Muitos leitores não sabem, mas nós recebemos aqui no AE centenas de consultas por e-mail com algumas opções de carros e nos perguntando qual seria a nossa recomendação. Temos uma resposta muito clara para isso: não podemos recomendar nenhuma marca sobre outra por questões éticas. E também não devemos dar nossa opinião pessoal, pois ela assim seria e pode não bater com a de quem está perguntando.
Seria possível demonstrar que um carro pode ser “melhor que outro” através de comparativos muito criteriosos. mas ainda assim isso não seria suficiente para garantir que se faça a melhor opção de compra, tamanha é a variedade de elementos que podem ser considerados pelo consumidor. Além das características técnicas e do design, elementos como valor de revenda, atendimento na concessionária, disponibilidade de peças, preço de ocasião, cor disponível e outros têm pesos mais ou menos importantes para cada um, quer concordemos ou não. E algumas vezes, mesmo com a maioria dos pesos negativos, compra-se um carro apenas porque se gosta dele.
Existem muitas publicações que dão notas para cada critério técnico, para alguns critérios subjetivos, e para outros aspectos, como valor de revenda, cesta de peças e seguro. Aí a grande maioria das pessoas vai lá no resultado final e vê o grande vencedor. Mas uma pessoa pode dar um peso maior ao espaço interno do que ao desempenho, por exemplo, e outra muito mais importância ao desempenho do que ao consumo. E assim o resultado final poderia ser diferente.
Eu já presenciei pessoas escolhendo entre dois carros pela cor! Ou escolhendo carro para acomodar o carrinho do bebê. Eu já disse isso antes por aqui e repito: primeiro se compra o carro e depois o carrinho do bebê. Existem carrinhos de bebê de todos os tamanhos. A ordem inversa não faz sentido. Ao menos para mim. Mas se faz para alguém, como eu posso recomendar um carro para essa pessoa?
Coisas desse tipo também me intrigam e vou usar um exemplo real para facilitar. Quando eu estava testando o Mégane R.S. naquele amarelo brilhante, com rodas grandes, escapamento ruidoso, bancos tipo concha e suspensão rebaixada, a primeira pergunta que surgiu em muitas ocasiões foi: “Qual é o consumo?”. Antes mesmo da pessoa saber qual o motor! Isso dá um desânimo… Minha resposta sempre foi um sonoro “Não sei!”.
Ainda há aqueles que pedem uma indicação. Há um certo tempo um casal amigo me veio com três carros. Eu coloque eles em ordem sendo “melhor” o primeiro, e no caso o “muito ruim” o último. Passado alguns dias eles me aparecem com o último! Eu dei os parabéns pelo carro novo. Que sejam felizes. E a chance se ser é grande.
Uma amiga da minha esposa me deu a missão de encontrar um carro para ela. Ficamos uns quarenta minutos conversando, eu apontando um modelo de cada vez e ela contra-argumentando a cada um. O que ela não sabia era que minha esposa já tinha me dito o carro que ele queria, mas não tinha certeza que caberia na sua garagem. Eu não apresentei a ela o caro que ela queria e ao final recomendei que ela ficasse com o carro que ela tem. Claro que ela se irritou (quando na verdade eu é que deveria ter ficado irritado, rsrsrs). Bem, aí apontei o carro que ela queria e concluímos que o melhor seria ela fazer um test-drive até sua casa e tentar parar o carro na garagem.
Bem, tanto essa amiga quanto o casal já estavam decididos antes mesmo de perguntar. Mas algumas pessoas precisam de um endosso. E o curioso é que mesmo quando um “especialista” faz uma recomendação contrária elas ainda assim insistem. Com já estou bem escolado, não argumento muito e prefiro que a pessoa compre o carro que gosta. Se for um carro que tenha alguma característica negativa (cada vez mais raro), apenas faço o alerta
Recentemente eu e o MAO tivemos uma boa discussão conversando sobre um carro que ambos testamos. Ele não gostou, e eu, apesar de não ter achado o melhor do segmento, tive um enorme prazer ao volante e, assim, gostei.
Fiquei imaginando o que nos levaria a ter opiniões distintas, e até se eu deveria mudar a minha. A conclusão que cheguei é que temos um histórico e expectativas diferentes. Nossos prismas diferem. Ele foi muito mais racional e eu fui muito mais emocional. Com certeza essa discussão serviu para fazer uma matéria melhor.
Uma das coisas que autoentusiastas adoram fazer é discutir sobre carros. Mas uma coisa é discutir sobre aquilo que se lê, e outra é discutir sobre um modelo que se possui ou que já tenha andado. Ou ainda que se deseje muito.
O recente caso do Golf MSI trouxe muito essa discussão (e por favor, a ideia aqui não é ressuscitar essa polêmica) . Muitos entenderam o que foi descrito na matéria, e muitos outros, que têm pesos diferentes para alguns critérios, se recusam a aceitar que esse carro esteja no mercado. Certamente esse carro não é para eles. O que não invalida que possa haver interessados no status, qualidade, e conforto, boas qualidades desse modelo. Mencionei esse caso porque sei que é muito mais fácil propagar uma crítica do que propagar a verdade. E isso seria injusto com os que pudessem ao menos considerar a compra do MSI. Isso sem contar que dirigi o carro durante o teste do Bob e, de fato, gostei o carro.
Nesse dois últimos casos, do MAO e do MSI, há opiniões divergentes em relação aos modelos. E por quê? Simplesmente porque a compra de um carro não é apenas uma questão de se ele é bom ou não, se é melhor ou pior, se é perfeito ou tem problemas. Não é uma questão só objetiva.
Essa decisão é uma combinação de aspectos objetivos, a razão ou que que podemos chamar de qualidade. E também de aspectos subjetivos, a emoção, que chamamos de apelo. Quando a avaliação da qualidade e do apelo é muito positiva não temos dúvida e a única variável é o tamanho do bolso. Quando alguma uma das duas é muito positiva e a outra negativa, ainda temos bons argumentos para justificar a escolha. E quando as duas são muito fracas, a única variável é o bolso, ou então é melhor sair de fininho…
Com relação aos testes, nós devemos sempre ser o mais objetivos possível. O que não nos impede de apresentar aspectos subjetivos. Isso é bom e através dos comentários as matérias são muito enriquecidas. Dificilmente existe um modelo onde há uma unanimidade. Justamente porque cada um de nós é diferente. Até mesmo em um grupo mais homogêneo como essa nossa comunidade AE.
Bem, como veículo de informação, o AE deve sempre prezar pela melhor descrição objetiva possível, e sempre sem ignorar carga de emoção acrescentada durante os testes. Daí a importância em, de fato, dirigir os carros. Porém a decisão final deve sempre ser do leitor ou consumidor, que tem seus próprios pesos e necessidades. Nós nos esforçamos em proporcionar elementos suficientes para que essa decisão seja satisfatória.
O que nos orgulha muito é que mesmo que não façamos nenhuma recomendação direta, muitos leitores também nos escrevem dizendo que se decidiram por determinado modelo após ler uma avaliação ou assistir um vídeo do AE.
Paulo Keller
Editor-geral
AUTOentusastas