Desvendando uma etiqueta de qualidade com um Fusca decorado como um rato — um Mouse Car: Fusca vende de tudo e isto no mundo inteiro, sua imagem confiável vende até serviços de combate a pragas. Confira esta intrigante história.
Um bom tempo atrás, fazendo compras semanais no Empório Chiapetta do Shopping Eldorado, aqui mesmo em São Paulo, deparei-me com a etiqueta abaixo, colada na parede ao lado do caixa:
Depois disto comecei a ver estas etiquetas em muitas lojas e restaurantes. Elas me chamaram a atenção e, de tanto vê-las, fiquei curioso e resolvi escrever a respeito disso.
Entrei no site indicado na etiqueta e a história começou a ser deslindada. Não que se pretenda fazer merchandising de uma empresa, mas é que a história se desenvolve através dela.
Tudo começou em 1938, em Miami, na Flórida, EUA, ainda em plena Depressão, quando Truly Wheatfield Nolen fundou uma empresa chamada Truly Nolen Pest Control. Hidrocarbonetos clorados, desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial, dariam início à era moderna dos pesticidas. Em 1955, Truly David Nolen, filho de Truly Wheatfield, fundou sua própria companhia em Tucson, Arizona, naquele país. Estas empresas trabalharam isoladamente até que em 1960 se fundiram numa só, familiar, que permanece existindo com enorme sucesso internacional até hoje.
A Truly Nolen Pest Control iniciou seus trabalhos com diferentes carros. Em 1950 ela passou a usar carros antigos para fazer propaganda — procedimento realizado até os dias de hoje. Como exemplo temos este Ford Modelo T 1918 pintado em amarelo, que é a cor padrão dos carros da empresa até os dias de hoje — este carro está em display de rua em Tucson. Aliás é lá que fica a oficina central de restauração dos carros antigos que são usados como displays de propaganda da Truly Nolen, que tem várias outras oficinas similares espalhadas pelos Estados Unidos. Os carros são mudados constantemente de lugar e de tempos em tempos são recolhidos para manutenção, já que o maior problema deles é o vandalismo. Seja como for, o resgate de carros antigos e sua manutenção é um ponto positivo, mesmo que para transformar estes carros para ficarem impecáveis ainda falte um pouco de trabalho, mas todos são perfeitamente funcionais e autônomos.
Mas a partir de 1960 houve uma importante reviravolta que certamente foi estratégica para o sucesso da empresa. Neste ano veículos VW entraram no esquema de propaganda da Truly Nolen, com grande sucesso.
Em todos os países onde a Truly Nolen foi se estabelecendo apareceram Mouse Cars como os exemplos, hoje históricos:
Agora podemos comparar as duas estratégias de propaganda da Truly Nolen, carros antigos e Fuscas na versão Mouse Car. Veja abaixo e decida qual foi a melhor:
O fundador da empresa posando entre o Fusca e um dos carros antigos de propaganda, um HuppMobile 1930: qual causa mais impacto?
Em um dado momento o Fusca deixou de ser fabricado e surgiu o seu primeiro sucessor, o New Beetle, e a Truly Nolen acompanhou esta mudança também, incluindo uma versão limusine.
Mesmo o Fusca Mouse Car tendo saído das ruas com o encerramento da fabricação do Fusca, a sua imagem continua, e continuará sendo um símbolo desta empresa — uma imagem corporativa — como se pode ver nos seus sites, agora numa versão estilizada desenhada por computador, que permite fazer várias animações em páginas dos diversos sites pelo mundo. O Fusca é também usado em suas publicações, como é o caso da etiqueta de qualidade que deu origem a esta matéria:
No vídeo abaixo pode ser vista uma compilação de imagens usadas em vídeos de propaganda da Truly Nolen onde aparece a imagem feita por computador acima, tanto animações com o Fusca quanto cenas com carros usados hoje em dia, na era pós-Fusca. Notem que na pick-up há “anteninhas de formiga” no teto:
Os sites da Truly Nolen são constantemente atualizados, mas o Fusca está sempre presente nas animações e na decoração das páginas. O carrinho amarelo personalizado já é mundialmente conhecido, tornando-se o cartão de visitas da empresa. Veja no vídeo abaixo algumas cenas de uma das versões anteriores do site brasileiro da empresa:
No site americano da Truly Nolen há uma página dedicada às crianças onde os Mouse Cars fazem parte de álbuns de pintura que contam uma história ligada ao combate às pragas e outras atividades lúdico-instrutivas.
Abaixo alguns exemplos das atividades para crianças:
Álbum de pintura “Truly Coloring Book” em PDF que pode ser baixado:
Um jogo interativo para crianças que podem customizar o Mouse Car — Truly Dress-Up:
Também é possível agendar visitas de um Mouse Car às escolas com a realização de palestras sobre o assunto combate a pragas.
Acho que você deve ter notado um “estranho no ninho” na foto de abertura, devidamente aboletado na caçamba da Kombi-formiga Pick-up branca (a caracterização de formiga aparece nas “antenas” do teto). Sim, é um Isetta. Um lote de Isettas juntamente com vários Messerschmitt Kabinerollers 175 e 200 formaram a primeira frota de “outdoors circulantes” de impacto — antes mesmo da guinada para carros antigos — e da passagem para Fuscas e Kombis. Não há dúvida que o senso de propaganda do fundador desta empresa passou e continua passando pelos carros — hoje com ênfase aos antigos. É interessante destacar que todos os carros antigos da frota têm a identificação de marca, modelo e ano de fabricação.
