a mistura E27, até recorrendo ao poder judiciário para sustá-la.
16. Os carros flex não terão absolutamente nenhum problema de funcionamento ao usar E27 em vez de E25, uma vez que podem chegar a E100 (só álcool no tanque). Apenas o consumo aumentará.
17. Em má situação, pior do que hoje, ficarão os carros estrangeiros a gasolina que atravessarem nossas fronteiras, pois são calibrados para até E10. Como eu já disse em outras oportunidades, o Mercosul é uma piada de mau gosto.
Notou o leitor que se o Brasil não tivesse se lançado, em novembro de 1975, no governo Ernesto Geisel, a essa loucura chamada álcool para combustível de motores ciclo Otto, esse e qualquer outro problema a isso associado simplesmente não existiriam? Olhe só no que fomos nos meter, e a troco de nada.
BS