Não quero invadir a praia do meu “primo” Wagner aqui no Ae, por isso não vou me meter na seara técnica, mas tenho lido tanta bobagem sobre Fórmula 1… e, vocês sabem, minhas raízes espanholas, italianas, bascas e argentinas não me permitem ficar muito tempo fora de uma discussão. Faço meus esforços, juro, mas tem horas que não dá. Então, vou atacar na minha praia: a lógica e os números.
Tem razão o Bernie Ecclestone em pedir mais apoio da Rede Globo nas transmissões. Quem só tem TV aberta passa apertos. Dependendo do horário, a corrida sequer é transmitida no Brasil. Resta ao fã do esporte ver, horas mais tarde, um videotape e algumas vezes nem completo ele é, mas apenas com uma seleção de imagens. Nem o treino oficial é transmitido na íntegra, sem qualquer justificativa, pois no lugar tem programas que, no jargão jornalístico, chamamos de “matérias de gaveta”— aquelas que se têm prontas, para cobrir buracos em caso de emergência, tal a falta de urgência e de relevância delas. Ou simples programas de variedades que poderiam ser cancelados sem maiores prejuízos ao público.
Ao contrário do que acontece em outros países, a transmissão é apenas isso: imagens oficiais, um narrador e dois comentaristas. Pessoalmente, acho que o telespectador ganhou muito com o acréscimo do Luciano Burti que entende do babado. Lembro que ele, na hora, matou a charada do rádio do Fernando Alonso em Suzuka: motor de GP2, motor de GP2. Entre outras coisas. Também no acidente de Felipe Massa na Hungria, em 2009 ele na hora disse que o piloto acelerava e freava ao mesmo tempo, dadas as marcas no asfalto, quando os outros nem sabiam o que tinha acontecido. E por aí vai. Mas a televisão não nos oferece nada além disso. Às vezes alguma palavrinha com um dos pilotos brasileiros logo antes ou durante a corrida, caso eles abandonem. E só. Já vi corridas pela televisão fora do Brasil pois mesmo viajando, tento não perder nenhuma e a diferença é gigantesca. Entrevistas antes, mas não apenas com os pilotos do país, com vários, retrospectivas, dados interessantes, em fim, muitas informações e imagens que valorizam a prova. E, claro, a entrevista dos três primeiros depois da corrida. Aqui , depois da bandeirada, tchau. Cortam a transmissão como se fosse uma batata quente que tem de ser passada para o próximo. Sequer temos uma transmissão com recursos que já vi fora do Brasil. Não posso garantir, mas a impressão que me dá é que há mais de uma opção de pacote. Você pode adquirir o basicão, com a transmissão e , vá lá, alguns rádios dos engenheiros com os pilotos, e outro mais completo, com mais informações ao longo da corrida, com dados técnicos, mais imagens infra-vermelhas, mais câmeras desde os cockpits etc.
E não me venham com que F-1 não dá audiência. É a questão do biscoito Tostines. Vende mais porque está sempre fresquinho ou está sempre fresquinho porque vende mais? Vejam como com outras informações outros esportes geram audiência. Ou alguém havia ouvido falar em curling antes das Olimpíadas de Inverno de 2014? Claro, exceto os iniciados, escandinavos e canadenses… Não é que agora tem um monte de brasileiros que acompanham os campeonatos disso? E, com todo respeito, são algumas pessoas com uma vassourinha e algo que parece um robôzinho aspirador… Eu chamo de Copa do Mundo de Faxina. Faço a mesma coisa em casa e ninguém me dá prêmios nem medalhas.
Audiência na TV? Veja bem… no ano passado 425 milhões de pessoas em todo o mundo assistiram às corridas da Fórmula 1 pela televisão. O pico de público foi em 2008, com 600 milhões de telespectadores, ano dominado pela McLaren (6 vitórias) e Ferrari (8 vitórias) e alguma surpresa com a Sauber (1 vitória) , mas com resultados bem mais previsíveis do que nos 7 anos seguintes. Ou seja, num ano em que tudo já era esperado e com duas equipes que praticamente dividiram todas as vitórias do ano, houve recorde de público. Como alguém agora diz que a F-1 é chata, que é previsível? E me perguntam se essa quantidade de gente é muito? Bem, o recorde televisivo, com alguma diferença de metodologia, é o funeral da princesa Diana, com 750 milhões de pessoas. Dá para comparar? Acho que não, mas alguém diria que depois da morte dela a realeza britânica deixou de ter seu charme ou seu público?
