Tenho dito aqui, nas respostas a comentários de leitores, o “morro sem entender” para fatos absurdos que ocorrem no dia a dia e aproveito para citar um desses fatos que é mania nacional — exclusivamente brasileira, diga-se — de chamar fábrica ou empresas fabricantes de automóveis de “montadora”. Essa vou morrer sem entender mesmo. Em nenhuma outra língua isso acontece.
No imaginário popular é como se o processo de produção de um automóvel envolvesse apenas montagem de componentes, denotando falta absoluta de noção de como se fabrica um carro. Nem imagens de fábricas funcionando mostradas de vez em quando na tevê são suficientes para fazer as pessoas entenderem que se trata muito mais do que simples montagem.
É claro que grande parte do que é aplicado num veículo é adquirido de fabricantes de peças e conjuntos que são fornecidos à fabricante do veículo, como bancos, painéis de instrumentos completos, tapeçaria, freios, eixos completos, até câmbios em muitos casos. Mas olhando com atenção veremos que o processo todo vai muito além de montagem.
Só processo de fabricação da carroceria evidencia que montagem é termo totalmente inadequado. Há a estampagem das várias partes de carroceria em gigantescas prensas, que depois precisa ser armada por meio de solda, hoje tarefa efetuada por um batalhão de robôs (foto de abertura). Depois vem a preparação para a pintura e esta propriamente dita. Nada disso é “montagem”.
Sem falar no coração de todo automóvel, o motor. Há a fundição, a usinagem de bloco, cabeçote, virabrequim e bielas, operações realizadas por complexas máquinas.
Muitos leitores certamente já notaram que ao comentar e usar o termo ‘montadora’ — automaticamente, por hábito com certeza —, eu e outros moderadores alteramos para fabricante, uma vez montadora é palavra banida do AE. É banida também no Best Cars desde os primórdios em 1997, e nas revistas Carro, onde sou editor técnico e colunista, TOP Carros (editor técnico), Engenharia Automotiva e Aeroespacial, da SAE Brasil (consultor editorial), e Fusca & Cia e Opala & Cia. (editor técnico).
Mais estranho ainda é no âmbito da Anfavea usar-se habitualmente essa palavra imprópria, se Anfavea é acrônimo de Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. Até funcionários de alto escalão nas fabricantes de automóveis falam em ‘montadora’, inacreditavelmente.
Sem esquecer da Fabbrica Italiana di Automobili Torino — Fiat. Ou a Bayerische Motoren Werke: BMW (Werk é fábrica em alemão). Ou a Volkswagenwerk.
Estranho também é ‘montadora’ dizer respeito exclusivamente a fábricas de automóveis, pois qualquer empresa que se dedique a atividade manufatureira é chamada de fábrica — de aviões a panelas. Nunca se viu ‘montadora de motocicletas’.
Nos feirões de fim de semana portões das fábricas são abertos; quando uma fábrica participa oficialmente de uma competição há a equipe de fábrica; quando se fala em garantia ela sempre é de fábrica, jamais ‘garantia de montadora‘. Preço de montadora? Jamais, sempre preço de fábrica.
Mudanças de hábito
Noto certas mudanças no escrever injustificáveis. Por exemplo, pra, prum, proutro são comuns nos comentários e invariavelmente corrigidos para para, para um, para outro. Muitas vezes pode ser causado pelo corretor ortográfico dos smartphones, muito usados hoje para texto. Quem nunca escreveu uma coisa e saiu outra?
O AE parte do princípio que todos têm o direito de ler o português bem escrito e isso inclui os comentários. Sempre cuidamos de corrigir a ortografia e a gramática, no que seria um trabalho de revisão em qualquer editora.
Ponto em vez de vírgula
Generaliza-se no Brasil a passos de gigante o uso do ponto para separar parte inteira da fracionária, quando em português é à vírgula que cabe esse papel. No AE nunca se escreve, por exemplo, motor 1.0, mas 1,0. Na linguagem falada até se entende, é mais fácil falar ‘ponto’, um dissílabo, do que o trissílabo ‘vírgula’. Mas, ao escrever, a vírgula e o ponto são vizinhos nos teclados, não custa escrever certo.
Ao que parece, essa mania começou com o Corcel II em 1977.
Bloco
Uma das maiores aberrações que tenho visto ultimamente é o uso da palavra ‘bloco’ como sinônimo de motor, tipo ‘um bloco de quatro cilindros.’ É incrível, mas existe, até no recente texto de informações à imprensa do Fiesta 1,0 EcoBoost: “O 1.0 EcoBoost oferece a potência de um motor 1.6 com a economia de um bloco 1.0 de três cilindros.”
O pior é que já vi citação semelhante num site automobilístico francês, “un bloc de quatre cylindres.”
Pergunto-me o que se passa na cabeça de alguém para escrever tamanha asneira.
Cilindrada como unidade de volume
Essa é manjada, um substantivo ser usado como unidade de volume. Mas felizmente está caindo em desuso. A unidade de volume no sistema internacional é o litro (l, L) ou então o centímetro cúbico (cm³, o cc não deve ser usado mais). Que tal alguém escrever que de São Paulo ao Rio de Janeiro são 405 distâncias? Não dá, certo?
Automotivo (a)
O dicionários aceitam, mas automotivo (a) é falso cognato de automotive. A tradução correta seria automotriz, da mesma forma que electromotive force é força eletromotriz. No AE optamos por ‘automobilístico (a)’, mais adequado. Por exemplo, Geia é sigla de Grupo Executivo da Indústria Automobilística.
Ironicamente, trabalho para a revista Engenharia Automotiva e Aeroespacial, como vimos acima, mas a palavra se restringe ao nome da publicação; nos textos ela inexiste.
Gênero de automóvel
O AE faz questão de tratar o substantivo masculino automóvel da maneira correta, que é pelo masculino. Comentários também são corrigidos nesse aspecto, obviamente.
Já li em revistas frase absurdas como “O Porsche e a Ferrari são carros esporte magníficos.” Seria o mesmo que dizer “O Mário e a João.” Ferrari no feminino, só a fábrica.
Até no caso de carretera, sedã utilizado em provas de estrada (carretera é estrada em espanhol) com regulamento específico, termo surgido na Argentina como turismo carretera. No AE escrevemos um carretera.
Siglas
Desde sua criação há oito anos, o AE adota como padrão de redação o Manual de Redação e Estilo do jornal O Estado de S. Paulo. Pelas regras de Português, iniciam-se com maiúsculas Rua, Avenida, Praça, Rodovia. Pelo manual, rua, avenida, praça, rodovia.
Quanto às siglas e acrônimos (palavras formadas por sílabas ou parte das iniciais do nome de um órgão ou entidade, por exemplo, Embraer) as regras são:
– até três letras, tudo maiúsculo, como CBA, CMN, CRA, MEC, ANP, SAE. Exceções, poucas, como CNEN, EMFA.
– mais que três letras e ser for pronunciável, somente inicial maiúscula: Contran, Detran, Bradesco, Unesco, Crea, Prodesp, Fenit, Condephaat.- mais que três letras e se não for pronunciável, tudo maiúsculo: DNIT (locutores erram costumeiramente ao pronunciarem De’nit, há que se pronunciar as letras uma a uma, D-N-I-T), BNDES, INSS, CNBB.
– Para siglas estrangeiras, usar a nossa regra: Nasa e não NASA, Nascar e não NASCAR, Foca e não FOCA, Nyse e não NYSE.
E é só por hoje.
BS