Todo o engenheiro ligado à área automobilística sonha com uma fábrica novinha em folha, produzindo motores modernos e precisos, com a garantia de que o coração do veículo vai funcionar com saúde e durabilidade.
E foi assim com a fábrica de motores da Volkswagen na cidade de São Carlos, interior de São Paulo. Inaugurada em 12 de outubro de 1996, a moderna fábrica de motores de São Carlos já produziu perto de 10 milhões de motores , o que a coloca como uma das principais fábricas do Grupo Volkswagen dedicadas à essa atividade. A unidade é responsável pela produção dos motores das famílias EA 111 e EA 211, que equipam todos veículos Volkswagen produzidos no Brasil.
Com três prédios produtivos, EA111, EA211 e o de Usinagem e Montagem de Cabeçotes, contempla seis linhas operacionais de motores, quatro linhas de usinagem de blocos, duas de usinagem de cabeçotes e três de montagem de cabeçotes.
A unidade de São Carlos realiza desde 1998 o teste a frio de motores, denominado Kalt Test (teste a frio, em alemão), que avalia de 300 características distintas no motor, monitorando sincronismo, ruído, ignição, aspiração, escapamento, torque e lubrificação, destacando-se a não utilização de combustível para realização do teste. A unidade conta com quatro máquinas que demoram entre 60 e 70 segundos para completar o procedimento.
Particularmente, os motores da família EA 111 são um exemplo de projeto simples e funcional, com detalhes construtivos relevantes, como, por exemplo, o acionamento das válvulas por meio de alavancas (tipo dedo) com roletes, o bloco do motor de ferro fundido extra-rígido enriquecido com titânio, e cabeçote com desenho da câmara que facilita a combustão por movimento turbilhonado da mistura ar-combustível.
Outros detalhes construtivos:
A tampa do cabeçote é estrutural e incorpora as capas dos mancais da árvore de comando de válvulas. A usinagem dos mancais é feita simultaneamente na tampa e no cabeçote, com o conjunto montado, garantindo a precisão do sistema.
O cárter do óleo lubrificante é feito em duas partes, uma estrutural de alumínio e a outra em chapa de aço estampado. A parte de alumínio age como complemento da fixação do motor ao transeicxo, ajudando inclusive nas características acústicas geradoras de ruído de funcionamento do motor e transmissão.
O virabrequim em ferro fundido nodular conta com apenas quatro contrapesos, diminuindo a inércia de massas rotativas e também o peso do conjunto.
A montagem dos mancais do virabrequim é feita no processo seletivo, ou seja, os mancais são escolhidos em três classes dimensionais para garantir a precisão na tolerância das folgas.
Para a árvore de comando de válvulas, as alavancas com roletes ajudam a diminuir o atrito entre as partes, melhorando a eficiência mecânica do conjunto. É o RSH, Rollenschlepphebel, que em alemão que significa roletes dos ressaltos.
A montagem dos pistões no bloco do motor também segue o processo seletivo, com classes dimensionais. A lubrificação dinâmica dos pistões é auxiliada por um sistema de jato de óleo, direcionado às laterais dos cilindros.
As bielas e suas capas são produzidas em uma única peça e depois seguem o processo de “fraturamento”, separando as duas partes e garantindo ajuste perfeito das folgas.
E veio a nova geração de motores EA 111 VHT 1-L e 1,6-L Total Flex, equipando os modelos da linha 2009, com grandes vantagens apregoadas pela Volkswagen em relação ao modelo anterior.
“Quando começamos a projetar os novos motores VHT, em vez de pensar em aumento de potência, decidimos investir nossos esforços na elevação do torque, o que foi obtido por meio de um conjunto de modificações”, explicou na época, João Alvarez Filho, gerente executivo de Planejamento e Desenvolvimento de motores e transmissões da Volkswagen.
