Era tragicômico ver madame se contorcendo para chegar no banco traseiro do Opala duas-portas…
Nem sempre a compra de um automóvel se reveste de racionalidade. Ao contrário, consumidor é muito mais emoção que razão. O que explica as muitas “manias” do mercado brasileiro. A irracionalidade de ter sido único no mundo a optar — durante dezenas de anos — pelo automóvel de duas portas. Brasileiro abominava as quatro portas e justificava o injustificável com argumentos estapafúrdios. “Não quero ser confundido com táxi”, “É mais seguro para as crianças”, “Faz menos barulho de porta”, “É mais simples de fechar” e outras aberrações do gênero. Há quem diga que foi mania induzida pelo Fusca, primeiro carro de centenas de milhares de brasileiros.
As fábricas tiveram que rebolar para eliminar duas portas de modelos produzidos por suas matrizes. Caso do VW Santana (foto de abertura) e Dodginho 1800 que só tinham versões quatro-portas em outros países. No Opala, era tragicômico presenciar madame chique se contorcendo para chegar ao banco traseiro do cupê de duas portas, com motorista ao volante…
A atração pelas picapes diesel era também uma incógnita. Nas décadas de 70 e 80, eram motores piores que os atuais, bem mais barulhentos, fumacentos e lerdos. Dizia-se que quem vibrava não era o motorista, mas o carro. Explicava-se a preferência pelo custo do diesel menor que o da gasolina. Mas as contas não fechavam, pois o investimento inicial era muito mais elevado e exigia que se rodasse quase dez mil km por mês para amortizá-lo. Depois, o argumento irrefutável de que o valor de revenda da picape a gasolina despencava no mercado de usados. Óbvio, pois a tara era pelo diesel…
Alguns acessórios e equipamentos sem nenhum objetivo racional também tomaram conta do mercado brasileiro. “Engate-bola” e “quebra-mato” estiveram na berlinda durante anos, apesar dos problemas e perigos provocados por ambos. O primeiro conquistou uma legião de fãs com a falsa ideia de proteger a traseira do carro. Como virou febre, ninguém dava a menor pelota para o alerta de que ele eliminava o poder de absorção do para-choque e provocava empenamento do monobloco ao sofrer uma batida traseira. Além de danificar os carros estacionados atrás e a canela de pedestres próximos. O “Quebra&Mata” era o próprio símbolo do machismo, uma exaltação ao poder de quem estivesse ao volante. Mas contrário à filosofia de suavizar o eventual impacto contra um pedestre. E ainda pior no caso de criança, que era fatalmente atingida na cabeça pela trapizonga.
Mania mais recente é da abominável película que escurece o vidro. Apesar de ter um limite de escurecimento, o chamado “insulfilm” tem suas funções desvirtuadas e intensidade de coloração muitas vezes superior à permitida, provocando dupla insegurança: de dentro, à noite, principalmente com chuva, o motorista perde quase completamente a visibilidade. De fora, nada se enxerga no interior do automóvel, nem mesmo se o motorista estiver ao volante com a arma de um sequestrador apontada para sua cabeça.
E como explicar a atração exercida pelos utilitários esportivos, os SUVs que já liquidaram com dois segmentos de automóveis no mercado (station wagon e minivan) e avançam céleres pelo território dos sedãs? Contrariam todas as regras da boa convivência e harmonia com o meio ambiente: são enormes e “espaçosos”, bebem demais e emitem em excesso por serem muito mais pesados. Representam uma ameaça quando se chocam com automóveis “normais” por serem mais altos. O centro de gravidade elevado compromete a estabilidade e exige um arsenal de dispositivos eletrônicos para mantê-los disciplinadamente no asfalto. E não adianta tentar convencer madame de que apenas passam uma impressão de maior segurança.
Mas, se tivesse explicação, não seria mania….
BF