O primeiro carro que dirigi foi um Jeep 1957. Até hoje tenho saudade daquele carro espartano e cheirando a gasolina.
Meu pai havia comprado o carro para servir de transporte até uma pequena fazenda que ele havia adquirido com o intuito de criar gado leiteiro. Não lembro a origem do carro, mas sei que meu pai se esmerou em reformá-lo quase por inteiro. Recordo, por exemplo, da entrega em casa de uma caixa de marchas nova vinda de São Paulo em substituição a antiga que já arranhava em todas as marchas.
Porém, o evento mais marcante na manutenção desse ícone da indústria automobilística foi o serviço completo de motor que fizemos no porão de nossa casa. Retiramos o motor do carro, abrimos e trocamos toda a parte de força. Tudo isso foi feito praticamente por meu primo Zito Veras. Ele trabalhava como chefe de manutenção de máquinas pesadas em uma fábrica de cimento da cidade, o que lhe credenciava como chefe da nossa equipe de “técnicos”. Aquela foi minha pós-graduação juvenil em mecânica automobilística. Era ter uma unidade do Sesi no porão!
Ainda criança, meu passatempo predileto era sentar ao volante do carro que ficava estacionado à porta de casa e simular que estava dirigindo. Acho que com isso fui aprendendo a fazer os movimentos de troca de marchas naquele câmbio duro.
Finalmente meu pai resolveu que eu deveria aprender a dirigir. Eu devia ter uns 14 anos, mas isso era comum nas pequenas cidades do interior do país, sem nenhum órgão de controle do trânsito ou coisa semelhante. Além do mais, naquela época, o movimento de carros era pequeno. Imagino que em áreas mais remotas isso ainda deve acontecer.
Eu mal conseguia chegar aos pedais do carro. Para complicar, não havia regulagem do banco nem nada. Para frear, por exemplo, o único recurso era se esticar ao máximo até alcançar o final do curso do pedal. Além disso, o acionamento dos freios nem sempre era efetivo na primeira pisada, era necessário “bombear” o pedal para que o carro parasse.
Então fui me acostumando com aquele jeito peculiar de dirigir e com o comportamento daquele trator travestido de carro.
Por mais que meu pai se esforçasse para mantê-lo em ordem, sempre havia algo com problema. A tal caixa de mudanças novinha continuamente escapava marchas. Explico: com exceção da ré e primeira, todas as vezes que se tirava o pé do acelerador, numa descida, por exemplo, a caixa pulava para ponto-morto. Não havia gênio no mundo da mecânica que resolvesse esse problema.
Outra coisa crônica era a falta repentina de freios. Lá ia você todo monarca pela estrada e quando precisava diminuir a velocidade por algum motivo: somente o vazio! O pedal descia até o assoalho. A sorte é que o carro não desenvolvia grandes velocidades e quase sempre estávamos trafegando em uma estrada rural ou mesmo no trânsito tranqüilo da cidade. Como o Jeep tem uma relação de marcha bem curta ao se tirar o pé do acelerador ele já ia matando a velocidade, ai bastava engatar a marcha mais abaixo e aguardar a velocidade ir diminuindo e a cerca à sua frente agüentar o tranco…e bum, o carro parava num mourão de cerca. Aquele pára-choque delicado quase ficava arranhado, mas tudo bem, engatava-se a ré e voltávamos ao trabalho.
O carro foi meu companheiro nas manhãs frias do inverno em que eu tinha que sair cedo de casa para ir buscar o leite na fazenda antes de ir para a escola. A estrada até lá era ao longo de uma serra por aproximadamente 12 quilômetros. Quase sempre havia um pouco de neblina e a estrada de terra era bastante escorregadia nessas condições, o que era uma diversão para mim! Entrar nas curvas em velocidade e sair escorregando era impagável. Além disso, os riachos enchiam e passar por eles era outra diversão.
Outro dia vi um Jeep, semelhante ao que tivemos, parado em frente a uma casa de material de construção na qual eu estava fazendo compras. Era da mesma cor do que tivemos. Puxei a pequena cortina que faz às vezes de vidro das janelas e olhei para dentro. O dono estava próximo e disse que eu podia entrar no carro. Entrei e me transportei no tempo. Minhas mãos estavam acostumadas a todos aqueles movimentos ali dentro. Interessante, descobri que temos memória dos movimentos. Caramba! O cheiro também era o mesmo, que viagem!
ooooo