Dezembro é tradicionalmente o mês em que os fabricantes se esforçam para fechar números na corrida para atingir as metas traçadas para o ano ou mesmo para consagrar liderança em um ou outro segmento, e muitos acabam apelando um pouco além do que permite a criatividade — e olhem que aqui na terra brasilis já se viu de tudo — e a prática do rapel tornou-se carne de vaca. Não muito diferente de um “copy and paste” do que os mesmos fabricantes praticam em outros grandes mercados, diga-se de passagem.
No mês passado venderam-se 220.845 automóveis e comerciais leves, ou 9% do total do ano, que fechou em 2.476.904 unidades. Eu havia antecipado em novembro que a injeção de dinheiro do 13º salário na economia permitia apostar em até 240.000 emplacamentos no último mês do ano, superior, portanto às projeções pouco mais conservadoras da Anfavea de 190.000, e o número final ficou quase no meio entre minha estimativa e a da entidade. Porém, uma queda de 25,6% sobre o total de 2014 confirma que 2015 foi um desastre inédito para o setor automobilístico nacional, uma ano sem deixar mesmo saudade.
Na análise das vendas por região, o sul do país mostrou-se pouco mais castigado que as demais, -31%, com a região norte sentindo um tombo menor, -19%.
Considerando que tivemos 20 dias úteis em dezembro, a média diária de emplacamentos ficou em 11.042, o que pode parecer um alívio, mas é ruim para o último mês do ano.
Procura-se antiembaçante para bolas de cristal ou estas em versões digital full HD
No país dirigido pela doutora Dilma & tigrada tem-se abusado do discurso oficial de que “a terrível crise financeira internacional” acabou por contaminar a economia brasileira sem que eles tivessem se dado conta a tempo de fazer algo. E que se deram conta somente após novembro de 2014, mês em que as eleições majoritárias e presidencial acabavam de se definir. Os números de variação de PIB de todos os países afetados por essa “terrível crise” vêm numa sequência de crescimento robusto e positivo desde 2011 ao menos, mas num lance de mágica trágica estes conspiraram de forma imperceptível para reverter o sinal do PIB tupiniquim para o negativo justamente em 2015.
Uma mentira contada milhares de vezes sucessivamente pode até se tornar verdade e já vingou em algum ponto da história de certos países ao longo do século 20, em que a chegada primeiro do rádio e depois da TV tornaram possíveis e fáceis massivas propagandas oficiais, que por sua vez turbinaram as influências nos imaginários e crenças populares, mas esta da equipe da doutora não está colando e não dá sinais de que irá engatar na compreensão nacional. Assim, sobram descrédito e desconfiança internos e externos.
Em dezembro, outra agência internacional de avaliação de risco (Fitch) nos retirou o grau de investimento, despejando nova onda de pessimismo, que se agravou com a troca de comando no Ministério da Fazenda. Empenham-se agora em provar que o novo titular da pasta não é um homem daquele grupo das pedaladas fiscais, que por sua vez fundamentaram o processo em andamento para impeachment da chefe do executivo. Às vezes prefiro crer que focinho de porco é tomada mesmo.
Mas, na conta tardia destes, as ações já postas em prática em conjunto com as que estão em discussão com o legislativo para fazer frente a essa crise econômica interna têm-se mostrado tímidas ou de efeito nulo, principalmente quando se trata de redução de despesas para que o orçamento federal se ajuste às receitas diversas.
Paradoxalmente, às tímidas ações no campo econômico, ações políticas para evitarem o impeachment (que a doutora Dilma vem chamando de “golpe”) demonstram vigor inusitado, articuladas com avidez entre executivo e judiciário no apagar das luzes de 2015, enquanto que as lideranças do legislativo têm lhes mostrado os dentes e a faca, e assim entramos no novo ano. Os tombos nas atividades econômicas nos mais diversos setores de produtos e serviços em todo o país nos revelaram uma dura realidade: a economia pode parar, mas a má política autodestrutiva não.
Engrossa o caldo de incertezas o fato de o principal partido do governo defender menos empenho fiscal e mais despesas públicas, na contramão do que vinham tentando o doutor Levy e turma econômica. Talvez a nomeação de um novo titular na pasta da Agricultura torne possível um gigantesco programa de plantio de árvores que deem dinheiro, revertendo as ações dessa “conspiração econômica internacional” e trazendo de volta os níveis de consumo que faziam feliz a vida dos brasileiros.
