A cada novo lançamento de carros esportivos vemos números mais e mais impressionantes. Os tempos de aceleração cada vez são menores, as velocidades máximas são maiores e os elogios aos pacotes tecnológicos são de brilhar os olhos de qualquer entusiasta. Na verdade nada mais é do que o mínimo que se espera, pois a evolução da engenharia é traduzida nestes números. Mas apenas os números podem dizer alguma coisa?
Sim e não. Números são as medidas quantitativas dos fatos. Um carro que chega a 305 km/h é mais veloz que um que chega a 300 km/h, assim como um que acelera de zero a 100 km/h em 4,9 segundos é mais rápido que um que demora 5,0 segundos. Simples assim. Mas convenhamos, 5 km/h em 300 km/h e 0,1 segundo em aceleração não é nada, são apenas dados exatos para deleite e tiração de sarro tipo “o meu é mais rápido que o seu!”.
Uma coisa que os números não mostram é o prazer ao dirigir. É perfeitamente possível que em um comparativo um carro com valores de desempenho inferiores possa ser mais agradável ao dirigir que um mais rápido, mais veloz ou mais eficiente. Vai do gosto de cada motorista e também dos seus valores, o que se julga “melhor” ou “pior” em um carro.
É inegável que todos os automóveis evoluíram muito nos últimos anos, e os esportivos são o que mais demonstram os avanços justamente com os números. Não apenas em desempenho, mas em eficiência os carros também melhoraram. Hoje em dia temos Porsches e Lamborghinis que poluem e consomem menos que carros de passeio normais classificados como econômicos de alguns anos atrás.
Não precisamos ir muito longe para entender um pouco da evolução dos esportivos. Carros como Ferraris, Bugattis, Paganis e afins estão em outro patamar, a tecnologia empregada e o custo são diferenciadores que por si só justificam os números de desempenho cada vez mais impressionantes. Mas justamente neste nicho, os números por si só não indicam tanto o que estes carros melhoraram ao longos dos anos.
Apenas para comparação, um Ferrari F40 de quase trinta anos atrás acelerava de zero a 100 km/h em 4,1 segundos e chegava a 324 km/h com um motor V-8 de 3 litros biturbo de “apenas” 478 cv a 7.000 rpm. Hoje o modelo topo de linha LaFerrari, com quase 1.000 cv (963 cv) combinados do V-12 6,2-litros de 800 cv a 9.000 rpm com a motorização elétrica, faz 0-a-100 km/h em 3 segundos e chega a pouco mais de 350 km/h.
Vendo apenas isto, poderíamos afirmar que pouco se evoluiu na marca italiana, o que não é verdade. O F40 era rápido sim, mas não tinha absolutamente nada dentro dele. Era apenas um motor, uma carroceria de kevlar e dois bancos. Não tinha assistência de direção e tampouco servo-freio. Hoje o LaFerrari é infinitamente mais sofisticado, mais usável e dócil. Se colocarmos os dois carros em um circuito, não há dúvidas que o modelo atual dará um banho no seu ancestral.
Um comparativo que me chamou muito a atenção, que ao meu ver é bem mais realista e podemos tirar boas conclusões, foi um teste feito pela revista Road & Track americana (setembro/2014) onde colocaram frente a frente duas gerações do BMW M3, um modelo E30 (primeira geração) e um F80 (geração atual).
O M3 é desde seu nascimento o benchmark, a referência dos sedãs esportivos. Todos os fabricantes miram no M3 quando estão desenvolvendo seus respectivos carros com a mesma vocação. O atual M3, que na verdade agora chama-se M4 na versão duas-portas e M3 apenas na quatro-portas, é o primeiro a ter motor turbo na sua família, entrando no time dos motores menores e mais eficientes.
Não é de se estranhar que a primeira reação ao se falar que colocaram um M3 antigo contra um novo seria injusto, pois o novo é muito mais potente e moderno, porém o M3 de 1987 usado na reportagem é um modelo de corrida do Grupo A da categoria Turismo. Seu motor quatro-cilindros de 2,3 litros e aspiração natural gera incríveis 325 cv a mais de 8.000 rpm. O M3 moderno abandonou o V-8 aspirado para adotar a superalimentação com o motor seis-em-linha de 3 litros e 430 cv.
A proposta do teste era ver qual seria a diferença de tempo de volta dos dois carros em um circuito de corrida, no caso a pista americana de Mid-Ohio. O F80 de rua foi mais rápido (1:38,7 min contra 1:39,0 min) que o carro de corrida, mas por muito pouco. Em dois dos três setores da pistas o E30 era mais rápido, mas no trecho de maior velocidade o F80 aproveitou os 100 cv a mais para recuperar o tempo perdido nas curvas.
