A atividade de jornalista é fantástica — nunca me vi fazendo outra coisa na vida. Minha família garante que eu tinha seis anos quando disse que queria ser jornalista. Se eram exatamente seis eu não tenho certeza, mas lembro das circunstâncias, do dia e que era realmente pequena. Estávamos vendo televisão em casa e quando começou uma entrevista da Barbara Walters eu disse para minha mãe: quando crescer quero ser como ela. E nunca mudei de idéia.
Nem depois de formada, durante os longos plantões nas redações dos jornais e revistas em que trabalhei, quando perdia os almoços em família no final de semana. Dos meus sobrinhos, apenas os dois mais novos têm alguma lembrança da minha presença em aniversários. O mais velho durante muitos anos achou que quem dava os presentes era meu marido. Apesar de ser eu quem corria atrás do lançamento do mais recente “Onde está Wally?” que ele tanto gostava. É que quando eu chegava nas festinhas dois terços das crianças já tinham ido embora e os outros estavam dormindo ou esparramados por ai suplicando para ir embora, com os olhinhos tão pequenos de sono que mais pareciam cicatrizes. Os brigadeiros estavam esmigalhados, os salgadinhos frios e o refrigerante, quente. Mesmo do almoço do dia 25 de dezembro eu não conseguia participar pois entrava na redação do jornal às 14 horas.
Eu sempre fui feliz na profissão e tive a infinita compreensão e o apoio da minha família. Mas reconheço que é uma profissão às vezes solitária. Por mais importante que achemos que o que escrevemos seja — e gosto de achar que no meu caso sempre foi — o retorno é relativamente pouco. Sim, a sensação de dever cumprido, de ter mudado algo é importante. Mas é fato que temos relativamente pouca resposta disso. Lembro quando a revista Veja publicava as porcentagens de correspondência que recebia pela forma como era encaminhada. Somando-se carta, fax, e outros, ficava a anos-luz de 1% de leitores que haviam se manifestado.
Bom, toda estas introdução (ou “nariz de cera”, para ficar no jargão jornalístico) para que vocês tenham uma idéia de como foi gratificante ter estado com muitos de vocês no sábado 5 de dezembro no encontro AUTOentusiastas. É sempre muito bom escrever para vocês, caros leitores. Mas estar cara a cara, ouvir seus comentários pessoalmente… bem, isso não tem preço.
Foram cerca de 200 pessoas ao encontro. Alguns leitores eu já conhecia pelo nome, outros nunca fizeram comentários mas estiveram lá e conheciam a todos nós e nossos textos, testes de carros — leitores fiéis, mesmo. Foram sozinhos, com esposas, filhos, irmãos, amigos. Todos dividindo a paixão por carros.
O lugar não poderia ter sido melhor. O Box 54 é uma espécie de parque de diversões para quem gosta de carros. Tem algumas motos belíssimas também e veículos de todo tipo, como caminhões antigos, ambulância e um blindado fantástico — queria um para andar no trânsito brasileiro. Encararia até o mais selvagem morro carioca ou o ladeirão do Morumbi com ele na boa e já o coloquei na minha lista de pedidos para o Papai Noel. Todos os veículos estão restaurados impecavelmente, até o mínimo detalhe. Uma variedade incrível de carros que começa na década de 1910. Tem de tudo, carros americanos, franceses, alemães, ingleses pois como diz o dono, ele gosta é de carros e não tem prefer6encia por nacionalidade ou marca.
E por falar em dono, o Marcos, que nos guiou na visita ao museu é uma figura. Fez toda a diferença ouvir dele os detalhes de cada carro e as histórias das restaurações. E, claro, as peculiaridades de cada modelo. Um verdadeiro AUTOentusiasta tanto na empolgação quanto nos conhececimentos — e como tem conhecimento. Conversar com ele é não perceber o tempo passar — de fato, saímos de lá sei lá a que horas. Parecia que o tempo havia parado.
Impossível escolher um único carro que tenha chamado a atenção dentro daqueles que estavam expostos no museu, mas me apaixonei pelo Jaguar Mk V conversível. E, diga-se de passagem, um dos poucos carros prata que encontrei no museu. Como eram variadas as opções de cor! E os nomes!. Super-criativos, nada de letras e números empilhados como se fossem códigos de batalha naval: Bel Air, Mach 1, Stingray, Ranchero, Thunderbird, Corvette.
Muitos leitores foram com carros antigos. Um festival de placas pretas. Vi Ranchero dos anos 50, Chevette conservadíssimo, Saab, Fusca impecável, Porsche, Passat, Gurgel… Um show de modelos, cores, nacionalidades de automóveis. Em comum, os presentes tinham aquele brilho nos olhos que caracteriza a todos os que curtem algo. Aqui, óbvio, eram os carros. As pessoas comentavam, abriam capôs, portas, admiravam cada modelo. Trocavam experiências. Mesmo nos intervalos para um lanche em volta dos “food trucks” o assunto e a empolgação eram os mesmos.
Não vou lembrar dos nomes de todas as pessoas com quem conversei — desculpem, falha minha. Sou anotação-dependente e como não fiz isso, corro o grande risco de esquecer. Mas Leandro e esposa, que já tinham estado no outro encontro, Ricardo Biasoli (novamente presente), Marcus Lahoz, RoadV8Runner (finalmente nos conhecemos), o leitor que me abordou perto dos sorteios e com o qual tirei uma foto, são tantos nomes… Aliás, aguardem fotos e vídeos mais completos sobre o encontro em breve.
É a esse retorno que me refiro que nos falta quando digo que a atividade de jornalista é um pouco solitária. Mas no sábado lavamos a alma. Que venham outros encontros.
Mudando de assunto: Ainda sobre os parklets, acabei não comentando que em Buenos Aires e Montevidéu tem essas intervenções, assumidamente como extensões dos bares e restaurantes, sem blá blá blá de convívio público nem marquetingue eleitoreiro. Mas são poucas, apenas nas esquinas e lembrando que são duas cidades com ruas bastante mais largas do que as de São Paulo. E com muitas mais praças públicas bem cuidadas, ou seja, uma coisa não substitui a outra até porque não faria sentido. E minha mãe, sempre ela com sua lógica de Ciências Exatas, me lembrou que nenhum fluxo é melhor do que em sua parte mais estreita – ou seja, se estas intervenções estiverem em locais onde não haveria carros estacionados eles, por si sós, já prejudicam o trânsito. Assim, se numa rua passavam, sei lá, 100 carros por hora, com o parklet passam, fácil, somente 60 ou 70 carros por hora, atrapalhando o trânsito. Ou seja, missão cumprida.
NG