De maneira inédita, com ou sem impeachment, passou a ser um ingrediente adicional nas variáveis usadas pelas empresas para seus planejamentos orçamentários e de produção e vendas para 2016, além dos tradicionais cenários macro e microeconômicos. Sem especificar detalhes, as projeções apresentadas pela Anfavea na coletiva quinta-feira última (7/1) apontam para nova queda de licenciamentos sobre 2015, de 7,3% para veículos leves e quase o dobro disso para pesados (-13,9%). Creio que a aposta deles foi na manutenção do quadro político, como convém. Vendas em mais um ano de declínio porque outra variação negativa do PIB é esperada, provavelmente em grandeza inferior aos 3,5% do ano que se encerrou, porém a entidade não especificou qual premissa de Produto Interno Bruto foi usada para os seus números de produção e vendas. Enquanto bolas de cristal em alta definição não chegam, é melhor usarmos estas projeções com algum resguardo e traçarmos planos B e C.
Conheço estudos de econometria que buscaram e acharam certa correlação entre PIB e crescimento de mercado interno de veículos, mas ela é outra quando lidamos com crescimento negativo. Nos comerciais pesados há uma razão mais direta, por se tratarem de bens de capital, porém tanto estes quanto automóveis de passageiros e comerciais leves seguem fortemente dependentes do índice de confiança do consumidor, que insiste em se manter tão baixo como foi ao longo de todo 2015.
Conta-se com certa estabilidade na concessão de crédito ao consumidor, ou seja, os demais fatores que poderiam influenciar positiva ou negativamente o mercado mantém-se inalterados. Mas além dos reiterados e pouco confiáveis discursos oficiais, nada mais se viu para resgatar essa necessária confiança e, a prosseguir indefinidamente o excesso de oratória e carência de ações concretas, 2016 já foi também para o beleléu.
A Anfavea espera um crescimento das exportações dos fabricantes beneficiados pela desvalorização cambial, expectativa da qual compartilho, um crescimento em unidades da ordem de 7~8%. O câmbio próximo ou superior a R$4 por dólar também deve conter mais um pouco a importação de veículos e com isso, nosso mercado veria certa substituição de importados talvez por nacionais premium que acabaram de se instalar, como Audi, BMW, Land Rover e, neste ano, a fábrica da Mercedes em Iracemápolis, no interior de São Paulo. Novamente, ante a tanta incerteza e turbulência, projetar manutenção dos níveis de produção estabilizados em 2,33 milhões de veículos leves pode até ser considerado como uma ousadia da sempre conservadora entidade.
Quem ganhou e quem perdeu em 2015 e ranking do ano
O ano teve trocas importantes no ranking de vendas e em mais de um segmento. O Chevrolet Onix, cujo ritmo de emplacamentos no último semestre já anunciava fecharia o 2015 como o novo líder do mercado nacional, confirmou os prognósticos e totalizou 125.058 unidades vendidas. Fiat Palio terminou em segundo, com 121.535. Porém, para não deixar margem ao acaso, a turma da GM parece ter se esforçado pouco além do necessário, os números da análise mostram que em dezembro o novo líder emplacou 11,4% do seu total do ano, enquanto a média nacional ficou em 8,9%.
Entre os 25 mais vendidos, ninguém teve um dezembro tão forte como o Onix, mas outros que figuraram melhores que a média, como Prisma (10,4%) e Sandero (10,3%) podem indicar houve esforços pouco usuais de vendas. Normalmente quando há rapel em dezembro, ele cobra seu preço nos meses que seguem, nota-se queda substancial de emplacamentos, pois os revendedores tratam de empurrar os veículos faturados já emplacados ao mercado. Portanto, aguardemos janeiro e fevereiro, quando poderemos ver se esses esforços serviram apenas para fazer bonito no ranking ou se também ajudaram aos fabricantes a se desfazerem de estoques que insistem em se manter superiores a 52 dias.
Na esteira do Onix, seu irmão, o Prisma, também fez bonito e tomou o posto de sedã compacto mais vendido. Já falei bastante dos novos crossovers Honda HR-V e Jeep Renegade que tomaram a liderança desse segmento. Aqui cabe uma interessante observação: tanto o Honda como o Jeep podem parecer competidores diretos dos até então líderes Ford EcoSport e Renault Duster, no entanto ambos pertencem a uma categoria superior de preço, bastante superior. Trinta por cento dos Renegades são diesel, seu preço de tabela parte de R$ 100 mil e o tíquete de vendas médio supera R$ 115 mil, pois raros saem na configuração básica e há bastante conteúdo e equipamentos nos produtos vendidos; trata-se de outra categoria de preço. As versões flex do Renegade saem também com bastante recheio. Honda não tem versão diesel, mas no mix de vendas tem também 30% a 40% de versões EX completas que chegam a custar quase R$ 20 mil a mais que um EcoSport completo.
