Como verdadeira autoentusiasta, mas também como cidadã, fico estarrecida com alguns objetos que vejo se arrastando pelas ruas e estradas brasileiras. Não digo circulando nem me refiro a eles como veículos porque seria muito otimismo da minha parte assim defini-los.
Recentemente, em meio a um engarrafamento, comecei a me questionar: o que leva alguém a se colocar, e colocar os outros, numa situação de risco tal? Já sei, tem gente que é adepta da teoria do coitadismo — são pessoas simples, sem recursos, que não tem como manter adequadamente um carro. Como já disse aqui, carro não é questão de data de fabricação e sim de manutenção. Aqui na redação do Ae muitos de nós temos carros com vários anos de uso (alguns têm modelos com duas décadas) em perfeitíssimas condições de uso. Ou seja, não é por aí. E não são somente pessoas humildes que andam com carro caindo aos pedaços ou com falhas de manutenção — às vezes bobas, porém perigosas. Cansei de ver carros do ano sem todas as luzes funcionando. Absurdo! Quanto custa uma lâmpada veicular? Em alguns casos, alguns poucos reais. E a maioria das seguradoras faz a substituição daquelas mais comuns gratuitamente, na hora, sem burocracia. Eu mesma sou useira e vezeira de uma dessas empresas. É chegar, encostar e eles substituem. Vou pela comodidade, pois pelo valor bem que poderia comprar numa loja — mas aí teria de tirar todo o plástico do farol, recolocar. Eles fazem em minutos. Nunca passei mais do que o tempo necessário para chegar até a seguradora sem alguma luz.
Isso, claro, também é hábito. Tenho o costume de olhar sempre se está tudo OK. Checo na parede da garagem para ver se a ré e os freios estão OK e quando estou no trânsito sempre olho os reflexos do meu carro no da frente para ver se não falta nenhuma luz. E, claro, peço ajuda ao marido regularmente. Um senta no carro e outro fica sinalizando se está tudo bem. O porteiro debe se divertir nos vendo pelas câmeras da garagem. Ou já se acostumou com nossas maluquices no que diz respeito a carros.
A mesma coisa para a suspensão, o alinhamento, tudo. Não que vá toda hora na concessionária ou na oficina. Tem coisas que eu mesma verifico, claro. Não entendo como alguém anda com pneu careca, por exemplo, ou carro de lado. Tem uns que eu digo que tem “tração independente nas quatro rodas”. Vistos de trás, parece que cada roda puxa para um lado diferente.
O pior é que muitos nem sabem que dependendo do caso, se se envolverem num sinistro o seguro não cobre o acidente. Por exemplo, se um carro bater atrás mas o da frente estiver sem luz de freio, babau. O seguro do da frente pode se recusar a pagar. E o de trás ainda pode cobrar os prejuízos. Ou seja, aquela história que quem bate atrás é culpado vai até a página cinco.
O mesmo se aplica a pneus em má conservação. Se houver um acidente, mas a suspensão ou os pneus estiverem, digamos, fora do prazo de validade, esqueça. Prejuízo do acidente e do seguro, que foi pago à toa pois não haverá cobertura.
Claro que muitos dos carros que andam sem manutenção não têm seguro. Mas nesse caso, me vem outra questão. O que leva alguém a colocar a própria vida em perigo e a colocar a de outras pessoas em risco num veículo sem condições de segurança? Tem gente que cola adesivo: “Dirigido por mim, guiado por Deus” e acha que está protegido. Coitado de Deus. Com tanto problema na Síria, guerras tribais na África, tragédias naturais na Ásia, ainda tem de cuidar de um carro sem freios e com pneus carecas? Mesmo sendo onipotente e onipresente é querer muito dele, não? Outros dizem que vão “aqui pertinho”. Ah é? Metade dos acidentes de carro ocorrem a menos de 10 quilômetros de distância da residência, segundo avaliam as seguradoras em todo o mundo. Vai forçar a barra e querer fazer parte dos outros 50%? Mas aí também vai estar abusando da boa vontade de Deus que estará ocupado cuidando daquele motorista que apenas dirige o carro, mas deixa Deus guiá-lo.
Sei lá. Minha bisavó, que como boa espanhola sempre tinha uma frase para qualquer situação, contava que mesmo nas guerras temos que lutar, ainda que rezemos. Dizia em espanhol algo que numa tradução livre seria equivalente a: a Deus rezando e com o bastão batendo. É por aí. Ou seja, pode pedir a Deus se quiser e se acreditar. Mas faça sua parte também. Peça proteção divina, OK, mas faça manutenção preventiva. Viram? até rimou. Poderia fazer slogan de seguradora.
Mudando de assunto: O prefeito de São Paulo vai reduzir em 13%, ou quase 2.000 ônibus, a frota da cidade, de 14.812 para 12.898. Ele diz que não haverá prejuízo aos usuários porque serão realizadas 17% mais viagens, das atuais 186.000 para 217.000 por dia. Mas peraí. Numa média, entre ônibus biarticulados, que levam até 270 passageiros, ônibus convencionais, que levam até 75 passageiros e microônibus, podemos estimar 150 pessoas por veículo por viagem. Como hoje são feitas 12,55 viagens por ônibus, cada um transporta 23.625 pessoas por dia. Se um fica parado, é essa quantidade de pessoas que é prejudicada por dia. Com a nova modalidade, cada veículo fará 16,82 viagens diárias, transportando 42.436 pessoas diariamente que ficariam a pé para cada dia que o veículo ficasse inativo. E, claro, quanto mais rodar cada veículo mais rápido ele se desgastará e mais vezes ele deverá parar para manutenção. Ou seja, na nova modalidade, para cada dia que um ônibus fique parado, mais gente será prejudicada.
NG