Sim, é fato que existe a “indústria da multa”. Em muitas cidades, as prefeituras usam e abusam dos “pardais”, os radares de velocidade. E tão confiantes nesta fonte de recursos que chegam a incluir no orçamento anual a previsão de faturamento gerado por estes equipamentos. É um contrassenso: a rigor, a prefeitura torce para que os motoristas cometam maior volume de infrações…
O novo prefeito de Marilia, Vinicius Camarinha (PSDB-SP), protagonizou em janeiro um espetáculo cênico que viralizou nas redes sociais: munido de um alicate, cortou os cabos que alimentavam os 18 radares da cidade (foto de abertura). Ele alegou estar eliminando a “indústria da multa” e que o dinheiro gasto com os radares será aplicado em ações educativas: “Os radares não educam, apenas penalizam o trabalhador. Tenho certeza que o povo de Marilia vai colaborar”.
Mas está comprovado que o controle de velocidade deve existir, ou as cidades se transformariam em autódromos. Há sempre que se distinguir entre os radares instalados como “pegadinhas” para flagrar motoristas desprevenidos e os localizados em locais determinados por estudos técnicos bem fundamentados.
Eliminar radares não passa de medida populista, pois faz a alegria dos motoristas: todos se revoltam ao receber a notificação, seguida de multa e pontos no prontuário. E aplaudem qualquer medida para abrandar a repressão e reduzir a possibilidade de serem punidos. É quase inacreditável, mas apareceu recentemente no YouTube um vídeo que exibia uma estrada de uma única pista e um carro ultrapassando num trecho de faixa contínua. No acostamento, um policial anotando a placa do infrator. O youtuber revoltado com a cena e criticando esta ação de “pura repressão e que não leva a nada”…
Questão de ponto de vista: seria essa também a reação dos familiares dos mais de 40 mil mortos anualmente no Brasil em acidentes rodoviários?
Na Alemanha, a 250 km/h
Um dos argumentos contra o limite de velocidade é citar a Alemanha como exemplo: dirigir lá traz a emoção de se estar a 200 km/h e ainda ser ultrapassado, pois os fabricantes chegaram a um consenso de limitar a máxima em 250 km/h. Exceto os esportivos que podem rodar a qualquer velocidade. É o único país europeu a não estabelecer limites na maioria dos trechos das “autobahnen”. Uma decisão que nunca foi unanimidade e sempre se discutiu o assunto no Parlamento. Recentemente foram colocadas placas de velocidade em alguns setores das autoestradas e as estatísticas registraram neles uma redução de acidentes, principalmente os que resultam em feridos graves ou mortes. Mas as tentativas de impor limites incomodam o sentimento de liberdade do motorista e uma das mais poderosas indústrias do país, a automobilística.
Na década de 70, com as crises mundiais do petróleo de 1973 e 1979, limites foram estabelecidos nas vias urbanas das cidades alemãs com o propósito de reduzir o consumo de gasolina. As autoridades de trânsito de vários outros países europeus estabeleceram em 30 km/h (cerca de 20 milhas/hora) a velocidade máxima nas cidades.
País de Gales, o mais rígido
O Pais de Gales (que pertence ao Reino Unido) foi um dos pioneiros nesta decisão e estabeleceu em setembro de 2023 um limite mais rígido nas ruas e avenidas: 20 milhas por hora. E a mesma restrição também nos trechos de rodovias em zonas urbanas. Os outros limites: 96 km/h nas estradas de pista simples e 112 km/h nas rodovias de duas pistas. Nos outros países do Reino Unido, os mesmos limites nas rodovias, mas de 48 km/h (30 milhas/hora) no trânsito urbano.
O governo enfrentou pesadas críticas de seus cidadãos: com uma população de cerca de 3 milhões de habitantes, um abaixo-assinado com 470 mil assinaturas foi enviado ao Parlamento protestando contra a medida. Mas, apesar dos protestos, os resultados foram surpreendentes: as estatísticas revelaram que, com o novo limite de 32 km/h (20 milhas/hora), o numero de mortes foi reduzido em 35%, ferimentos graves em 14,2% e ferimentos leves em 31%. O governo destacou que a alteração do limite resultou numa economia de perto de 100 milhões de libras (R$ 750 milhões) em despesas hospitalares e outras. Além disso, também a redução do consumo de combustível, de emissões e maior segurança para pedestres e ciclistas.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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