A derradeira semana do Teste de 30 dias do AE com o Citroën C4 Picasso Intensive foi cumprida rodando a totalidade do tempo em cidade, o que deu oportunidade para definitivamente comprovar aquilo que desde o começo pareceu ser uma das maiores qualidades do modelo: a economia de combustível. Para um observador mais apressado esta afirmação pode não soar coerente ao conferir a média de consumo final do teste, de 8,11 km/l em 1.993 km rodados. A cifra parece apenas razoável, não excepcional. Porém, e como sempre nesta avaliação de 30 dias, é importante lembrar que a quase totalidade dos percursos urbanos é feita na zona oeste da capital paulista, região montanhosa, onde uma via plana é algo raro.
Outro aspecto é que nesta época do ano, verão, o ar-condicionado raras vezes é desligado, o que sempre contribui para um maior consumo. E para piorar há a predominância de trajetos curtos, de menos de 5~6 km, invariavelmente intercalados por longos períodos de parada. Este tipo de utilização não facilita em nada a vida do motor, que como se sabe ofereceria seu melhor rendimento se utilizado dentro de uma temperatura de exercício estável. Relativamente volumoso, com grande área frontal e pesar quase 1,5 tonelada em ordem de marcha são outros itens que não ajudam na parcimônia com o combustível que contém mais de ¼ de álcool em sua composição. E por causa disso a afirmação de que a economia é um ponto alto do modelo merece mesmo ser destacada.
No que mais ele se destacou? Em conforto e silêncio de marcha, em praticidade na condução e em versatilidade de uso. Quem viaja no Picasso viaja bem, quem dirige o Picasso o faz feliz. A resposta dinâmica do modelo é bem superior ao antecessor seja pela maior “pegada” do motor, como por conta do câmbio de seis marchas, e certamente essa minivan merece estar na lista de quem procura um carro espaçoso, moderno e eficiente em diversos aspectos. Como tudo o que é bom, ele se faz pagar, custando nesta versão-topo cerca de R$ 140 mil. Os que não fizerem questão de muitos dos “adereços” presentes no C4 Picasso usado neste teste pode pagar algo como R$ 111 mil e ter certeza de que, na essência, estará ainda comprando um carro bem seguro, competente, sem alguns itens nada fundamentais, opcionais sobre os quais já falei nos textos anteriores.
Como é usual no Teste de 30 dias do AE, a semana derradeira teve a participação de Alberto Trivellato, o “capo” da oficina paulistana Suspentécnica que contribui analisando o C4 Picasso do ponto de vista técnico. Alberto não faz parte dos que se deixam seduzir por soluções técnicas contracorrente, inovadoras ou vanguardistas, como queiram. Homem de oficina, para ele a boa solução é a prática, simples e eficiente e por isso há alguns anos ele festejou algumas escolhas da marca francesa que apesar do mote — Créative Technologie —, resolveu simplificar a vida de usuários (e de quem faz manutenção) dos Citroën. Uma delas, marcante, foi tornar as suspensões Hydractive exclusividade de modelos de alta gama, C5 e C6 por exemplo, deixando aos Xsara, Xsara Picasso, C3, C4 e C4 Pallas soluções mais feijão-com-arroz ou seja, McPherson na dianteira e eixo de torção atrás.
Levantando no elevador esse C4 Picasso de nova geração, o que se vê é exatamente o que agrada a Alberto, o feijão-com-arroz bem feito. Sim, poderia haver uma suspensão multibraço na traseira? Claro, mas qual a razão disso em uma minivan familiar sem pretensões esportivas? É este o ponto defendido por Trivellato, reservar a sofisticação técnica onde ela é necessária.
O profissional apontou itens importantes nas entranhas do C4 Picasso, como a robustez das bandejas da suspensão dianteira, o bom isolamento do sistema de escapamento e a aparência ordenada da parte inferior. Mas também estranhou a peça plástica que serve de proteção ao conjunto motor-câmbio parecendo ter sido cortada. Segundo Alberto, essa pode ser uma característica exclusiva do C4 Picasso vendido no Brasil, onde o clima mais quente exigiria que o compartimento recebesse maior ventilação apesar do prejuízo aerodinâmico que, como se sabe, é muito importante inclusive na parte inferior dos veículos. Sob este ponto de vista, o C4 Picasso mostra pertencer a uma geração moderna, com poucos pontos geradores de arrasto indevido, coisa que fica evidente especialmente olhando para como o para-choque traseiro está unido a um acabamento plástico para evitar o efeito “paraquedas”.