Em 2013, por exemplo, o maior crescimento de público na audiência de TV da F-1 se deu nos Estados Unidos, com 18% de aumento e 11,4 milhões de telespectadores (no mesmo ano no Brasil foram 77 mihões). Quantos pilotos norte-americanos corriam naquele ano? Nenhumzinho. Naquele mesmo ano, 35,8 milhões de pessoas na Itália viram as corridas de F1. Já sei, Ferrari é Ferrari, mas sabem quantos pilotos italianos correram naquele ano? Nenhum. Na Alemanha houve uma queda de 10% no público de F-1 naquele ano, que fechou 2013 com “somente” 31 milhões de pessoas. Além de ter uma escuderia (Mercedes AMG Petronas) e quatro pilotos naquela temporada (Sebastian Vettel, Nico Rosberg, Nico Hulkenberg e Adrian Sutil), lembram quem ganhou o campeonato? Vettel. E Rosberg e Vettel somaram 15 vitórias em 19 corridas. Alguém vai me dizer que se não tem piloto do país o público não assiste? Neste caso tinha quatro, um deles foi campeão, dois ganharam quase tudo e mesmo assim o público caiu. A explicação só pode ser outra.
E se ter corrida no país, ou ter piloto nacional aumentasse por si só a audiência, a Stock Car bateria em Ibope a novela das 9 da Globo (ou a da Record, ultimamente…). E, no entanto, não é nada disso o que acontece.
E o que dizer do Japão, onde são loucos por F-1? Por mais que tenha me divertido vendo Satoru Nakajima e Takuma Sato e mais recentemente o um pouco mais talentoso Kamui Kobayashi, não dá para dizer que os pilotos do Império do Sol Nascente tenham tido realmente chances de chegar ao lugar mais alto do pódio. Nem aos outros dois degraus, na verdade. Em 936 grandes prêmios na história (se incluirmos as Indy 500 que durante um tempo fizeram paerte do calendário) eles subiram ao pódio somente três vezes — e nenhum ganhou até hoje. Mas nem assim o público oriental arreda pé dos circuitos nem da frente da televisão. Os japoneses são tão fanáticos por F-1 que em todo circuito do mundo eles estão presentes. Mesmo nas férias, fazem peregrinações aos cemitérios onde estão enterrados os pilotos da categoria, em qualquer país do mundo.
Ou seja, não acredito que ter pilotos de um país ou ter corridas no território nacional tenha necessariamente a ver com audiência naquele país. Para mim, é um pacote de outras coisas — divulgação, comentaristas, bons programas sobre o assunto etc.
Li em alguns forums que a F-1 está chata. Tem um indigitado que disse que “hoje em dia o sujeito depois de uma volta está a 10 segundos de vantagem do segundo”. Ora, acho que eu perdi essa corrida ou meu relógio marca segundos diferentes dos dele. E lembro perfeitamente de Mônaco quando em 1988 Senna bateu no túnel com exatos 58 segundos de vantagem sobre o segundo colocado. Naquele ano, de 16 provas Senna ganhou 8 e seu companheiro de McLaren, Alain Prost, 7. Os dois deixaram apenas um “forasteiro”, Gerhard Berger e seu Ferrari, ganhar o GP da Itália. Ah, mas aí a Fórmula 1 não era chata?
Tem gente no Brasil que diz que depois que Ayrton Senna morreu deixou de gostar de F-1. Desculpem, mas essas pessoas gostavam era de Ayrton Senna. É um direito, claro, mas para quem gostava de F-1 ela já existia antes e continuou existindo depois, com todos os méritos que esse grande piloto tinha. E aí também a própria Globo paga pelo endeusamento. Centrou todas as expectativas em cima de Senna, e não da F-1, e quando perdeu Senna perdeu o rumo. Por isso acho que quem enterra a audiência na F-1 no Brasil é a Globo e não o público. Eles fazem a mesma coisa que alguns canas de TV fechada com bons seriados. Custei a descobrir que Nurse Jackie continua passando no Brasil. Pulei da terceira para a sétima temporada sem ter visto as outras por não encontrar o seriado na grade — claro que não fiz isso 24 horas por dia durante um mês, se não talvez tivesse achado. Quando passa? À 1h45 da manhã de domingo para segunda, sem reprise nenhum outro dia nem nenhum outro horário. Como vamos dar audiência assim? E a TV fechada reclama da Netflix depois… É a mesma coisa com a F-1 e a Globo.
