Lançar um olhar hoje sobre o design automobilístico é motivo de frustração, pelo menos para mim. Opinião sobre Design é sempre algo muito particular, OK. Mas não vejo mais propostas autorais. Tudo parece pertencer à mesma escola, exceção feita a alguns raros detalhes ainda dignos de assinatura de marca: os para-lamas dianteiros abaulados da linha Porsche, o double kidney grille (grade “duplo rim” da BMW), ou a single frame (grade única) da Audi. Ou a grade que representa o cuore sportivo da Alfa Romeo.
Note: são nuances e detalhes estéticos. Um carro surpreendente, de para-choque a para-choque, faz tempo que não vejo.
Mesmo não sendo muito afeito aos modelos do pré-guerra, os carros da Duesenberg, marca americana de um século atrás, me encantam, bem como um ou outro Lancia, os Auburn e, talvez o mais bonito deles, o Alfa Romeo 8C 2900. Dos anos 50 para cá já é mais fácil de ficar entusiasmado. Quando vi o Mercedes-Benz 300 SL “Asa de Gaivota” pela primeira vez, ah, isso era algo digno de um “uau!”. Tem 911 na minha lista, lógico. Tem Ferrari Dino, tem Lamborghini Miura, Jaguar XJ220. Tem Alfa 156 (a camioneta). Gosto também muito dos modelos de Giugiaro (VW Passat e Scirocco, Fiat Uno, Maserati 3200GT).
Confesso que raramente, sobretudo de uns 30 anos para cá, consigo repetir o “uau!” quando algo novo é lançado. Falta a questão da personalidade no design. Mesmo os superesportivos têm sido desenhados com o punhal da eficiência aerodinâmica na garganta do designer. Podem ser funcionais. Mas são sem graça. E todos muito parecidos. Olhar esses hyper cars de ¾ de traseira, e não confundi-los, é tarefa das mais difíceis.
Quando você olha para o segmento de médios no Brasil, no final dos 70 e início dos 80, a Ford tinha o Corcel II (e o Del Rey). A Volkswagen oferecia o Passat. A GM estreava o Monza. Gente, você pode gostar de um e repelir os outros, como é o meu caso. Pode até desgostar de todos. Mas há de concordar que eram opções completamente diferentes entre si: um sedã, um fastback e um hatchback. Não vejo mais essa variedade.
Os melhores na opinião dos experts
Recentemente esbarrei com um curioso artigo produzido pelo site/revista americano Car and Driver. Eles selecionaram um time internacional de chefes de Design de fabricantes (BMW, Toyota, GM, Fisker, Stellantis, Kia e outras tantas) e lhes impuseram a missão de apontar os dez carros mais icônicos da história sob o ponto de vista do design: Lamborghini Miura, Ferrari 250 GTO e Dino 246 GT, Porsche 911, o próprio Alfa Romeo 8C 2900. Alguns dos quais já pertenciam à minha lista. O próprio vencedor, modelo mais votado pelos 22 designers, não chegou a ser uma surpresa: Jaguar E-Type Coupé.
O que mais chamou minha atenção, no entanto, foi que o carro mais recente apontado pelos chefões mundiais do Design foi projetado no início dos anos 70: Lamborghini Countach, lançado em 1974 e idealizado, portanto, um ou dois anos antes. Isso é preocupante: há mais de cinco décadas não é lançada nenhuma ideia “genial” no mundo do automóvel??
A propósito: conforme queríamos demonstrar desde o início do texto.
Por isso é que a Cybertruck apareceu tanto
Seria essa carência de grandes ideias/projetos/carros deslumbrantes que leva todo o universo automobilístico do planeta a acalentar aquela picape horrorosa do Elon Musk? Diferente, ela é. Não consigo enxergar nada de bonito naquilo ali, só estranho. Bem estranho. Mas compreendo o porquê que a Tesla Cybertruck (foto de abertura) provoca todo esse furor: parece que estamos consumindo carros cada vez mais parecidos e, portanto, com menor personalidade. E ela não é parecida com nada — neste caso, ainda bem.
Conversei por esses dias com um jornalista automobilístico que acabara de chegar do Salão do Pequim. Ele foi taxativo: os carros chineses estão cada vez mais parecidos com os ocidentais. E não porque continuem sendo cópias, como antigamente. Eles simplesmente… ficaram parecidos.
Arrisco dizer que a escassez das ideias geniais, a despeito de você contar hoje com recursos muito mais tecnológicos na hora de definir o design de novos modelos, é causado, dentre outros fenômenos, pela “SUVização” do mercado mundial. Antigamente, você tinha centenas de opções de sedãs, cupês, wagons, picapes, hatches, fastbacks, roadsters, cabrios… Hoje? Um batalhão de suves e um punhadinho de hatches, sedãs e picapes. E ponto.
Mas também a causa não é só essa.
É o tal medo de errar
Com a expansão de marcas orientais mundo afora nas últimas décadas (primeiro as japonesas, depois as sul-coreanas e, em breve, as chinesas), o mercado mundial não cresceu em volume de vendas e permanece estacionado nas 90 e poucas milhões de unidades há um bocado de tempo. O bolo é o mesmo, só que dividido em mais fatias. Sabe o que isso provoca? Medo de errar! Lançar um projeto ousado, hoje em dia, pode custar caro, à medida que a chance de o público não gostar é teoricamente maior.
Claro que você encontra, na memória, carros muito bonitos e que mudaram a história de suas respectivas fabricantes nessas últimas décadas. Mas, geralmente, eles nascem de marcas de nicho, que se arriscam um pouco mais. Dois exemplos me ocorrem: o BMW Série 3 E36, do início dos anos 90, e o Range Rover Evoque, que estreou em 2011.
Esse fenômeno alastrou-se por todo o mundo. Dizem, e eu concordo, que a VW do Brasil, por exemplo, que possui uma riquíssima história no Design, trabalhando sozinha ou em parceria com a Alemanha, atingiu seu ápice criativo com o SP2, feito no início dos anos 70. Nunca mais ela fez algo tão “bonito”.
Se eu pensar em Fiat, outra marca de extrema representatividade para os brasileiros, serei obrigado a apontar o Uno como o projeto mais surpreendente à sua época (1983, na Europa, um ano depois no Brasil). Nada rompeu tantos paradigmas, ou foi tão “brilhante” à sua época, desde então.
A mesmice foi tão padronizada que, hoje, até o feio se destaca, caso da Cybertruck. O que você acha? Você se lembra de algum carro que tenha mudado o seu segmento ou revolucionado a própria fabricante a partir de seu lançamento? Comente. O legal de falar de Design Automobilístico é que todo mundo opina.
EP
A coluna “Acelerando ideias” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.