Este teste nos mostra alguns pontos muito curiosos. O primeiro é que o M3 normal de produção evoluiu ao ponto de se igualar ao máximo de desempenho possível de um M3 de 28 anos atrás para aquela condição de pista. Se fosse outra pista, mais rápida ou mais técnica, o resultado seria diferente tanto a favor de um como de outro, mas ainda assim seriam próximos.
O E30 usou pneus slick, de corrida, enquanto que o F80 andou com seus pneus de rua originais. Este foi um elemento que evoluiu muito ao longo dos anos. Os pneus são muito importantes para ditar os limites dinâmicos de um carro, e hoje temos pneus de desempenho excelentes. O acerto de suspensão do E30 é firme, apenas para ser usado em corrida. Hoje, com uma suspensão confortável, o M3 moderno anda junto.
Podemos pensar que o F80 andou um pouco mais rápido que o carro de corrida por conta do motor mais forte e nas acelerações por conta do turbo, mas o texto fala que em velocidades abaixo de 160 km/h e nas saídas de curva o desempenho dos dois carros era praticamente o mesmo. Ou seja, a velocidade final de reta foi um diferenciador a favor do carro moderno, não a aceleração.
É legal imaginar que hoje temos no mercado um carro com o desempenho igual ao de um dos melhores carros de corrida dos anos 1980, porém com bancos de couro, GPS, ar-condicionado digital, sistema de infotenimento completo e tantos outros recursos. Em contrapartida, todos estes itens fazem o peso do carro aumentar. O E30 de corrida pesa 950 kg contra 1.625 kg do F80 de rua. A relação potência-peso é bem diferente, 342 cv/t do E30 contra 264 cv/t do F80. Se o M3 moderno fosse mais leve, seria consideravelmente mais rápido.
Esse é um dos pontos principais, ao meu ver, do porquê os carros esporte atuais são similares em números de desempenho se comparados aos seus antecessores. O peso aumentou muito ao longo dos anos por conta dos recursos que foram sendo acrescentados aos carros em prol do conforto, usabilidade e segurança.
Muito dos investimentos em redução de peso, como uso de carbono e alumínio, são feitos para evitar que o peso aumente em demasia, e não para ser mais leve que os modelos anteriores, como pode parecer à primeira vista. O Audi A8, repleto de recursos e sistemas eletrônicos e com carroceria de alumínio pesava quase duas toneladas alguns anos atrás, imagine-se caso fosse feito de aço. Agora que está ocorrendo uma estabilização no peso dos carros e em alguns casos, redução. O F80 é anunciado como mais leve que a geração anterior, mas por muitos anos o padrão era só aumentar.
É tudo uma questão de equilíbrio. Carros com mais recursos tecnológicos são atraentes para a maioria dos usuários que querem conforto, mas são mais pesados e perdem o potencial de desempenho que poderiam ter.
Outro ponto que tem que ser considerado é que os números de desempenho melhoram pouco com o passar do tempo, mas muitos carros chegaram a uma condição em que é realmente difícil de se melhorar por restrições físicas. Reduzir o tempo de aceleração de 0-100 km/h de 10 segundos para 8 segundos é uma coisa, mas baixar de 3 para 2,8 segundos é outra completamente diferente.
A dificuldade de vencer as barreiras impostas pelas leis da física são exponenciais, não lineares. Não é à toa que o McLaren F1 precisou de 627 cv para chegar a 386 km/h e o Bugatti Veyron usou 1.001 cv para atingir 407 km/h. A potência necessária foi quase 60% maior para a velocidade aumentar só 5%. É a restrição física. Entretanto, todas as publicações contam que chegar à velocidade máxima do McLaren é uma experiência assustadora e para poucos pilotos habilidosos, enquanto que no Veyron é tranquilo e pode ser feito por qualquer um com o mínimo de noção. Isto é evolução. Fazer algo similar porém de maneira mais eficiente, com mais segurança. Melhor.
Os carros melhoraram muito ao longo dos anos, é fato. São mais rápidos, mais eficientes e bem mais equipados. Temos carros tão rápidos quanto antigos carros de corrida ao mesmo tempo que são muito mais sofisticados que os melhores automóveis da mesma época. As expectativas dos clientes pedem recursos que os fabricantes não podem negar para se manterem no mercado competitivo. É a evolução natural, mas se me perguntarem se prefiro dar uma volta em um LaFerrari ou um F40, fico com o F40.
MB