Quando Senna morreu eu trabalhava no jornal O Estado de S. Paulo. Um colega meu de redação contou, na época, entre atônito e divertido, que a empregada dele estava em prantos no dia do enterro do piloto. Totalmente inconsolável. Detalhe: ela nunca, jamais, vira uma corrida de F-1 na vida. Não é teatro, não. É um processo de catarse que para Aristóteles era uma espécie de purificação, de purgação. A pessoa nem sabe por quê, mas tem uma descarga emocional e é capaz de chorar por alguém que nem sabe direito quem é. Mas isso não deve ser confundido com seguidores nem com público, cuidado. Essa pessoa sequer deve ser considerada fã. Esse é apenas um comportamento de massa e de momento.
E tem, ainda, os que dizem que “depois que começou o jogo de equipe, a F-1 ficou chata”. Esses são os que criticam Felipe Massa por ter deixado Fernando Alonso ultrapassá-lo, ou Nelsinho Piquet por ter estatelado seu carro para favorecer, de novo, Fernando Alonso, também seguindo ordens da equipe. Se jogo de equipe ajuda o esporte ou não podemos discutir, mas vamos aos fatos: não é nenhuma novidade. Em 1956, Juan Manuel Fangio conseguiu terminar o GP da Itália e conquistar mais um título mundail apesar de seu carro apresentar defeitos apenas porque trocou de carro durante a corrida com seu companheiro de Ferrari Peter Collins, que lhe cedeu a baratinha e ficou a pé. Isso não é jogo de equipe? E provavelmente os mesmos que criticam Massa são os que aplaudiam Berger que, durante anos, bancou o escudeiro de Senna, atrapalhando quem tentasse chegar perto do brasileiro. Mais uma vez, jogo de equipe. E o austríaco jamais tentou ultrapassar Senna, mesmo quando algumas vezes teria podido. Não é implicância minha, não, mas esse foi um dos motivos pelos quais Senna vetou um companheiro de equipe. Em 1986, apesar de já certa, impediu a contratação de Derek Warwick para evitar tê-lo como companheiro na Lotus porque preferia alguém de topasse fazer jogo de equipe a seu favor. Volto a dizer, podemos discutir se somos contra ou a favor do jogo de equipe, mas ele não é nenhuma novidade na Fórmula 1.
De novo, se ter pilotos do país fosse sinônimo de audiência, minha pobre Argentina não registraria um traço sequer na audiência de F-1. No entanto é dos esportes mais assistidos na televisão, apesar de não ter corrida no país desde 1998 — e nem foram muitas, apenas 21 em toda a história de 63 temporadas. Desde que em 1998 Esteban Tuero foi piloto da modestíssima Minardi e jamais conseguiu nenhum resultado minimamente expressivo, o país não registra um único piloto na modalidade. E antes dele, Carlos “Lole” Reutemann com suas 12 vitórias, havia deixado os cockpits em 1982. Claro que tivemos Juan Manuel Fangio e seus fantásticos cinco títulos mundiais — mas o último foi no longínquo 1957. Não sei vocês, caros leitores, mas eu estava, como dizemos na Argentina, nos chifres da Lua naquela época, ou seja, nem havia nascido. E nunca ter visto um piloto do meu país de nascimento ser campeão do mundo não me impediu ser fã de F-1. E do jeito como vão as coisas por lá é mais provável que veja a seleção de rugby ganhar o mundial (valha-me o otimismo) do que outro piloto argentino ser campeão da F-1.
Mudando de assunto: semana passada estive na Av. Paulista e me surpreeendi com faixas em todos os quarteirões e placas na ciclofaixa: Programa Rua Aberta: ciclista, mantenha-se na ciclofaixa ou ciclovia. Confesso que não entendi. O tal programa é o fechamento da avenida aos veículos. Essa é a definição correta apesar de o alcaide tergiversar, pois aberta a pedestres e ciclistas ela já estava, especialmente depois da construção da tal ciclofaixa no canteiro central para o que se gastou uma fortuna e as obras atrapalharam o trânsito durante meses. Como as calçadas da avenida têm largura de pouco mais de 10 metros, se os ciclistas têm de ficar no canteiro central (o que se mostrou necessário, pois os pedestres vem reclamando de quase atropelamentos a cada domingo), para quê fechar a avenida? Se nas manifestações de março deste ano quando não cabia um alfinete havia na avenida e nas ruas do entorno, todo ao longo do dia, entre 1 milhão de pessoas (segundo todos os institutos de pesquisa) e 200.000 (segundo o DataFolha), quantas pessoas a Prefeitura espera juntar a cada domingo para justificar o fechamento da via?
NG
Foto de abertura: huffingtonpost.com
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