Pois é, a Fábrica Anchieta da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, região da Grande São Paulo, começou a ser construída em 1956 e suas áreas foram sendo utilizadas à medida que as obras progrediam. Uma construção de 10.200 m² num terreno de 1,852 km².
Este projeto foi impulsionado pelos planos inicialmente traçados pelo presidente Getúlio Vargas, mentor dos planos de instalação de uma indústria automobilística brasileira; sua participação neste plano foi interrompida por seu suicídio em agosto de 1954. Ele tinha estabelecido as indústrias de base como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) — que foi desmontada nos EUA e montada em Volta Redonda — e a Refinaria Duque de Caxias. Com isto as chapas de aço e o combustível foram assegurados.
No dia 30 de outubro de 1953, Getúlio Vargas, tendo o então capitão de mar-e-guerra Lúcio Meira, membro da Comissão de Desenvolvimento Industrial da Presidência da República, a seu lado, visitaram o galpão da rua do Manifesto, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, onde a Volkswagen do Brasil se estabelecera no país em 23 de março de 1953. Ambos observaram atentamente automóveis Volkswagen que serviriam de modelo para a indústria nacional. É interessante notar que um dos carros expostos tinha teto solar de lona, versão que não foi montada ou fabricada no Brasil.
Juscelino Kubitschek de Oliveira, empossado presidente da República em 31 de janeiro de 1956, tocou estes planos para frente com redobrado vigor ao criar em 16 de junho daquele ano o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia). Ele teve a visão de nomear presidente do Geia o agora almirante Lúcio Meira, seu ministro da Viação e Obras Públicas. Caberia ao Geia acelerar o processo de implantação da indústria automobilística com a concessão de financiamentos e incentivos, bem como as metas de nacionalização, valendo-se do seu poder executivo e supraministerial.
Em alguns meses a Volkswagen estava montando o Fusca e também a Kombi, algo que a Companhia Distribuidora Geral Brasmotor, que desde 1949 detinha os direitos de importação e depois de montagem dos veículos VW no Brasil, não havia feito — as Kombis vinham praticamente prontas de Wolfsburg.
Em 1956, a linha de montagem foi transferida para uma área pronta de uma ala da nova fábrica, construída em tempo recorde.
E as máquinas estavam se aquecendo para o lançamento do primeiro Volkswagen brasileiro, que foi uma Kombi, no dia 2 de setembro de 1957.
Em termos de marcos históricos da trajetória da Fábrica Anchieta, seguiu-se a fabricação do primeiro “Volkswagen de Passageiros”, como o carro era chamado na época, no dia 3 de janeiro de 1959. A produção de Fuscas e Kombis corria em paralelo então. Infelizmente não se tem registro fotográfico deste primeiro Fusca nacional.
Mas a fábrica, apesar de pronta, não havia sido inaugurada… Só depois de resolvidos os problemas de agenda do presidente mundial da Volkswagen, Heinrich Nordhoff, e das autoridades brasileiras, chegou o dia da inauguração: 18 de novembro de 1959. O evento contou com a presença de personalidades ilustres, dentre outros o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, o governador de São Paulo Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto e, do lado da Volkswagen, Nordhoff e o presidente da Volkswagen do Brasil Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk.
A inauguração oficial da fábrica ocorreu três anos depois da “inauguração de fato”, que ocorreu em 1956 com a transferência da linha de montagem da rua do Manifesto para a fábrica. Com isto a fábrica VW perdeu três anos na contabilização de sua idade real.
Normalmente um empreendimento é inaugurado o mais rápido possível, mas aqui vemos um exemplo contrário, onde não houve pressa alguma para a inauguração.
O vídeo que se segue faz parte da minha palestra O Fusca no Brasil e mostra imagens da festa de inauguração. Uma grande quantidade de funcionários da fábrica teve a oportunidade de acompanhar a parte formal da inauguração. Alguns aspectos são muito interessantes, como o helicóptero Sikorsky H5 da Força Aérea Brasileira que trouxe JK para a inauguração e o Fusca cabriolé que já estava perto do ponto de pouso esperando o presidente. Nordhoff foi até o helicóptero para recepcionar o Presidente da República.
A Fábrica Anchieta conheceu dias de glória no auge da produção de Fuscas quando milhares de carros eram produzidos diariamente antes do advento dos robôs de produção.
Hoje em dia a Fábrica Anchieta está altamente automatizada e tem ótimas perspectivas de futuro dado aos planos que o Grupo Volkswagen tem para esta unidade. Desde seu início esta foi quebrando barreiras, como a produção do milionésimo Fusca em 1970; em 1979, um Fusca atingiu a contagem de cinco milhões de carros VW fabricados e em 1983 a cada 70 segundos um veículo saía das linhas de montagem!