As modificações principais foram:
– Redesenho do filtro de ar
– Alteração do comprimento dos dutos do coletor de admissão, seu volume e geometria das câmaras internas
– Novo comando de válvulas modificando o tempo de abertura das válvulas
– Novos pistões e novos anéis de segmento
– Novas bielas mais longas
– Coletor de escapamento em chapa de aço em vez de ferro fundido
– Nova correia poli-V elástica do sistema periférico (compressor do ar-condicionado, direção hidráulica e alternador), que possibilitou a eliminação do tensor
-Nova ECU (unidade de controle eletrônico)
As melhorias do motor EA 111 1-L VHT foram estendidas para o motor 1.6-L, em sua maioria.
E depois de toda essa tecnologia embarcada veio uma grande surpresa
Em 2009, a rede Volkswagen começou a receber inúmeras reclamações com respeito a forte ruído (“clec, clec….) dos motores EA 111 VHT, principalmente em marcha-lenta. A Volkswagen dizia não haver motivo para alarde, mas admitiu que algo de errado estava ocorrendo com os novos motores 1-L e 1,6-L.
Segundo João Alvarez Filho, a fábrica reconhecia a existência de falha grave no motor EA 111, porem desconhecia ainda a sua causa raiz. “Encontramos casos de veículos com falta de óleo, uso de óleo fora das especificações e até óleo contaminado por combustível de má qualidade”, afirmou. Para Alvarez, não procedia a notícia publicada na edição de 21 de outubro de 2009, na revista Exame, suspeitando da falta de tratamento térmico em peças estruturais.
A VW não considerou que o defeito pudesse motivar uma convocação. Para José Loureiro, gerente de engenharia, o problema não oferecia risco, uma vez que o motor “avisaria” que algo não estaria bem. “Ao ouvir o ruído, o motorista deveria procurar uma oficina antes que algo mais grave acontecesse. O motor não pararia de repente”, afirmou.
Neste aspecto teço um comentário, o de que a segurança estaria comprometida caso o motor hipoteticamente travasse em uma ultrapassagem, por exemplo.
No dia 27 de outubro, a Volkswagen admitiu oficialmente os problemas nos motores e revelou que a deficiência na lubrificação dos conjuntos mecânicos foi a causa dos transtornos. A ocorrência foi provocada, em determinadas situações, pela perda das propriedades de lubrificação do óleo de primeiro abastecimento, em função da ação do álcool combustível. A empresa deixou claro que o fabricante do lubrificante fornecia o produto de acordo com as especificações da Volkswagen.
A alteração da especificação do óleo de primeiro abastecimento, introduzido em abril de 2008, foi determinada pela própria fabrica. Assim, a Volkswagen voltou a utilizar a especificação anterior do óleo lubrificante, resolvendo o problema. Adicionalmente, a Volkswagen estendeu a garantia dos motores produzidos desde abril de 2008, de três para quatro anos.
Minha opinião a respeito deste assunto, mesmo não conhecendo profundamente os fatos, é a seguinte:
Em primeiro lugar, “em time que está ganhando não se mexe”. Para que alterar a especificação do óleo lubrificante de primeiro enchimento se o mesmo, acredito eu, funcionava a contento.
Em segundo lugar, os motores EA 111 de primeira geração, pelo que me consta, estavam funcionando bem para as aplicações em nosso mercado. Para que tantas modificações para as versões VHT? Concordo com melhoria continua, porém com parcimônia para que todos os modos de falha estejam contidos, o que não é nada fácil em um prazo curto de desenvolvimento.
Em terceiro lugar, eu não acredito que o problema ocorreu somente pela nova especificação do óleo de primeiro enchimento. Sabendo a severidade dos testes de durabilidade que os motores são submetidos em dinamômetro, difícil entender a não detecção do problema de ruído e desgaste durante a fase de desenvolvimento.
Enfim, mais uma lição aprendida: “Todo o cuidado é pouco”.
Como sempre, no encerramento de cada matéria, presto uma homenagem.
Desta vez vai para as pessoas, técnicos e engenheiros, que fizeram a grande diferença e conseguiram resolver em tempo hábil as causas que levaram a este quase desastre relativo aos motores AE 111 VHT.
CM
Créditos: wikipedia-Volkswagen do Brasil Ltda; acervo do autor; phys.org