A observação da carroceria — pontos de solda, junção de chapas e a uniformidade das frestas entre as portas — mostra que o C4 Picasso tem uma montagem cuidadosa, de qualidade, coisa que segundo Trivellato também está presente no interior, com plásticos e forração de boa aparência. Todavia, neste ambiente interno o colaborador fez duas observações: a grande quantidade de texturas diferentes e o fato dos bancos serem revestidos parte em couro, parte em tecido. Não é deselegante, não há mau gosto, mas sim grande quantidade de informação visual. Há que goste, há quem se incomode.
Em um breve giro por ruas e avenidas do entorno da oficina, o silêncio de marcha foi perturbado por um suave rangido na suspensão dianteira, algo que foi definido como sendo um detalhe exclusivo da unidade e não comum a todos os Picasso. Porém, a batida seca da suspensão traseira ao encarar buracos ou irregularidades que mencionamos na primeira semana de uso é uma consequência do projeto, segundo Alberto. Para ele, a escolha por um ajuste de suspensão que privilegia conforto e maciez tem seu preço. A tal batida será confundida com um fim de curso de suspensão, mas não é. Trata-se da opção dos técnicos em ancorar o eixo de torção ao monobloco por intermédio de elementos elásticos que cedem a ponto de causar um “estalo” no limite. Na Europa, mercado preferencial deste Citroën, ouvir esse incômodo será raro em função da pavimentação melhor. Já aqui… Para anular este ruído, a especificação das borrachas deveria ser diferente, o que acabaria reduzindo o elogiado conforto de marcha. Não se trata, portanto, de um problema ou defeito, mas de uma característica que só se manifesta ao transpor irregularidades muito pronunciadas.
Um elogio mereceu a escolha da medida de rodas e pneus, sem exageros nem em largura de pneus nem em perfil excessivamente baixo (205/55R17), segundo Trivellato. No dia de sol forte colaborador notou o reflexo das bocas de saída de ar do para-brisa refletidas no vidro, o que é incomodo mas é consequência do para-brisa tão inclinado e amplo que é impossível eliminar totalmente este tipo de inconveniente.
Alberto Trivellato finalizou sua análise perguntando sobre o comportamento em estrada, em velocidades acima dos 100~120 km/h de lei, e se o ajuste macio da suspensão não implicava em um excessivo balanço nas mudanças rápidas de trajetória. Ante a resposta negativa, mencionou como parceiro para minimizar tal sensação o bom desenho dos bancos, capazes de compensar a natural tendência de um carro de suspensões macias no qual o condutor se senta a uma distância do solo maior do que em carros normais. Os efeitos negativos deste alto centro de gravidade são compensados por uma eletrônica eficaz.
Acabada a visita a oficina e a observação do profissional, a reflexão sobre estes 30 dias de convívio é amplamente positiva. Comparado ao C4 anterior, esse atual preserva o que era bom e acrescenta melhoras fundamentais, especialmente no aspecto dinâmico, obra e graça do motor mais moderno, potente, “torcudo”, e do câmbio com seis marchas. A passagem do 2-litros aspirado de 143 cv ao 1,6-litro turbo de 165 cv deu mais fôlego a esta minivan, resultando em melhores acelerações e significativa economia, coisa que, como já dito, tem a não indiferente colaboração de um câmbio que passou de quatro para seis marchas.
Espaçoso, seguro e bonito — mais de um comentou sobre a evolução estética do modelo — este Citroën C4 Picasso tem contra ele a malvadeza do preço elevado em uma época em que as pessoas precisam pensar muito antes de gastar. Outro entrave a vermos mais C4 Picasso nas ruas do Brasil vem da moda, que parece ter nos suves a destacada preferência em nosso mercado. Comentários de quem se interessou pelo C4 Picasso apontam para dois “rivais”, o alemão Audi Q3 e o sul-coreano Hyundai ix35, que em algumas versões oferecem menor performance e sofisticação técnica que o C4 Picasso, mas compensam com uma aparência robusta e suposta maior capacidade de encarar terrenos ruins. Seja como for, uma coisa é certa: o C4 Picasso agradou muito e merece ser cogitado por quem precisa de espaço, valoriza segurança, tecnologia e ótimo desempenho global.
RA
Citroën C4 Picasso Intensive
Dias: 30
Quilometragem total: 1.993 km
Distância na cidade: 1.111 km (55,7%)
Distância na estrada: 882 km (44,3%)
Tempo ao volante: 76h57min
Velocidade média: 25,9 km/h
Consumo médio: 8,11 km/l
Melhor média: 15,9 km/l
Pior média: 4,7 km/l
Litros consumidos: 245,5
Custo: R$ 887,16 (média do litro R$ 3.61)
Custo do quilômetro rodado: R$ 0,44