Reader’s Corner
da Coluna Falando de Fusca
Recebi do Volkswagenmaniaco Rogério Caldas de Oliveira uma crônica que conta a sua experiência, ainda como adolescente, na Fábrica Anchieta da Volkswagen do Brasil. Ele conta como viu e descobriu a Fábrica Anchieta montado numa bicicleta nos idos de 1986. A cinqüentenária fábrica vista através dos olhos de um jovem de 14 anos, algo diferente que o Rogério brinda aos amantes da Volkswagen:
A cidade Volkswagen Anchieta
Sou Rogério, eletricitário, tenho 43 anos e resido em São Paulo, Capital. Sobrinho de cinco tios que trabalharam na fábrica Anchieta da VW, conhecida como Fábrica I, sendo que um destes tios conseguiu intermediar um trabalho em uma empresa terceirizada que prestava serviços nesta unidade!
Começo minha história em 10/11/1986, quando iniciei meu primeiro trabalho na VW, como contínuo, no setor 1367, denominado Departamento de Obras e Manutenção, onde esta Gerência também respondia pela Manutenção Predial, Zeladoria e Jardinagem. Fui apresentado à secretária de origem alemã, muito eficiente (naquela época, a secretária já tinha um papel muito além do que fazer cartas e atender ao telefone, seria hoje uma assistente de gerência). Isto eu posso dizer que funcionava por toda a fábrica, nos diversos setores.
A fábrica era composta por 22 Alas, sendo que todas eram indicadas por algarismos romanos, onde os prédios, em regra , eram construídos em forma retangular. Já os prédios mais novos seguiam uma arquitetura mais atual. Os mais antigos seguiam um padrão de época, originário da VW alemã! Para aprender a localização dos setores, existia um padrão, ou seja, cada setor era indicado na Ala, e as faces correspondentes da Ala eram denominados através de pontos cardeais, com nomes da região, que o lado direcionava. Exemplo: Norte, São Paulo; Sul, Santos. Oeste, Santo Amaro. Leste, Anchieta. Fui descobrindo isto ao caminhar na Cidade VW! As ruas eram pavimentadas, com calçadas e demarcação para pedestres, e em pontos críticos existiam até semáforos! Muito bem sinalizadas, tanto para os pedestres como para os veículos que lá circulavam!
Existiam algumas árvores, e acho que algumas foram preservadas desde a construção da fábrica! Agora, os jardins eram um exemplo de paisagismo! Em pouco tempo eu andava por todos os lados da fábrica! Logo, para ganhar mais agilidade, recebi uma bicicleta! Facilitou muito minha vida, pois entregava as CIs — Comunicações Internas, que eram datilografadas, pois os computadores eram aplicados somente em serviços restritos, como CPD — nos setores! Faço analogia ao mensageiro de guerra! Já o Gromow fez uma analogia que não tinha passado por minha cabeça, ou seja, eu era o que hoje chamamos de e-mail!!!
Entre uma correspondência e outra, também ia ao banco (Banco Nacional, o qual ajudou muito na carreira do Ayrton Senna), tirava cópias, pois naquela época havia uma central de cópias em cada Ala com um número significativo de escritórios! Também levava solicitações de impressos gráficos, pois existia também uma gráfica na fábrica, porém sediada em um endereço único, Ala XIII, lado Santos!
Na Cidade Anchieta, assim se pode dizer, existiam em pontos determinados pequenas lanchonetes. Todas tinham o mesmo padrão de vendas de mercadorias, sendo os melhores fornecedores do mercado! Estas lanchonetes eram vinculadas ao setor de Alimentação, que também gerenciava os restaurantes, distribuídos em locais estratégicos pela fábrica! Falando de restaurantes, as refeições eram uma delícia, refrigerante de máquina à vontade e os pãezinhos da padaria própria! Não existia melhor em lugar algum! O que também chamava a atenção era o uniforme dos funcionários deste setor, todos branquinhos, como uma farda médica militar, com o logo VW estampado no bolso! Um sonho!!!
Outro local que me chamou muita atenção foi o Centro de Formação para Menores, onde se aplicava instrução de mecânica e elétrica para autos, semelhante ao que podemos chamar de Senai. Sempre passava pelos treinandos, observando sua aplicação e dedicação ao curso, sempre acompanhados por um instrutor muito bem capacitado!
Andando pelas ruas e alas, passava pela Ala XIV, onde existia a montagem final, que era outro sonho! Linha da Kombi, Santana, onde admirava toda aquela aplicação e concentração dos montadores, sempre atentos na montagem dos veículos! Nesta Ala, os veículos, após os testes finais, saíam diretamente para o pátio! Passava um bloco de veículos, por exemplo, Santanas e, logo atrás, uma Kombi! Esta trazia os motoristas de volta para a Ala, para recomeçar todo o processo de envio de veículos para o pátio, processo esse que era executado por vários comboios. Para um jovem de 14 anos isto era o máximo!
