Esta é a história de uma bela amizade que deve ter continuado em outro plano, já que os dois nos deixaram há cerca de 10 anos. Seus nomes estão colocados no alfabeto por uma distância muito grande, mas Antônio e Wilson eram inseparáveis e tinham lá as mesmas manias e costumes.
Antônio, por exemplo, exigia que a mais simples das camisetas (antigamente eram aquelas entregues aos jornalistas para usar durante eventos de lançamentos) tivesse bolso. Wilson seguia essa exigência. Justificavam que era para colocar a caneta, mania que também tinha Gilberto Gardesani, outro jornalista da velha guarda, editor do Jornauto.
Na questão alimento, ambos concordavam em pedir sempre filé com fritas. Por ocasião da pré-inauguração, em 1993, do Bourbon Street (para mim a melhor casa de blues e jazz de São Paulo), nós da imprensa da GM sabíamos que Antônio e Wilson iam pedir o seu prato preferido.
Acontece que o bufê contratado (a cozinha da casa ainda não funcionava) não poderia atender. Sabendo disso, fui a um botequim na esquina mais próxima e perguntei se eles faziam filé com fritas.
— Bife com fritas a gente faz. Filé, não!
Então combinei com o dono que no sábado eu mandaria para ele meia dúzia de belos filés que ele prepararia junto com as fritas, pedindo que as preparasse num óleo de primeira e virgem. Avisaria momentos antes para que chegassem, ainda quentes, no Bourbon. Ainda bem que mandei seis filés, pois havia esquecido que Walter Boor, jornalista gaúcho, também pediria filé com fritas. Os três foram estrategicamente colocados na mesma mesa. Não lembro se sobraram três filés com fritas…
Mas os dois não eram apenas exigentes. Eram dois seres muito especiais. Wilson era um profundo conhecedor da Torá (em hebraico significa instrução, é o livro sagrado do judaísmo, como os primeiros livros da Bíblia: Gênesis, êxodo, levítico números e deuteronômio, conforme me explicou o amigo jornalista Moisés Rabinovici). Era capaz de citar trechos inteiros do livro sagrado e explicar cada um deles.
Isso porque Wilson, quando criança, morando no Rio Grande do Sul, foi vizinho de uma família de judeus e com ela aprendeu tudo sobre a religião, a ponto de se considerar judeu por toda sua vida. Foi, inclusive, aceito como membro da Sociedade Israelita de Florianópolis, onde passou a maior parte de sua vida no jornalismo como editor do Caderno de Automóveis do jornal O Estado de Santa Catarina.
Já Antônio era um ex-integrante da Polícia Militar do Paraná, advogado e editor do Jornal do Automóvel, encartado no jornal O Estado do Paraná. Estava sempre disposto a ajudar quem precisava.
Em uma ocasião, durante um Grande Prêmio de F-1 em São Paulo, o jornalista paranaense Antônio Carlos Silva teve o seu credenciamento negado para cobrir a corrida. Imediatamente Antônio acionou a Justiça ameaçando o Bernie Ecclestone (aquele “ex-dono” da F-1) de prisão, caso a negativa seguisse em frente. E o colega paranaense cobriu a F-1 daquele ano, que nem ele mesmo lembra qual foi, apenas que ocorreu no início dos anos 1990.
Além disso, segundo seu filho (o Bispinho), também jornalista, Antônio editou o primeiro caderno sobre carros publicado em cores no Brasil.
Banda e tapete vermelho
Além de conhecedor da Torá, Wilson gostava de receber os amigos. Depois de um lançamento na Bahia (ninguém lembra quando, nem mesmo o ativo jornalista baiano Paulo Brandão) em que os jornalistas foram recebidos, no aeroporto, com apresentação de música típica, Wilson foi desafiado a fazer algo assim em Florianópolis, onde seria o próximo lançamento da indústria (uns dizem que foi Fiat, outros que foi Ford, ninguém é categórico sobre o assunto).

A fábrica reuniu os jornalistas do Brasil em São Caetano do Sul, que de lá seguiram para Florianópolis em voo fretado. Quando desceram na capital catarinense, foram recebidos pela Banda da Polícia Militar do Estado e caminharam sobre um tapete vermelho. Era a resposta dele ao desafio baiano.
Antônio e Wilson?
Antônio Cipriano Bispo e Wilson Libório de Medeiros são os personagens da minha coluna desta semana. Era impressionante a amizade que os unia. Moravam, respectivamente, em Curitiba e Florianópolis, mas era como se fossem habitantes de um mesmo teto, tal a sincronia de pensamentos que existia entre ambos, apesar de Libório (como era chamado por todos) e Bispo (idem) serem judeu e maçom (vem do francês, maçon, pedreiro), respectivamente. A amizade deles era sua principal fé!
Aguardem o Cada História!!! (3)
CL
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