Outro dia nossa colunista Nora Gonzalez me perguntou se podia haver pintura nas vias de circulação de veículos que não a sinalização de trânsito oficial. Isso porque assistiu no SP-TV matéria sobre a Prefeitura de Santo André, na Grande São Paulo, estar pintando ou aplicando no asfalto poesias (foto acima) de Zhô Bertholini — que não tenho idéia quem seja, não me envergonho de dizer, mas isso não vem ao caso, o que está em discussão é se pode ou não uma autoridade de trânsito sobre determinada via escrever o que quer numa via por onde circulam veículos e pedestres (que fazem parte do sistema de trânsito, não se pode esquecer).
Em que pese a boa intenção daquela prefeitura, a de divulgar cultura, pinturas no chamado leito carroçável são objeto de normas e recomendações do Manual Brasileiro de Sinalização Horizontal emitido pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), documento de acesso público e que pode ser visto pela internet em http://migre.me/pOsTm. Como tal, a pintura na pavimentação de ruas, avenidas e rodovias serve primariamente, ou deve servir exclusivamente, para orientar o motoristas e pedestres que as utilizam. Por isso ela é normatizada aqui e no mundo todo, senão seria a mais completa desorganização, possivelmente com conseqüências desastrosas.
Se você quiser, pode ler a peça de informação pública da citada prefeitura.
Onde será que está a cabeça de quem no departamento de Trânsito dessa prefeitura expediu semelhante ordem? Esse órgão tem obrigação — não é favor — de se ater ao que determina o estadual Detran e este, ao federal Denatran.
Mas eis que hoje o leitor Lorenzo Frigerio, um das mais assíduas presenças nos comentários aqui no Ae, manda notícia (comentário já publicado na matéria O sol por testemunha) sobre um motociclista que, em 2008. levou um tombo ao derrapar sobre a tinta preta aplicada pela concessionária Autopista Fernão Dias na rodovia homônima para alterar a sinalização horizontal existente (faixas de separação de pistas).
Ou seja, em vez de remover a sinalização anterior, “inteligências” da concessionária pintaram-nas de preto — removê-la dá um trabalho danado… A tinta é escorregadia por descumprir normas técnicas pertinentes, conforme reconheceu a Justiça no processo da ação que o motociclista impetrou contra a concessionária e ganhou. Leia a notícia completa no link acima. Ele recebeu indenização de R$ 14.000,00 em valor atualizado referente a danos na motocicleta e despesas com guincho.
A perícia constatou que o atrito causado pela tinta está abaixo do mínimo recomendado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Ainda, segundo a notícia, que foi publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo, “no manual do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER-SP), o uso da tinta também é proibido. ‘A sinalização horizontal a ser apagada, provisória ou definitiva, não deve, em qualquer circunstância, ser coberta com tinha preta.'” Diz a matéria do jornal também que “a própria CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) admitiu anos atrás o uso de tinta em ‘intervenções de emergência’ e locais com tráfego reduzido.”
Como se vê, a irresponsabilidade corre solta por parte de quem deveria zelar pela segurança do tráfego.
Mais estarrecedor é o referido manual de sinalização horizontal, em 5.5.4, estabelecer a sinalização de ciclofaixa, uma faixa branca contínua ladeada por outra vermelha, 50% mais fina, e só. Ou seja, as ciclofaixas pintadas em toda sua largura e extensão são irregulares, emporcalham as cidades, além de não garantirem atrito mínimo necessário com piso molhado e de representarem despesa pública desnecessária.
Agora, leitor, pasme: no referido item 5.5.4 está indicado no desenho que nas ciclo faixas as guias de calçada têm de ser rebaixadas. Faz todo sentido, uma elementar questão de segurança para o ciclista em caso de tombo.
Portanto, mais um exemplo de como prefeitos como da cidade de São Paulo passam por cima da legislação primorosa compilada pelo Denatran.
Até quando, Ministérios Públicos? Ou será acabar com esses abusos também dá um trabalho danado, hein?
BS