Tivemos ao menos um Fusca-Rato “independente” aqui em São Paulo e aqueles que participaram do 5o Encontro Nacional do Fusca, realizado em Interlagos em 17/01/1993 durante minha gestão como presidente do Fusca Clube do Brasil, certamente lembram deste carro. Num trabalho minucioso, o colega Ricardo Novo Feres transformou um de seus carros num incrível Fusca-Rato, com orelhas, cauda, focinho e bigodes, além de uma caprichada cobertura de pelúcia na tonalidade “cinza-ratinho”.
O Ricardo era um dos que mais se dedicavam à criação de fantasias para Fusca, pois uma das categorias dos concursos era a de “Fusca melhor fantasiado” e ele geralmente “faturava” o primeiro lugar. Também, pudera. No 4º Encontro ele havia feito um lindo Fusca Joaninha. Este Fusca oval tinha vários itens originais interessantes com as lanterninhas traseiras de coração, faróis Bosch etc., tudo igualmente pintado na cor “cinza-ratinho”
Já os New Beetles foram e ainda são muito usados em propaganda nos Estados Unidos. Este é um carro muito carismático e ocupou a grande lacuna deixada pelo VW Beetle original nos Estados Unidos, onde o Fusca ainda é o carro da Volkswagen que mais fez sucesso.
Dentre inúmeros exemplos eu vou citar dois. O primeiro é o Fusca Lagosta do Restaurante “The Boston Lobster Feast”, de Orlando, na Flórida. Este carro recebeu uma lagosta cenográfica que foi cuidadosamente acoplada ao carro. As presas da lagosta tiveram que ser modeladas em uma escala menor do que o corpo e a cauda para que coubessem no contexto da frente do carro, em especial dos faróis.
Eu vi este carro inicialmente num folheto de propaganda turística em uma de minhas viagens à Orlando. Aí, como no caso do artigo acima que começou daquela imagem de Fusca num adesivo de controle de qualidade, eu fui atrás para conferir a história. Entrei em contato com a empresa, que foi muito solícita, marcou um encontro, permitiu que o carro fosse fotografado e eu ainda visitei o moderno complexo de armazenamento de peixes que são servidos no restaurante que é do tipo “coma o quanto quiser”.
Aqui cabe um agradecimento a Robert Milford the III, então relações públicas da empresa que foi de especial competência e gentileza para comigo. Esta pesquisa acabou gerando um artigo que foi publicado também na revista alemã VW Scene:
É realmente algo muito bem feito para chamar a atenção das pessoas. Andei neste carro, tanto que a foto do canto direito inferior foi tirada de dentro dele. Os detalhes da figura cenográfica são incríveis mesmo. Por onde o carro passa as pessoas acenam e sorriem. Este carro é usado nas tarefas de marketing do restaurante e circula incansavelmente entre os inúmeros hotéis de Orlando.
Para complementar esta experiência eu convido o leitor a dar uma volta comigo no New Beetle Lagosta comigo:
O segundo exemplo é o “New Beetle Shamu” e volta e meia um dos carros da frota de mais de dez carros iguais ficava estacionado na entrada do Sea World de Orlando. Certamente existiam carros iguais nas demais localidades Sea World espalhadas pelos Estados Unidos. Esta decoração ficou especialmente bonita e tirar uma foto com este carro era um “must do” (tem que ser feito) para os visitantes do parque. Não foi diferente para mim, só que fui até o estacionamento onde eles estavam descansando das atividades de propaganda.
Aproveitando que na época eu já tinha uma câmera digital, tirei uma série de fotos do estacionamento onde os New Beetles Shamu estavam:
Existem no mundo milhares de exemplos de empresas que acabaram usufruindo do carisma de veículos como o Fusca para seus negócios. Aqui no Brasil também, e certamente vale a pena pesquisar mais exemplos. Se o leitor tiver alguma dica sobre isto, eu agradeceria recebê-la.
Nota: A resolução de algumas das fotos históricas da Truly Nolen em seu site é muito baixa. Entrei em contato com a empresa nos Estados Unidos para obter estas fotos históricas com maior resolução, sem sucesso, portanto não foi possível usá-las. A única pessoa daquelas com quem falei várias vezes por telefone e troquei inúmeros e-mails, que acabou colaborando, foi o Juan Cruz Solari, então diretor de vendas nos EUA, que enviou três fotos que tinha, a quem agradeço. Tampouco o pessoal da representação brasileira desta empresa, colocado no circuito pela indecisa representante da área de marketing americana, colaborou com o trabalho. Em suma, foi bastante desmotivador, mas, passado um tempo, como a história é interessante e envolve o Fusca, decidi escrever este artigo mesmo assim. Aliás, o despreparo para atender um historiador em busca de informações e imagens não é uma exclusividade da Truly Nolen: o pessoal do Sea World também não colaborou em nada, uma verdadeira tristeza, pois no frigir dos ovos um artigo como este é propaganda gratuita para o negócio deles, mesmo com o trabalho sendo escrito sob um enfoque Fuscamaníaco. O contato com o pessoal do restaurante “The Boston Lobster Feast” foi uma agradável exceção. Este desabafo é para registrar as dificuldades que tenho que enfrentar para poder oferecer artigos como este para o leitor do AE.
AG