O Brasil é um país de tragédias anunciadas, pois apenas finge se preocupar com a segurança veicular
“Põe o cinto, põe o cinto!”.
Foi o que ouviu um dos sobreviventes da recente tragédia com o ônibus na estrada Mogi-Bertioga segundos antes de sair do asfalto e capotar (foto de abertura). Ele contou que o motorista já estava com dificuldade de controlar o ônibus algumas curvas antes, o que permite supor alguma avaria mecânica no veículo.
Além disso, se alguém gritou para afivelar o cinto é porque ninguém o utilizava. Apesar de obrigatório nas rodovias, dizem as estatísticas que apenas 2% dos passageiros nos ônibus se preocupam com ele, pois “acidente só acontece com os outros”…
Outra sobrevivente afirmou que só se salvou pois teve tempo de afivelar o cinto. Mas em geral é impossível utilizá-lo no último momento, pois acidentes acontecem rápida e imprevisivelmente.
Lembro-me de uma viagem noturna que meu filho fez há alguns anos, num ônibus da famosa Viação Cometa. Apesar da sofisticação, poltrona reclinável, número restrito de lugares, banheiro e outras comodidades, encontrou seu cinto emperrado. Reclamou com o motorista, que tentou mas não conseguiu repará-lo. Disse então que não viajaria sem o cinto e não poderia se acomodar numa outra poltrona, pois o ônibus estava lotado. Confusão formada, a maioria dos passageiros reclamava contra meu filho, já passava da hora de saírem da rodoviária e o motorista decidiu então, quase sob vaia, ir até à garagem da Cometa para o mecânico resolver o problema. Ao chegar, verificou-se, por qualquer motivo, que seria impossível o reparo naquele momento. Decidiu-se então, para desespero dos passageiros, trocar de ônibus. E tome mais meia-hora para abastecer o veículo-reserva, trocar todas as malas etc.
No Brasil é assim: autoridades do trânsito, parlamentares, empresas, motoristas e passageiros só fingem se preocupar com segurança veicular. Se uma legislação específica é aprovada pelo Congresso, é porque teve algum lobista interessado.
Se raramente o cinto é lembrado por quem vai no banco traseiro do automóvel, imagine então num ônibus. Centenas de passageiros já se feriram gravemente ou morreram nestes acidentes por não estarem protegidos pelo cinto. Há alguns anos, num micro-ônibus que carregava jornalistas especializados em automóveis voltando de um evento, nem todos o utilizavam. O veículo tombou, muitos se feriram e um morreu. Sinal de que nem mesmo os profissionais do setor se preocupam com o assunto. E ignoram que as chances de se salvar num acidente aumentam em 75% com o uso do cinto.
Aliás, basta ler com atenção a descrição de alguns acidentes com automóveis para se perceber que seriam mesmo poucas as chances de sobrevivência da maioria dos passageiros. Certa vez eu lia num jornal que um Opala Caravan (perua) saiu da estrada e capotou. Segundo a notícia, dois passageiros escaparam ilesos (deviam ser o motorista e passageiro na frente, com os cintos), três com ferimentos graves e dois outros morreram segundos depois do acidente. Fez as contas? A perua carregava nada menos que sete passageiros. Dois ou três deles só podiam estar acomodados no porta-malas. Sem cinto e num espaço projetado para se deformar no caso de um acidente.
Desde 2010 é obrigatória a cadeirinha infantil nos automóveis, o que reduziu — segundo a polícia rodoviária — cerca de 40% das crianças com ferimentos graves ou fatais nos acidentes em estradas. Mas, por incrível que pareça, ainda não se publicou uma regulamentação para sua utilização nas vans escolares. Nem em táxis nem nos ônibus.
Segurança veicular só será levada a sério quando o país implantar a educação de trânsito e a fiscalização nas ruas e estradas. Até lá, será uma infindável sucessão de tragédias anunciadas.
BF