Por falar em Kombi, este era o VW que mais se via pelas ruas internas da fábrica, sendo o modelo para Passageiros, o Furgão ou Pick-up. Elas executavam todo tipo de transporte interno e a maioria dos modelos não eram licenciados. Estas Kombis possuíam uma placa com o nome e número do setor correspondente ao veículo! Já a Segurança Patrimonial e Corpo de Bombeiros tinham os veículos emplacados e sistema de segurança semelhante ao que temos no lado de fora da fábrica, ou seja, patrulhamento das ruas e atendimento às ocorrências nos setores, de qualquer origem, que atendiam, o que não podia ser diferente. Estavam sempre atentos, monitorando todo o complexo. Lembro-me perfeitamente de uma Kombi com escada tipo Magirus, nas proporções do veículo, do Corpo de Bombeiros. Na época a sua origem não me chamou a atenção, mas hoje, com o conhecimento que vamos adquirindo, acredito que esta Kombi era da Alemanha, pois vi modelos semelhantes em livros com fotos dos anos 1980 referentes à VW alemã! Também havia uma Kombi, com a carroceria à frente da cabine, sendo a cabine acima do motor! Muito legal e chamava a atenção de qualquer visitante! Hoje, através do Gromow, pude descobrir o verdadeiro nome desta Kombi, que em alemão chama-se Pritschen Wagen! Uma raridade!
Como a Kombi era soberana nas ruas da VW, o que não poderia deixar de ser, outro modelo comum pelas ruas da fábrica era o Santana e o Santana Quantum, modelos exclusivos para gerentes e diretores, sua maioria modelos completos como o CD e subseqüente GLS!
Agora, outro veículo que algumas vezes transitava pelas ruas era o Fox, versão do Voyage destinado aos mercados americano e canadense. Este veículo me chamou a atenção pela primeira vez, pois existia uma luz no vidro traseiro que até aquele momento nunca havia visto em outro veículo, que hoje, chamamos de brake light, tão comum nos veículos atuais!
Esses Voyages eram usados em teste pela engenharia da fábrica e quando algum engenheiro utilizava um modelo pelas ruas internas, não só eu, mas os funcionários em geral, paravam para ver as diferenças do modelo americano para o brasileiro. Visualmente eram percebidas mudanças nas calotas, faróis, indicadores luminosos nas laterais dianteiras e traseiras, brake light, emblema Fox e um adesivo no vidro traseiro, acima dos filamentos térmicos do desembaçador do vidro, com a frase: MADE IN BRAZIL! Também existia uma versão que poucos devem conhecer: era a Fox Wagon, que nada mais era que a nossa famosa Parati. Mas vale lembrar que estes dois veículos possuíam mais de 100 itens de diferença em relação ao modelo brasileiro para atender o padrão de exigência dos Estados Unidos e Canadá!
Finalizando, gostaria de fazer um pequeno comentário sobre a VW Caminhões que se situava na av. Dr. José Fornari, paralela à Via Anchieta, sentido São Paulo! Está fábrica, que utilizava as antigas instalações da Dogde Caminhões em um terreno que pertenceu à antiga Brasmotor, crescia a cada dia, mantendo um paralelo à VW automóveis, mas quero comentar uma curiosidade sobre estas duas fábricas! Como uma fica paralela à outra, porém divididas pela minha amada Via Anchieta, foi feito um túnel para pedestres sob a rodovia ligando as duas fábricas, porém fora da divisa de portões, ou seja, público! Hoje, como a VW Caminhões se mudou para Resende, RJ e no local existe outro grande complexo, sem vínculos com a VW, este túnel ficou praticamente abandonado! O mais curioso é que os milhares de motoristas que passam por esta rodovia não imaginam que transpõem este túnel, e o legal é que em janeiro de 2009 fui revisitá-lo e até que ele está em pleno funcionamento, porém sem a utilização que ele proporcionava aos funcionários da VW nos anos dourados!
Em 1988, o contrato da empresa que eu trabalhava não foi renovado e tive que me despedir da Fábrica Anchieta! Foi muito triste, pois eu amava tudo aquilo! Mas não me revoltei e entendi que era um funcionário terceirizado e não um funcionário VW e prometi que a paixão pela VW não ia acabar e não acabou! Desde meu primeiro veículo, até hoje, só possuí VWs! Possuo um acervo de revistas e livros que considero bastante rico e importante sobre a história da VW! Tenho uma respeitável coleção de miniaturas de VW e Porsche, em várias escalas! Possuo o Azulão, um VW Sedã 1969 que simboliza toda a paixão que tenho pela VW do Brasil e pela Unidade Anchieta! No dia 23 de dezembro de 2009 o Azulão fez 40 anos de vida e leve-o até à Portaria Anchieta da VW e tirei uma foto comemorativa, juntamente com os 50 anos da VW Anchieta! Ele merece este presente! A VW merece este presente!
VW Anchieta! Fábrica I! Parabéns pelos seus 56 anos de vida e tenho o máximo orgulho de ter-lhe conhecido, respeitado como um grande local de trabalho e de ter construído o melhor carro do mundo! Vocês, equipe VW, fizeram aqui no Brasil a concretização da missão para o qual o Käfer foi construído!!! Colocar o povo brasileiro sobre rodas, iguais às que transportaram o povo alemão!
AGr