A Renault soube jogar rápido buscando se posicionar bem com versões mais despojadas e de preços mais competitivos e a Ford demorou um pouco mais, porém reagiu com a versão 1,6-L com câmbio robotizado de 6 marchas, o PowerShift do qual ela não quer falar mais. Resumindo, é como se o segmento de crossovers compactos passasse a ser dividido em duas subcategorias, dada a enorme distância de preços entre os novos entrantes e os contendores antigos — evidente que o público comprador seja distinto também na sua capacidade econômica.
Dezembro também viu a Renault e a Hyundai superarem a Ford no ranking de marcas mais vendidas em automóveis e comerciais leves e a GM tomar a liderança da Fiat. A marca sul-coreana já havia ensaiado essa ousadia uma vez este ano, em outubro, e repetiu a dose dois meses depois. A marca francesa figurou em 5º lugar, em parte graças ao bom começo de sua picape Duster Oroch. Jeep tomou o nono posto da Nissan. A Ford apresentou desempenho atipicamente baixo para o último mês do ano.
O mercado brasileiro encolheu 1,2 milhão de unidades quando comparamos 2015 com o seu auge em 2012. É muito. Nesse período vieram novas fábricas que consolidaram os seus investimentos aqui em aumento de capacidade instalada. Este ano lhes deu uma ducha de água fria, mas não é só isso.
Sergio Marchionne, o mandão da FCA, quando questionado certa vez por jornalistas especializados por que havia decidido congelar investimentos nos segmentos B e C no mercado europeu, não renovando seus produtos Fiat Punto e Bravo, respondeu à indagação de forma fria e matemática: “Colocar dinheiro em projetos para vender metade por que o mercado se contraiu não faz sentido financeiro, não teríamos o payback a tempo de termos de lançar os seus substitutos, que demandariam mais capital, seria como enterrar dinheiro”. Criticou alguns de seus concorrentes que arriscaram na renovação de produtos bem no meio da crise que a Europa enfrentou em 2008-2009 e tiveram duros reveses, cambaleando financeiramente e recebendo socorros financeiros de seus governos.
Usando dessa analogia para estes lados, os fabricantes locais que já tem projetos em fase avançada para lançarem neste ano ou em 2017, não tem como adiá-los ou cancelá-los e ficar em compasso de espera até que o volume volte. Mas aqueles projetos que se encontravam no início, para lançarem em 2018 ou 2019, se veem arriscados de cancelamento e voltaríamos à era dos face-lifts eternos. Portanto, os lançamentos aguardados para este biênio, começando com Fiat Toro, VW Gol e Voyage face-lift, Fiat Mobi (nome já confirmado), Onix e Prisma face-lift, Nissan Frontier para 2016 e outros, estão assegurados.
Curiosamente, a GM anunciou os investimentos nos substitutos dos Onix/Prisma, Cobalt e Spin há questão de alguns meses, justamente para após o furacão da crise, sem a visibilidade de quanto do mercado haverá retornado. Com lançamentos planejados a partir de 2019, teve de tornar o anúncio público, presumo porque apanhou dinheiro da viúva (BNDES) para financiá-lo e nesse caso a publicidade do programa torna-se obrigatória. Estes projetos seguem seu cronograma e adiá-los à espera do mercado não lhes é possível, há compromissos firmados a devolver à viúva lá na frente. Por ser uma das três grandes, esse fato pode forçar os seus concorrentes a reverem suas estratégias de congelamentos em novos investimentos, a menos que decidam arriscar enfrentar produtos novos e atuais com dinossauros daqui a três ou quatro anos.
Vejo isso de forma positiva, afinal o comprador sempre quer novidades e mais tecnologia com preços competitivos, lançamentos agitam o mercado, convidam o consumidor à troca, enfim, vão na contramão do pessimismo e marasmo. E a crise vai embora algum dia, seguramente irá.
Feliz 2016 ao leitor e até o mês que vem.
MAS