Famosa por usar soluções de vanguarda no que se refere à tecnologia e marketing, a F-1 não esquece o primeiro dogma da economia: a lei de oferta e procura. A meio caminho de uma temporada com 21 etapas não é de estranhar que essa máxima agora é aplicada com pitadas de déjà vu: Brasil e Canadá juntam-se a Inglaterra e Itália na lista de degola e Bernie Ecclestone dá indícios que a temporada 2017 será reduzida em duas ou três provas. Se essa proposta for tão bem-sucedida quanto o teste que Sérgio Sette Câmara fará no dia 13 de julho, o brasileiro poderá viajar um pouco menos no ano que vem. O treino em questão será seu primeiro contato com um carro de F-1, no caso, um Toro Rosso, e pode gerar uma vaga de piloto reserva ou mesmo de piloto titular…
Quando a procura de um produto ou serviço é maior que sua oferta, o preço do bem em oferta, seja tangível ou intangível, sobe. Essa tendência segue em alta até que a concorrência apareça na forma de produtos similares ou a demanda caia; surge então o momento de reposicionar o produto no mercado através de promoções do tipo compre-um-leve-dois ou diminuir a oferta. Como não há concorrente direto para a F-1 e o momento tem um viés de saturação, está explicada a proposta de reduzir o calendário do ano que vem na esperança de convencer organizadores em dúvida ou pouco propensos a pagar mais pelo show. A mensagem subliminar, e surrada, que há muitos países querendo vaga no calendário sugere que o interesse dos que estão no jogo já não é o mesmo.
A lista de ameaças é longa, demais conhecida por quem segue a categoria com a imortal esperança de que, um dia, um GP quem sabe, voltemos a ter uma competição mais equilibrada e disputada. Exemplo dessa eterna barganha não faltam: por exemplo, a disputa entre a FOM (leia-se Eccelstone & Co.) e o autódromo de Silverstone é antiga, tal qual a atmosfera no país que está tirando a Grã-Bretanha da União Europeia. A França, eterna rival dos ingleses, dobrou a aposta até um ponto e descobriu que pode prescindir da F-1 sem afetar o principal segmento daquilo que chama de “sports mécaniques”. Por ser a sede das principais equipes da categoria e manter uma indústria altamente especializada no setor, o British Racing Drivers Club — que administra o autódromo de Silverstone — e a divisão MAS (Motor Sports Authority) do RAC (Royal Automobile Club) vivem eternamente entre a cruz de Saint George e a cimitarra de Ecclestone. Poucos autódromos permanente sofreram tantas intervenções nos últimos 20 anos quanto a pista de Northamptonshire.
Além de Silverstone, os circuitos de Interlagos, Montreal e Monza estão ameaçados de perder lugar no calendário dos próximos anos: mais do que qualquer outra causa, o “X” da questão é um “$”. No caso paulistano uma longa e pouco explicada reforma em Interlagos é o pivô do crime: nunca antes na história deste País o Autódromo Municipal José Carlos Pace foi submetido a tão longa e cruel operação de adaptação, com efeitos colaterais devastadores para as categorias nacionais e, principalmente, regionais. Mesmo assim as autoridades nacional (Confederação Brasileira de Automobilismo, CBA) e estadual (Federação de Automobilismo de São Paulo, Fasp) pouco ou nada fazem para resolver o assunto. O autódromo parece cada vez mais sujeito aos desejos e objetivos dos organizadores do GP do Brasil de F-1 e de promotores de shows do que dos praticantes dos esportes a motor. O desleixo da CBA e da Fasp certamente colaboram para que a categoria internacional ocupe o espaço deixado vago por dirigentes que nada ou pouco fazem pelo esporte que deveriam defender e promover.
Décadas ou anos atrás seria suicídio questionar a necessidade do Brasil ter um GP de F-1. Hoje, não. Há mais brasileiros bem-sucedidos profissionalmente em outras categorias e as corridas da categoria já não suprem a demanda de espetáculo e disputa que se espera de uma competição automobilística.
Além do caso da França, citado acima, à Itália é cobrado um preço caro pela intransigência em manter Monza como um dos últimos traçados clássicos que remontam às origens da categoria, nos anos 1950. Brands Hatch, Nürburgring e Watkins Glen são alguns exemplos dessa leva que foram, junto com Rheims e Zandvoort: os três primeiros sobrevivem muito bem sem hospedar a categoria que os apaixonados “tuercas” argentinos chamam de “la máxima”.
Mais: países como Coreia do Sul, Índia e Turquia apostaram em ter seu GP e não se tem notícia que a construção de faraônicos autódromos fomentaram o automobilismo local ou sequer que foram agregados à lista de investimentos autossustentáveis.
Recentemente Bernie Ecclestone teceu elogios ao recém-disputado GP do Azerbaijão; não seria estranho se essa corrida abrisse uma onda de realizar cada vez mais corridas em centros urbanos. A F-E mostrou que a ideia dá certo e os lucros dos políticos locais podem ser maiores em inúmeros aspectos.
Tudo isto escrito acima deve ser lembrado quando Tamas Rohonyi declara que sem a F-1 Interlagos estaria fadado a desaparecer. Interlagos está fadado a desaparecer, isto sim, não se perder a F-1 mas se não for usado apropriadamente — sua atividade fim é a prática de esportes a motor — e tenha uma gestão deficiente. É um caso semelhante ao do aeroporto de Congonhas: a falta de uma política urbanística correta permitiu o adensamento populacional ao seu redor; seu uso correto e uma administração responsável comprovam que mesmo assim ele é viável e importante para a cidade, tanto na geração de negócios, empregos e impostos…
Sette Câmara em alta
Um dos destaques da temporada europeia da F-3, o mineiro Sérgio Sette Câmara foi convidado a testar um carro da Scuderia Toro Rosso durante um treino programado para o dia 13 de julho em Silverstone. O brasileiro vai dividir o carro com o espanhol Carlos Sainz Jr, que vai pilotar o carro no dia 12. O treino deverá contar com a participação de outros novatos e ajudar na definição das equipes para a temporada de 2017. As chances de Sette Câmara são relativas e poderiam ganhar força caso o russo Daniil Kvyat deixe a equipe no final da temporada. O mais provável, porém, é que se o seu trabalho corresponder às expectativas ele possa ser promovido a piloto-reserva e disputar a temporada da GP-2 com uma equipe bancada pelo fabricante de energéticos.
WG